(Memória Libertária) Anarquistas deportados para Timor fundam Aliança Libertária em Dili


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Leitura matinal na residência e sede da Aliança Libertária em Dili (Timor) -1932

Há alguns dias atrás, durante  a Feira do Livro de Évora esteve aqui a professora e investigadora universitária, Luísa Tiago de Oliveira, a apresentar e a contextualizar historicamente o livro do timorense Luís Cardoso, recentemente editado, “O ano em que Pigafetta completou a circum-navegação”. Trata-se de um romance a que a historiadora fez um enquadramento global, atravessando as grandes linhas da história do território timorense.

A dado passo, Luísa Tiago de Oliveira, salientou a dimensão que teve durante, sobretudo, a década de 30 do século passado, a deportação de presos de índole social e política para aquelas terras distantes. Disse que, em Timor, chegaram a estar cerca de 500 deportados, a maior parte anarquistas e anarcosindicalistas da CGT, vítimas de repressão que se seguiu à instauração do regime ditatorial pós 1926. 500 deportados em Timor era muita gente, tantos como os brancos que integravam a administração da ilha, o que levantava, só por si, problemas de segurança.

Entre os anarquistas que estiveram em Timor há nomes como Arnaldo Simões Januário, de Coimbra, que depois veio a morrer no Tarrafal ou Manuel Viegas Carrascalão, nascido em S. Brás de Alportel, tipógrafo, secretário-geral das Juventudes Sindicalistas, por várias vezes preso, a última das quais em 1925, sendo condenado a 6 anos de degredo pelo Tribunal Militar e despachado para Timor em 1927, de onde nunca mais voltou. Este Manuel Viegas Carrascalão seria o fundador do clã Carrascalão (de que há ainda vários elementos ligados à actividade política timorense) e criou a fazenda “Algarve”, uma das mais prósperas (na altura) de Timor. Conduziu também a resistência à invasão japonesa nos anos 40.

Segundo Luisa Tiago de Oliveira  a forma de encarar os deportados também variou de governador para governador. Muitos foram espalhados pela ilha de forma a não poderem criar laços fortes, numas vezes. Vezes houve, no entanto que os governadores tentaram integrar os deportados, incentivando-os a participarem na actividade económica e social da ilha e a desenvolverem as actividades que eram as suas. Terá havido mesmo uma padaria em Dili criada por anarquistas que fornecia o pão à população branca. Nessa altura, de maior distensão social, foi mesmo constituída uma Aliança Libertária de Timor, com sede e tudo, possuíndo um boletim informativo que teve pelo menos três números (aqui).

Nesta sua passagem por Évora, Luísa Tiago de Oliveira falou-me duma foto desta altura. Encontrei uma semelhante agora no arquivo Mosca (foto no início do texto). Alguns destes anarquistas fixaram-se em Timor Leste (como o Carrascalão). Outros regressaram a Portugal. Outros ainda foram morrer ao Tarrafal, como Simões Januário. Foi, no entanto, uma geração que lutou e foi fortemente reprimida, deportada e, por fim, em muitos casos, barbaramente assasinada. Foram largas dezenas os anarquistas mortos nas prisões, nas fugas, nas greves, nos atentados e nas acções contra o fascismo que se começava a impôr em Portugal e por toda a Europa. Hoje começa a recuperar-se essa memória. De uma geração que lutou até ao fim, mas cujos ecos só hoje começam a fazer-se ouvir junto das gerações mais jovens, mantendo viva a chama do ideal libertário.

e.m.

avo_marcelina_e_avo_manel_com_a_tia_dora_Marcelina Guterres e Manuel Viegas Carrascalão (aqui)

20 comments

  1. Tenho pena que nesta vossa pesquisa nao tenham encontrado o nome de Arsenio Filipe um dos fundadores do partido comunista portugues em 1921 .Tbem preso no tarrafal e em muitas prisoes deste pais..Foi para timor com o seu irmao Jose filipe ..O outro irmao foi baleado pelas costas na barbearia em frente da sua casa ..
    As ordens de Salazar era que os deportados politicos em Timor nao se metessem na “guera “entre «japoneses e australianos …Arsenio Filipe meteu-se e a sua mulher foi queimada viva na sua casa ..
    TTeve que fugir com as duas filhas Natalina Ramos Horta e Noemia filipe …Natalina Regressou com o seu marido..Noemia filipe ficou com o seu pai ja de certa idade ..
    Historias que a Historia nao conta ..Mas que esta documentado..

    1. Aliás o texto que lemos é muito tendencioso. Porque raros são os deportados sociais. Arsénio Filipe e o irmão José Filipe e outros tidos como deportados sociais , são DEPORTADOS POLÍTICOS! Vergonha esta discriminação que no tempo dos fascistas já não fazia sentido e não há meio de reporem a verdade. VERGONHA! E se na Austrália alguns se uniram contra a discriminação com que tratavam os Australianos e os Portugueses, é porque tinham nível, carácter, educação. Não sei quem escreveu este texto, mas quem o fez, bem que podia estudar, investigar o porquê das situações. Ao invés, deviam, como portugueses, orgulharem-se de homens com carácter, de Homens e MUlheres que lutaram pela dignidade das pessoas, dos seres humanos.

      1. Quando no texto se refere a deportados sociais e políticos é para distinguir, como os próprios o faziam, os anarquistas dos membros de outras tendências. Os anarquistas consideravam-se não políticos e actuando através das organizações sociais, como os sindicatos, e recusando o parlamentarismo. Claro que, no contexto actual, os seus propósitos eram políticos. Mas para os anarquistas do inicio do século XX, politicos eram os politicos burgueses e os socialistas e comunistas que preconizavam a tomada e o exercicio do poder a partir dos orgãos do Estado. Eles eram activistas sindicais e sociais.

  2. Conta a minha avo Cecília Graça Agostinho, ainda rija, graças a Deus com 83 anos, que um dos primeiros deportados políticos portugueses enviados obrigatoriamente pelo Salazar a Timor, foram para alem dos pioneiros com o apelido Horta e Carrascalao, também se integrava neste mesmo grupo o seu pai e meu visavo, o Manuel Graça, fora muitos mais portugueses políticos que estavam inseridos no grupo. Toda a historia, só poderia ser contada pela minha própria avo Cecília e o seu filho, o meu pai Carlos Graça Agostinho que conhecia muito bem toda essa geração ( que foi a primeira remessa de deportados políticos) branca e mestiça nessa altura, que fazia parte da sociedade portuguesa em Timor. Sobre a historia dos deportados políticos portugueses em Timor, acredito que hajam arquivos bem documentados sobre todos eles.

    Simone Agostinho 😉

    1. Boa tarde Sra. D. Simone,

      O meu nome é Madalena Salvação Barreto, sou historiadora e estou neste momento a escrever a minha tese de mestrado sobre a vida deste conjunto de deportados que foi enviado para Timor. Não tenho registo de nenhum Sr. chamado Manuel Graça mas gostaria que me falasse mais sobre ele.

      Deixo-lhe o meu email e peço-lhe que entre em contacto comigo,
      madalenasbarreto@gmail.com

      Muito obrigada pela atenção,

      Madalena Salvação Barreto

  3. Muito bom e muito grata.
    Apenas um reparo o meu avô Manuel Carrascalão regressou a Portugal, a 1a vez que regressou foi depois da invasão dos japoneses a Timor, e a 2a em 1974 e faleceu em Portugal.

  4. Muito grata e tenho muito orgulho em ser neta do Manuel Carrascalão e gostei muito do texto.
    No entanto tenho apenas um reparo a fazer. O meu avô voltou a Portugal 2 vezes, a 1a durante a invasão dos japoneses a Timor, naltura com autorização do Salazar, e a 2a vez regressou em 1974, poucos anos depois faleceu cá em Portugal.

  5. Quero a qui perpetuar a memoria de Jose da Silva Gordinho meu tio avo pelo lado paterno e amigo e compeanheiro da luta anarquosindicalista em Portugal, de Manuel Viegas Carrascalao. Ambos deportados no mesmo momento para Timor. Meu tio aceitou e acreditou no perdao de Salazar apos a sgunda guerra mundial, por isso recusou a proposta australiana de asilo politico. A inflicidade abateu-se logo a chegada quando sua sogra e sua filha mais nova faleceram durante a quarentena numa das alas do asilo 1 de Maio que se abateu.Voltou a Portugal com a familia e foi ovacionado na SFUAP (Cova da Pieade) mas a PIDE nunca lhe deu descanso e nao o deixava ter um emprego, ele e a familia passaram os piores momentos. Morreu doente em 1948.

  6. Tenho uma ligação sentimental em relação à família Carrascalâo Em 1971 ou 72 fiz o parto à esposa (filha do Sr. M. Carrascalão) do Sr. Furriel Zeferino. Felicidades para toda a família.

  7. Interessa-me bastante a Memória Libertária, pq o meu Avô Materno também foi um dos desses deportados chama-se Raúl Dias Monteiro, só q infelizmente desconhecemos a sua origem em Portugal.
    Agradeço imenso alguém da Memória Libertária me ajudasse a encontrar a sua dessendencia em Portugal…obrigado e abco.
    ” Leandro Isaac” Dili Timor leste. No. tlf. +670 77234597, 75268914.

  8. Leandro Isaac: Todo lo relativo a las deportaciones para Timor, nombres y demás, lo tienes en la obras de Edgar Rodrigues, concretamente en una de ellas que son 2 volúmenes. Creo que es : Arvorada Operaria, aunque no estoy seguro. Ahí viene también la vida del padre del premio Nobel de la Paz, Ramos Horta, y otros… Saludos.

  9. Cheguei para descobrir se haveria partido libertário no Timor Leste, em 53º lugar no ranking de agressões. Nada descobri senão que ainda há gente que confunde saqueador travestido de anarquista com libertário.

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