
Sob a designação de “Movimentos alternativos na actual crise grega”, os companheiros libertários Kostas Jasanis e Mario Tursunidis realizaram uma ronda informativa pela península durante os meses de Janeiro e de Fevereiro. Falámos com Mário acerca da situação na Grécia e das semelhanças que existem entre o país helénico e o Estado espanhol.
N. Rodríguez y A. Rodríguez | Periódico CNT
Pergunta: Em Espanha temos a sensação de que estamos a seguir os passos da Grécia. Têm também essa sensação agora que conhecem a situação aqui? Se assim é, quando na Grécia se encontravam na situação em que estamos agora, esperavam chegar à vosso estado actual?
Resposta: Embora pense que as raízes da crise em cada país são diferentes, creio realmente que vocês estão a seguir os mesmos passos que nós. E sim, claro, o movimento libertário estava muito bem preparado e já tinha percebido, mesmo antes, que íamos a chegar ao ponto em que estamos agora. Sabemos também que a situação ainda vai piorar mais, mas, por outro lado, o povo grego pensava que todos esses cortes, austeridade, etc., iam ser feitos durante um curto espaço de tempo e que o poder não ia tirar-lhes tantas coisas, direitos, reformas, etc..
Pergunta: Que semelhanças te parecem existir com outros povos?
Resposta: Há muitas semelhanças entre os povos que estão sob o sofrimento das consequências da crise do sistema. O capitalismo quer manter o seu sistema de exploração através do neoliberalismo, que é a sua melhor ferramenta, e o caminho e o tempo das suas realizações (decisões, promessas) estão a ter lugar em diferentes locais, mas da mesma maneira, segundo aquilo de que me apercebi durante a minha permanência aqui. Dividindo o povo, tentando manipulá-lo e a conseguir a mais ampla aprovação por parte do parlamento. Relativamente às resistências sociais, ao movimento antagónico ao capitalismo, por exemplo o nosso, entre Espanha e a Grécia há muitas semelhanças como a paixão, a presença massiva de gente nas ruas, o movimento das praças, a democracia directa e outras coisas que se poderiam referir, embora a nossa estrutura seja muito diferente.
Pergunta: Que nível de apoio mútuo mostra o povo grego entre si face a esta crise?
Resposta: Tem havido muito apoio mútuo entre o povo grego durante esta crise, para além de haver exemplos de autogestão, troca de produtos e serviços prestados, ajuda, mutualismo, mas também é preciso concluir que essa apoio mútuo talvez não seja tão forte como deveria, mas, bom, é uma solução que encontrámos com as poucas forças e a grande disponibilidade que temos, e o tempo porá tudo no seu lugar.
Pergunta: Em Espanha, em termos gerais, uma parte da população ainda resiste a actuar contra o sistema? Na vossa opinião, por medo, desconhecimento, ou para evitar o esforço que isso implica?
Resposta: Relativamente à Grécia, no que se refere a resistência, o povo resiste massivamente frente ao sistema e à política que a troika aplica (FMI, União Europeia, Estado Grego) e com as todas as formas que encontra para resistir. Não tem medo ou desconhecimento, está bastante consciente e por isso enche as ruas, solidariza-se com as Greves Gerais (12 Greves Gerais durante 2012), não paga, passa as barreiras nas portagens, nega-se a submeter ao pagamento de 5 euros para ter acesso aos hospitais, tampouco paga os impostos que foram recentemente aplicados, mas também porque não têm dinheiro para os pagar.
Pergunta: Qual o objectivo primeiro que tentais alcançar? A reforma ou o derrube do sistema capitalista?
Resposta: Nós desde o nosso aparecimento, durante e depois da queda da “ditadura dos coronéis”, de 1967-1974, sempre tentámos derrotar o sistema capitalista e e construir mundo autónomo, autogestionado e livre. E estes tempos actuais ajudam-nos a isso. Se não é agora, quando será? Sem sermos nós, quem será?
Pergunta: Em todo o vosso trajecto de luta acham que cometeram erros de método ou de organização que possam servir de exemplo para outros?
Resposta: São muitos e são graves os erros que cometemos, por exemplo o facto de não termos conseguido manter determinados métodos nem sequer uma organização madura, faz com que tenhamos que carregar com as suas consequências. É uma pena! O fetichismo da violência para mim é o mais importante, o isolamento político, a pureza das ideias, o separatismo, o elitismo frente a algumas camadas sociais, a desconfiança nos espaços livres, o atraso em entramos no sector laboral são erros, mas continuamos a ir para a frente tentando não voltar a repeti-los.
Pergunta: Os governos fazem que não vêem as expressões massivas contra as reformas e seguem o plano traçado. Por isso, que resultados dão as manifestações? É um método útil para a luta?
Resposta: As manifestações são uma pequena parte da nossa presença política porque antes delas há muitas acções, assembleias, etc. Mas através das manifestações declaramos a nossa recusa face às decisões deles e também mostramos a nossa força na rua enquanto movimento. Por isso os governos gregos sempre quiseram ilegalizá-las, desvalorizá-las, votando decretos-lei, ou pelo menos limitá-las. É mais um meio de pressão entre os vários meios de intervenção que temos. Nas ruas formam-se as consciências.
Pergunta: Com a vossa experiência, que meios de luta consideram mais aptos a darem resultados?
Resposta: Protesto, sabotagem, assemblearismo, não pagar, construir pequenos mundos, publicar, reunir, defender os direitos, desobediência social, debates, etc., e não destaco nenhum deles como método de luta, mas as organizações libertárias devem fazê-lo porque cada uma segue a sua própria estratégia.
Pergunta: Pessoalmente julgo que o grande capital tenta converter países como Espanha ou a Grécia e meros produtores, limitados a um consumo muito básico. Mas para tirar destes países um lucro ainda maior precisam de se apoderar dos serviços básicos (casa, luz, água) e sociais (saúde, educação, etc.) Sentem que o povo grego foi transformado na parte de um negócio?
Resposta: Sim, é tão evidente que até os cegos vêem a sua intenção de se apoderarem dos serviços básicos, ou melhor, conhecidos como os direitos sociais que conquistámos desde a época da revolução francesa. Este é o caminho do neoliberalismo e a repressão é a sua arma contra todos os que se opõem às suas políticas assassinas.
Pergunta: Consideram que o êxito do Amanhecer Dourado como uma reacção momentânea ou uma ameaça a mais largo prazo?
Resposta: Infelizmente vejo como uma reacção a largo prazo e é muito perigoso em todos os sentidos e contra qualquer resistência. É a coluna do sistema, que consiste em polícias, militares, seguranças de discotecas, gente da noite, mafiosos e ex-seguidores do partido da Nova Democracia (direita) e alguns desequilibrados de outros partidos políticos. O pior de tudo é que o Governo tripartido quer assumir uma parte da sua política (imigração, repressão, tolerância zero, despejo das ocupações, que é o que hoje existe e que começou com o despejo do CSO Vila-Amalias) para poder recuperar o eleitorado perdido. Mais do que nunca é necessária uma ampla aliança anti-nazi para acabar com este monstro capitalista.
Pergunta: Para terminar, que opções julgam que podem melhorar a entre-ajuda (apoio mútuo) entre os nossos povos?
Resposta: O apoio mútuo entre o povo grego e espanhol e com todos os povos do mediterrâneo que estão debaixo do domínio da crise devem melhorara e estabelecer-se em melhores condições. Temos que trabalhar paralelamente em todos os casos como aconteceu por exemplo com a convocatória do M31 (31 de Março de 2012, dia internacional contra o capitalismo). É obrigatório que os anarcosindicalistas se interliguem melhor e fortaleçam a sua associação internacional e, nesse sentido, creio que os outros colectivos também devem unir-se na base desta orientação política.
Fonte: Periódico cnt nº 397 – Febrero 2013
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