Noam Chomsky: “o centro da natureza humana é o que Bakunin chamou de ‘instinto da liberdade'”


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(Imagem: Jared Rodriguez / Truthout)

Aos 87 anos Noam Chomsky acaba de lançar, nos Estados Unidos, um novo livro  intitulado “Que tipo de seres somos nós?” (“What Kind of Creatures Are We?”). O livro é um conjunto de palestras feitas por Chomsky na Universidade de Columbia em dezembro de 2013, nas quais investiga áreas como ciência cognitiva, linguística, filosofia e teoria política. O economista e cientista C.J. Polychroniou falou com Chomsky sobre este livro, numa conversa em que o linguista voltou a defender o socialismo libertário como alternativa ao capitalismo liberal e ao capitalismo de estado. E como saída para o futuro da humanidade diz escolher “o optimismo ao desespero”.

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(…) Você definiu sua filosofia política como socialismo libertário/anarquismo, mas recusa-se a aceitar o ponto de vista segundo o qual o anarquismo, como uma visão da ordem social, flui naturalmente de suas visões sobre linguagem. A relação é apenas de coincidência?

É mais que coincidente, mas muito menos que dedutiva. Num grau suficiente de abstração, há um elemento comum – que foi às vezes reconhecido, ou ao menos vislumbrado pelo Iluminismo e na era romântica. Em ambos os domínios podemos perceber, ou ao menos esperar, que o centro da natureza humana é o que o [anarquista russo Mikhail] Bakunin chamou de “um instinto pela liberdade”, que se revela tanto no aspecto criativo do uso da linguagem normal quanto no reconhecimento de que nenhuma forma de dominação, autoridade ou hierarquia é autojustificada. Cada uma precisa justificar a si mesma e se não pode, o que normalmente ocorre, deve ser desmantelada, em favor de mais liberdade e justiça.

Esta me parece a ideia central do anarquismo, derivada de suas raízes clássicas, liberais, e de percepções mais profundas – ou esperanças – sobre a essência da natureza humana. O socialismo libertário vai além, ao reunir ideias sobre simpatia, solidariedade, auxílio mútuo, e também raízes do Iluminismo e concepções sobre a natureza humana.

Mas as visões anarquista e marxista não foram capazes de recuperar terreno, em nossos dias, e seria possível argumentar que as perspectivas de superar o capitalismo parecem ter sido maiores no passado do que hoje. Se você concorda com esta afirmação, que fator pode explicar o fracasso na construção de uma ordem social alternativa – ou seja, capaz de superar o capitalismo e a exploração?

Os sistemas anteriores, que fracassaram, foram formas particulares de capitalismo de Estado. Na geração passada, eles foram piorados por doutrinas neoliberais, num assalto à dignidade humana e mesmo às “necessidades animais” da vida humana comum. De modo ainda mais ameaçador, a implementação destas doutrinas, exceto se revertida, destruirá as próprias possibilidades de existência humana decente, num futuro não distante.

Mas não há nenhuma razão para supor que estas tendências perigosas sejam nosso destino. Elas são o produto de circunstâncias particulares e decisões humanas específicas, que foram bem estudadas em muitos trabalhos e que não há como expor nesta entrevista. Elas podem ser revertidas, e há ampla evidência de resistência a elas – algo que pode crescer, e na verdade precisa crescer e tornar-se força poderosa, se é que há esperança para nossa espécie e para o mundo que elas, em grande medida, governam.

Desigualdade econômica, ausência de crescimento e de novas ocupações e declínio dos padrões de vida tornaram-se características chave das sociedades avançadas contemporâneas. Ao mesmo tempo, as mudanças climáticas parecem oferecer ameaça real ao planeta. Você tem esperanças de que possamos encontrar a fórmula correta para enfrentar os problemas econômicos, evitando, ao mesmo tempo, uma catástrofe ambiental?

Duas sombras sinistras pairam sobre tudo o que consideramos: a catástrofe ambiental e a guerra nuclear – a segunda, muito subestimada, em minha opinião. No caso das armas nucleares, ao menos sabemos a resposta: eliminá-las, como a varíola, com medidas adequadas, que são tecnicamente viáveis; garantir que elas não surjam novamente. No caso da catástrofe ambiental, ainda parece haver tempo para evitar as piores consequências, mas isso exigirá medidas muito mais relevantes do que as adotadas até agora – e há grandes obstáculos a superar, entre elas o Estado mais poderoso do mundo, o único que reivindica para si a condição de hegemônico.

Nos relatos das recente Cúpula de Paris sobre o clima, as observações mais importantes foram as que destacaram: o acordo de cumprimento obrigatório a que os negociadores esperavam chegar estaria “morto na partida”, quando chegasse ao Congresso dos Estados Unidos, controlado pelo Partido Republicano. É chocante, mas todos os pré-candidatos republicanos à presidência ou negam completamente as mudanças climáticas, ou são céticos que se opõem à ação governamental. O Congresso norte-americano celebrou a Cúpula de Paris restringindo até mesmo os limitados esforços do presidente Obama para evitar o desastre.(…)

Em termos gerais, você é um otimista sobre o futuro da humanidade, dado o tipo de seres que somos?

Temos duas escolhas. Podemos ser pessimistas, desistir e ajudar a garantir que o pior ocorra. Ou podemos ser esperançosos, agarrar as oportunidades que certamente existem e, talvez, esperar fazer do mundo um lugar melhor. Na verdade, não é bem uma escolha…

ler a entrevista em português na íntegra aqui:  http://outraspalavras.net/destaques/chomsky-por-que-tenho-esperancas/

entrevista em inglês: http://www.truth-out.org/progressivepicks/item/34369-why-i-choose-optimism-over-despair-an-interview-with-noam-chomsky

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