Chega-nos a notícia da morte de Júlio Carrapato. O anarquista algarvio, tradutor, livreiro, editor, professor universitário, mas sobretudo um homem que gostava da vida e da liberdade, morreu esta terça-feira em Faro e o seu corpo será autopsiado esta quarta-feira, não se sabendo ainda quando terão lugar as cerimónias fúnebres
Júlio Carrapato (1947- 2016) esteve ligado ao grupo “Acção Directa”, nutrindo especiais relações de proximidade com elementos deste grupo forjadas em Paris, onde vários dos seus elementos estiveram refractários à guerra colonial; pertenceu depois ao grupo “Apoio Mútuo”, de Évora, onde foi professor nos primeiros tempos da Universidade; criou mais tarde o jornal “O Meridional”, um dos ícones da imprensa libertária pós 25 de Abril.
Regressando a Faro, de onde era natural, abriu a livraria e as edições Sotavento. Entretanto, e posteriormente, traduziu diversos clássicos da literatura anarquista: “O Povo em Armas”, de Abel Paz; “O Ladrão”, de George Darien, entre outros, e escreveu um conjunto vasto de livros em que se destacam: “Resposta de Um Anarquista aos Últimos Moicanos do Marxismo e do Leninismo, assim como aos inúmeros Pintaínhos da Democracia”, “Novas Crónicas Bem Dispostas”, “Os Descobrimentos Portugueses e Espanhóis ou a Outra Versão de uma História Mal Contada”, “Para uma Crítica Libertária do Direito seguido de A Lei e a Autoridade”, “Subsídios para a Reposição da Verdade sobre a Guerra Civil de Espanha”.
Há um par de anos foi operado a um cancro do pulmão. Morre agora uma das vozes mais inconformadas e irreverentes do anarquismo português do pós-25 de Abril, capaz das maiores polémicas em torno dos valores do anarquismo – e da necessidade de separação de águas relativamente ao marxismo e aos vários esquerdismos que gravitavam à sua volta – mas sempre fortemente solidário com todos os que se reivindicavam da prática anarquista pura e dura, sem quaisquer cedências ao politicamente correcto.
capa de alguns livros (traduzidos ou escritos por Júlio Carrapato):
Jornal “O Meridional”
Em Abril de 1978 começou a publicar-se em Faro, com sede na Praça Alexandre Herculano, o jornal “O Meridional”, que se apresentava como um “mensário algarvio”. Em todo o cabeçalho não havia uma única identificação de que este era um jornal anarquista da primeira à última das suas 10 páginas. Tendo como seu principal redactor Júlio Carrapato, “O Meridional” caracterizou-se por textos longos, sem imagens ou fotografias, bem escritos e muito contundentes para a realidade circundante, poucos anos depois da “instauração da democracia”.
“O Meridional”, publicou-se durante um escasso período de tempo, mas teve uma grande influência nos meios anarquistas devido aos textos de autores (então desconhecidos entre nós) que publicava, à for- ma aguerrida como tratava as questões que, então, estavam na ordem do dia, não poupando nas críticas fosse à direita ou à esquerda e também devido a algumas entrevistas, muito completas, com Juan Gomez Casas (o biógrafo de Durruti e primeiro secretário-geral da CNT após a queda do franquismo), com Simon Leys ou Emídio Santana.
a.
Estou sem palavras. Nunca dei o devido crédito ao Júlio em vida. O meu grande choque e pesar neste momento…
É com tristeza que vejo partir mais um companheiro!!!
Alguma semente ficou, essa é a nossa esperança!
Permitam-me que me apresente: sou a mãe do Daniel Carrapato, de 16 anos, filho do Júlio Carrapato. Quero agradecer o artigo que publicaram sobre o Júlio. Especialmente a parte final. Podem crer, e digo-o com convicção e emoção. Um homem que nunca se vendeu, dobrou ou cedeu às solicitações partidárias, desde a esquerda à direita, que nunca cedeu às solicitações dos “tachos” e dos “poderes”. Um homem que nunca abdicou das suas ideias. Talvez por isso se tenham afastado muitos mas se tenham rendido à sua inteligência e clarividência, todos. E o Júlio fartou-se: da doença, da crise, dos problemas, e do que está a acontecer neste mundo por quem ele tanto lutou, sonhou e escreveu.
Muito obrigada pelo artigo. Está autêntico. Verdadeiro.
Vou mostrá-lo ao Daniel.
Bem hajam.
Luisa Martins
Condolências sentidas;
ele deixou provavelmente alguns textos “imcompletos”…
JV
Um abraço solidário,Luisa.
Conservava ele algum exemplar do seu ZAGALA,creio que o 1º poemário que publicou aos 17 ou 18,?Fui um privilegiado com livro e dedicatória!
Li um livro de Júlio Carrapato em agosto de 1997, ficou gravado na memória até hoje, curiosamente passados 19 anos (hoje) pesquisei na internet que mais livros podia ler, infelizmente deparei-me com a noticia da sua morte.
Fica o livro que muito me fez pensar ao longo dos anos ” Os descobrimentos portugueses e espanhóis ou a outra versão de uma história mal contada”.
6ª feira, 14h, cemitério de Faro.
Como companheiro que fui da Federação Anarquista Ibérica (Portugal) desejo à família enlutada os mais sentidos pêsames.
Estive com ele na Fatacil (onde tinha uma banca com os seus livros ) há dois anos. Falou-me da sua doença e da operação com naturalidade e depois entusiasmou-se , como sempre, ao falar dos seus livros e dos seus ideais.
Relembrámos os anos 70, quando convivemos longamente em Lisboa, especialmente as infindáveis discussões com o o Gabriel (marxista impenitente e adversário duro) durante noites sem fim …
Adeus, Júlio.
Adeus Júlio.
DESDE o nosso 1ºano de direito dos nossos sonhos da tua ida para Paris ao reencontro em Lx e na Fatacil aos almoços no Bacano com o Pimpão ATÉ esta estúpida desaparição.
.Sei que andas por cá com crónicas bem humoradas ,meu malandro!
O Júlio partiu inesperadamente. A grandeza ímpar do seu exemplo moral de incansável combatente pelos valores da liberdade, em prol de uma sociedade mais justa e fraterna marcará para sempre a vida de muita gente. Ninguém esquecerá o homem bom, solidário e fraterno, dotado de um espírito invulgarmente culto, fino, acutilante, irónico, irreverente e firme na defesa dos seus contagiantes ideais libertários. Na dolorosa hora do desaparecimento físico do homem amante da vida, mas sem receio da morte, importa sublinhar que à ausência física do Júlio corresponderá sempre a sua presença, através do legado da sua obra e do seu exemplo. Honremos a sua memória.
Obrigado Júlio por todos estes anos de amizade e convívio.
O amigo e companheiro.
Luís Martins