“Parti para este trabalho de investigação com uma ideia muito difusa do que iria encontrar. As leituras feitas aos longos dos anos nos livros encontrados em bibliotecas, feiras do livro, alfarrabistas, associações (muitos deles descobertos na saudosa “Abril em Maio”, em Lisboa), livrarias (importante, pela pertinência do seu acervo, a “Letra Livre”, também em Lisboa) aguçaram-me a curiosidade e cimentaram-me a convicção de que este seria um terreno fértil para desenvolver investigações futuras. Sabia que o movimento libertário se inicia e fortalece no nosso país a finais de século XIX, princípios de XX, que tinha semeado raízes no movimento operário da altura e que tinha tido uma ampla disseminação territorial (nomeadamente no mundo rural). Adivinhava, ainda, que estes movimentos sociais, de base libertária e igualitária, envolvidos em ações de caráter emancipatório e revolucionário consagrariam um papel fulcral às questões educativas.
O confronto com uma revisão bibliográfica mais sistematizada, bem como a exploração do material empírico, levou-me a concluir que este foi um movimento de grande extensão e que penetrou profundamente na ação do movimento operário de inícios do século XX, em Portugal. De igual modo, são profusas as alusões e referências às questões educativas, nomeadamente n’O Sindicalista, mas também em toda a literatura consultada e produzida pelas entidades militantes da época. Reflete-se e aventam-se propostas de como se deve fazer a educação entre as classes trabalhadores, que se querem autónomas e emancipadas. E a grande novidade (e surpresa) está, não em muitas das ideias pedagógicas preconizadas (muitas delas também discutidas por pedagogos e movimentos pedagógicos não libertários e deles contemporâneos), mas sim na efetiva materialização dessas mesmas ideias em experiências concretas (da qual, em Portugal e de âmbito escolar, a mais conhecida possa ser a ensaiada na Escola Oficina Nº1). Num pensar e fazer, agora, não esperando pelo amanhã, tão caracteristicamente libertário.”
Maria Gabriela dos Santos Lourenço, in
Ideia(s) e Movimento(s): Sindicalismo Libertário e Educação, tese de Mestrado em Ciências da Educação, 2015,
Makhno, o anarquista que enfrentou os brancos e os vermelhos na Ucrânia.
PAULO EDUARDO GUIMARÃES (*)
A revolução russa de Novembro de 1917 foi vista pelos contemporâneos como sendo o resultado direto do conflito mundial (1). Contrariamente ao que todos esperavam, a guerra total prolongou-se durante mais de quatro anos, pondo à prova a resiliência das sociedades europeias e as estruturas de poder dos Estados. Da desagregação dos velhos impérios na Europa central nasceram novas unidades políticas republicanas patrocinadas pelas potências vencedoras e apoiadas pelas burguesias nacionais. Entre os revolucionários sociais, a expectativa de um colapso generalizado da civilização burguesa deu lugar à frustração quando se percebeu que as sociedades capitalistas avançadas tinham sido capazes de reagir com sucesso às múltiplas ameaças internas e externas. Assim, ao contrário do que Marx defendera na sua teoria da História, sacralizada pelos partidos socialistas e sociais-democratas, as ameaças revolucionárias à ordem burguesa não emergiam nos países de maior desenvolvimento industrial, técnico e científico mas encontravam-se nas periferias onde uma estabilidade precária fora alcançada no quinquénio subsequente ao fim da guerra, entre 1918-1922 (2).
A fome de 1921-1922 que atingiu de forma aguda as regiões cerealíferas do Volga e o sul da Ucrânia, como resultado direto das secas, das perturbações da guerra civil e das exações violentíssimas levadas a cabo pelo Exército Vermelho no período do “comunismo de guerra”, desembocou no regresso ao capitalismo de mercado. Em Março de 1921, o Partido Comunista russo sob proposta de Lenine, aprovava a Nova Política Económica no seu 10º Congresso que vingaria até à sua abolição por Estaline em 1928. Em Portugal, a clarificação sobre a natureza do regime soviético, até então perturbada pela falta de informação devido à guerra que se prolongava no distante Leste europeu e às barreiras linguísticas e culturais, ocorre nos meios operários nestes anos (3). Em 1919, a opinião veiculada nos meios operários era favorável à ação dos bolchevistas russos e acreditava-se que a revolução social na Europa e nas Américas estaria próxima. O anarquista Eduardo Metzner (1886-1922) escreveu nesse ano A verdade sobre a revolução russa depois de ter traduzido A Constituição política da República dos Sovietes, prefaciado por L. Trostky, texto que parecia materializar os ideais do federalismo libertário (Silva-2014). A Biblioteca de Propaganda Social anunciava esses dois títulos sobre a nova Rússia e outro intitulado Os Precursores e Caudilhos da República Social: Bakunine, Kropotkine, Trotsky, Lenine e Gorki na contracapa do folheto de divulgação da música e letra do hino revolucionário d’A Batalha, o órgão confederal saído do 2.º Congresso Operário Nacional (Coimbra, Setembro de 1919): Surgindo vem ao longe a Nova Aurora. Não surpreende, por isso, que o Bandeira Vermelha, órgão da Federação Maximalista, tomasse então como sinónimos bolchevismo, anarquismo e sindicalismo.
Os dois anos seguintes seriam decisivos para estabelecer uma atitude de oposição crítica face ao novo regime. A campanha de solidariedade para com os “famélicos russos” levada a cabo pelo jornal da C.G.T. revela a atenção que era dada àquela região do mundo mas constituiu um ponto de viragem crítico no debate sobre a revolução social a Oriente. Um dos folhetos do explorador e humanista Fridtjof Nansen (1861-1930) foi publicado pel’ A Batalha com o título A Fome na Rússia: causa e efeitos (1922), o qual deixava de fora a parte da responsabilidade que cabia aos bolcheviques sobre a fome extrema que atingiu cerca de 37,5 milhões de camponeses do Volga, devido às requisições violentas levadas a cabo pelo Exército Vermelho nos anos de guerra que precederam e acompanharam os dois anos de secas (4). Não parecem ter sido produzidos ou publicadas as fotografias chocantes que Nansan capturou e que circulavam noutros países ocidentais na forma de postais (5). Seja como for, a campanha internacional de angariação de fundos obteve em Portugal magros resultados, apesar das orientações enviadas por Prefeito de Carvalho a partir de Paris. Este militante, que tinha sido enviado em delegacia sindicalista à Rússia com a missão de relatar os acontecimentos naquele país e avaliar sobre a natureza revolucionária e emancipadora da nova ordem social, manteve-se em Paris, defendendo a “ditadura do proletariado”.
Contudo, logo em Janeiro de 1922, A Batalha publicava com destaque as resoluções aprovadas do Congresso Anarquista Internacional realizado em Berlim. Os anarquistas declararam-se então “contra toda a ditadura quer seja ela exercida pelos da «direita» quer pelos da «esquerda»” (A Batalha, n.º 980, 31-1-1922) e reiteram os seus princípios de organização anticapitalista com base no federalismo. Demarcavam-se também da burocracia sindicalista, defendendo a profissionalização dos funcionários administrativos e separando-a dos cargos sindicais para afastar o perigo do controlo faccioso pelas direções (“os donos dos sindicatos”). Manifestavam-se, enfim, contra a Internacional Sindical Vermelha (ISV), identificada como organização de fachada da Internacional Comunista (IC), defendendo a independência dos sindicatos. A ação dos sindicalistas deveria ser orientada para defender as aspirações operárias e não para obedecer a diretrizes superiores. Os mesmos princípios levaram-nos a criticar os organismos filiados na Internacional de Amesterdão (1919-1945) bem como a Federação Americana do Trabalho, chefiada por Samuel Gompers (1850-1924), que alinhava então na ofensiva patronal contra os Wobblies da IWW (Industrial Workers of the World). Essas duas organizações estavam “corroídas pelo vírus colaboracionista e reformista” (A Batalha n.º 980, 31- 1-1922).
Em finais de 1921, os anarquistas não tinham já ilusões sobre a natureza contrarrevolucionária do Estado comunista russo e da sua estratégia de subordinação e controle do movimento operário a Ocidente. No entanto, a assunção plena desta visão irreconciliável com o bolchevismo nos meios sindicais encontrava-se já patente no Congresso Operário da Covilhã (1922) no debate aceso sobre a proposta de adesão da C.G.T. à I.S.V. e tornar-se-ia irreversível nos anos que antecederam o golpe militar das direitas em 1926. Tratava-se agora de defender posições junto dos trabalhadores, de responder à propaganda sedutora que mitificava os sucessos da nova sociedade, temida e vilipendiada pelas forças conservadoras e liberais. A publicação da obra que relata o papel dos anarquistas na Revolução soviética russa e a forma como foram aniquilados ou presos, a Repressión de l’ Anarchisme en Russie Soviétique pelo Grupo de Anarquistas Russos Exilados na Alemanha, aparece apenas em 1923. A lista nominal e biográfica de 181 anarquistas russos “vítimas do poder comunista, fuzilados, assassinados ou mortos na prisão” surge graças à tradução de Voline (Vsevolod Mikhailovich Eikhenbaum, 1882-1945) como denúncia na altura em que a C.G.T.U. francesa decide aderir à I.S.V.
O processo revolucionário que conduziu à dissolução do Império czarista, que tornou inviável a república burguesa parlamentar saída da revolução russa de Fevereiro e, que, finalmente, levou à construção do Estado soviético decorre e estrutura-se ao longo desse período conturbado, marcado pela violência extrema gerada pelas guerras imperialistas e, depois, pela hostilidade aberta das elites nacionais e das grandes potências à revolução social que triunfa na Rússia. São elas que patrocinam e cooperam com as forças reacionárias que saíram vitoriosas por toda a Europa, embora derrotadas na guerra civil russa (1917-1922). Em 1919, com o malogro da insurreição espartaquista na Alemanha (Janeiro de 1919), das repúblicas soviéticas na Hungria e Eslovénia, com a guerra civil na Finlândia e, no ano seguinte, com o desenlace fascista na Itália, na sequência do Bienio Rosso (1919-1920), enfim, com a incoerência do Triénio Bolchevista em Espanha (1919-1921), o Estado soviético russo teve de lidar militarmente com as crescentes dificuldades resultantes do seu isolamento internacional e com insurreições de vário tipo nos territórios do antigo Império, algumas delas bem-sucedidas como aconteceu na Polónia entre 1919 e 1921.
A criação da U.R.S.S. em 1922 sob direção do Partido Comunista que, desde cedo, controlou os sovietes e impôs um regime de “ditadura do proletariado”, deve ser vista num quadro analítico mais geral, considerando a complexa estabilização da nova “ordem internacional” entre as duas guerras mundiais. Esta ordem foi responsável simultaneamente pelo isolamento do novo Estado e pela sua emergência como Estado líder revolucionário. Nesse processo, os bolcheviques criaram o Comintern – a Internacional Comunista ou III Internacional (1919-1943) –, e desenvolveram uma nova ideologia de combate e mobilização social: o marxismo-leninismo.
Ora, esta reação combatente dos sindicalistas revolucionários e dos anarquistas face aos comunistas partidários no seio das organizações operárias constituiu um epifenómeno da crise da consciência revolucionária que emergiu no final da guerra. Três elementos estruturantes e interdependentes se destacam nessa crise decorrente da I Guerra Mundial: o primeiro diz respeito às representações sobre a revolução, em especial, sobre o momento em que ela poderia ocorrer; o segundo refere-se ao modo em como ela decorreria e ao papel da violência nesse processo; o terceiro diz respeito à hipótese libertária, às referências culturais e à representação do anarquista, por um lado, e ao destino do credo leninista, por outro.
Em Fevereiro de 1920, a instabilidade política e agitação social em Portugal e por toda a Europa pareciam indiciar que a revolução social estaria iminente. Sobral de Campos, escrevia no órgão confederal um artigo com o título esclarecedor “Preparemo-nos!”, onde defendia o que muitos acreditavam: “a Revolução Social é inevitável, e avizinha-se. Cada dia que decorre, cada hora que passa, faz galgar distâncias enormes, galga estradas que nos parecem infindáveis. Os acontecimentos precipitam-se, as etapas ardem.” (A Batalha, 13-2-1920). A C.G.T. preparava então a Liga Operária de Expropriação Económica e, nesta altura, o sindicalista José Carlos Rates (1879-1945), que iria fundar o Partido Comunista, falava da necessidade imperiosa duma ditadura se “se pretendesse levar por diante um programa de socialização da economia”. Também no 1.º Congresso das Juventudes Sindicalistas realizadas em Lisboa em 1921 proclamava-se, como princípio, “a violência como único meio de ação para destruir a sociedade burguesa” e preconizava, “os princípios sindicalistas revolucionários como meio de luta económica e de ação adentro da atual sociedade, educando-se e preparando-se para receber um novo regime social que, tendo por sistema político o anarquismo, e como regime económico e social o comunismo-anárquico, satisfaça os princípios ideológicos concebidos pela juventude proletária de hoje, almejando pela verdadeira Pátria Proletária dum amanhã muito próximo.” (A Batalha, n.º 657, 31-1-1921, p.1). A ideia de que a Nova Aurora estaria iminente era então inquestionável para muitos militantes sociais. De tal forma que, na mesma conferência, o núcleo juvenil dos Metalúrgicos achou por bem registar o seu repúdio pelo “caminho seguido de se discutir muito entre militantes operários de como será a sociedade amanhã e não darem um passo para preparar o proletariado para essa revolução”. (A Batalha, n.º 658, 2-2-1921, p. 1).
Em breve, o sindicalismo revolucionário e o anarquismo, tal como os socialistas e sociais-democratas europeus, seriam vistos pelos comunistas/bolcheviques como parte integrante da falência intelectual dos teóricos da emancipação humana, materializada nas organizações que produziram e nas ações que desenvolviam. Fascinados pelas vitórias do Exército Vermelho e pelas novas experiências sociais, viam que as ‘velhas táticas’ da socialdemocracia e do socialismo não tinham sido capazes de impedir o holocausto levado a cabo pelas aristocracias e burguesias europeias, nem de transformar a guerra imperialista numa guerra de classes. O debate aceso desencadeado em torno da adesão da C.G.T. à I.S.V. pelos subscritores do manifesto Berlim ou Moscovo, liderados pelos sindicatos arsenalistas, atravessou o Congresso Operário da Covilhã (1922) e refletia as frustrações com um movimento que parecia atolado na estratégia da ‘greve geral’ insurrecional como meio de levar a cabo o seu programa revolucionário. A evolução dos acontecimentos na Europa, a derrota dos anarquistas italianos e a ascensão do fascismo, o reconhecimento crítico da nova sociedade soviética, obrigou os anarquistas a repensar as suas representações. Na Conferência Anarquista da Região Portuguesa, realizada em Março de 1923, os anarquistas reconheciam a necessidade desse grande momento violento que iria derrubar a ordem burguesa mas afirmavam-se contra toda a espécie de Estado, mesmo que seja transitório, de partidos ou de classe (“Conceção do Anarquismo perante a Revolução Social e a Ditadura do Proletariado”, A Comuna II, n.º 2, 25-3-1923). A sua posição constituía um ataque violento aos leninistas. Diziam eles, “devemos desmascarar estes hipócritas e maus neomarxistas que ousando levantar o grito de revolta contra a sociedade capitalista, não querem afinal mais do que implantar um novo regime de opressão que, como na Rússia, encarcerará os anarquistas que se rebelarem contra o seu nefasto poder”. Em face da Ditadura do Proletariado, os anarquistas manifestavam “a sua franca hostilidade, combatendo-a pelos mesmos processos e com as mesmas armas usadas contra a presente sociedade”. Os anarquistas afastavam-se igualmente da forma como os bolcheviques atuavam contra os “inimigos de classe”. Em Março de 1924, o Grupo Comunista Libertário “O Universo”, de Évora, ao mesmo tempo que preconizava, através da ação revolucionária, a criação de comunas e a extinção de todo o tipo de privilégios, desde logo recusava admitir nesse processo “a eliminação física dos antigos opressores”. No princípio desse ano, A Comuna tinha já clarificado a posição da União Anarquista Portuguesa (UAP) relativamente à “Atitude dos Anarquistas perante a Revolução Social” (A Comuna, n.º 43, 6-1-1924). Nele se afirmava perentoriamente que “o erro fundamental dos revolucionários consiste em considerar a Revolução Social como um facto decisivo”. Pelo contrário, “os anarquistas consideram que a revolução social marcará diversas fases tendentes ao aniquilamento de todas as formas de governo”. Os anarquistas eram agora considerados como utópicos e irrealistas: “os partidários da revolução imediata afirmam que pela propaganda do ideal anarquista só ao fim de muitos séculos talvez se conseguirá atingir o nosso fim” (A. P. Matos, “A Revolução Imediata e a Revolução Social”, A Comuna, II, n.º 16, 1-7-1923).
Essa nova imagem dos anarquistas aparece na obra de Rates em que relata a sua viagem à Rússia em 1924. A sua visão crítica não era tributária desse folheto escrito por Lenine em Abril 1920 sobre a “doença infantil do comunismo”, que foi distribuído aos delegados do II Congresso da Internacional Comunista, mas resultava provavelmente de ideias estereotipadas correntes nos meios bolcheviques, confirmada pela sua leitura da obra do anarquista Victor Serge (1890-1947), La ville en danger, Petrograd l’an II de la révolution que foi publicada em Paris pela Librairie du Travail no ano da sua viagem (Rates, 1976: 111-12) (6). Reconhecia ele que os libertários tiveram uma parte muita ativa na Revolução Russa mas que o seu “espírito é dado a perpétuos voos, e as suas habituais consequências desastradas”, não abdicando dos seus valores mesmo contra o bom senso em situações quotidianas. No essencial, para Rates a Revolução Russa tinha demonstrado que ser revolucionário pressupunha a disponibilidade para exercer a violência extrema contra outros seres humanos, como eram as execuções sumárias contra inimigos e traidores, em nome de um bem superior. A Revolução Russa, a grande revolução proletária, enfileirava nas grandes revoluções violentas do passado: a Francesa, a Americana, a Inglesa. Ele não tem, por isso, outro comentário quando se depara com um funcionário da tenebrosa Tcheka que não seja o de notar o seu impecável e distinto trajar. E não deixa de se maravilhar com as generosas ofertas (sic) que os camponeses ucranianos dão aos funcionários do Partido nas suas tournées de propaganda (Rates, 1976: 212-13). Nessa obra destinada a formar militantes comunistas, Rates relatava em poucas páginas o que lhe tinham contado e mostrado. Enfim, pelos seus princípios sublimes e humanistas, os anarquistas não estariam assim preparados para lidar com esta realidade imposta pela História. E como resultado dessa revolução proletária, ele via nascer uma nova civilização e um país em curva ascendente, embora cercado de baionetas, e objeto de calúnias e insultos. A Rússia “romperá inexoravelmente o círculo de ferro que a estreita e imporá a sua civilização”. Seriam assim as realizações soviéticas que iriam redimir os erros e os excessos próprios duma ditadura do proletariado e que dariam alento aos militantes comunistas, nos países capitalistas, a estratégia de participação parlamentar, e de infiltração e conquista dos sindicatos por dentro.
Nos anos que antecedem a ditadura militar, Manuel Joaquim de Sousa, na qualidade de secretário-geral da C.G.T. desenvolverá uma luta ideológica notável na defesa dos princípios do anarcossindicalismo, na reorganização do movimento segundo essas bases saídas do Congresso de Coimbra (1919) e contra as forças dissolventes internas, nas quais se destacavam a ação dos “moscovitários” dentro dos sindicatos e dentro das Juventudes Sindicalistas (7). Em Abril de 1926, nas vésperas do 2.º Congresso das Juventudes, o Partido Comunista é considerado “contrarrevolucionário e prejudicial à luta revolucionária dos trabalhadores em prol da sua emancipação” e o Partido Socialista “um partido burguês e portanto incapaz de conduzir os trabalhadores à sua libertação.” A simples ideia de colaboração com os comunistas é rejeitada. Afinal, para os libertários, a Revolução Russa tinha enganado muito boa gente (v. documento anexo).
Notas: 1.) O social-democrata alemão Paul Lensche (1873-1926) oferece-nos uma visão da transformação social que a guerra prometia à escala mundial, iludindo-se sobre o papel de liderança que a Alemanha iria desempenhar no desenlace do conflito (Lensche, 1918: 1/2). Os socialistas Paul Vandervelde (1866-1938) e John Reed (1887-1920), tal como o jornalista americano Albert Rhys Williams (1883-1962) observaram os acontecimentos na Rússia de forma favorável aos bolcheviques ainda no período do “comunismo de guerra” (Reed, 1919; Williams, 1921). Na obra de Vandervelde, que seria traduzida para português e publicada pela editora Spartacus em 1925, a violência revolucionária é tratada compreensivamente, invocando o lastro histórico das grandes revoluções sociais dos séculos XVIII e XIX (Vandervelde, 1918: 237). Para uma leitura académica da evolução histórica da revolução russa feita nos anos ‘20 veja-se a obra de James Mavor (1928) e, posteriormente, a obra de Carr (1958). Uma síntese historiográfica recente encontra-se em Figes (1996).
2.) Uma análise histórica deste período na Europa encontra-se, por exemplo, em Maier (1988).
3.) Sobre o impacto da Revolução Russa na opinião pública em Portugal, as diferentes leituras dos acontecimentos e dos poucos relatos de militantes enviados em missões à Rússia veja-se Ventura (1981), Ferreira (2011), Vilhena (2013) e Leal (2017).
4.) Os problemas da política coletivista levada a cabo pelo Partido Comunista Russo na Ucrânia foram tratados na 8.ª Conferência (2-4 Dezembro de 1919). Jakovliv, Secretário do Conselho dos Comissários do Povo, atribuía ao fracasso ao facto de não se terem considerado as condições dos camponeses ucranianos que, depois de sofrerem a ocupação alemã, não viam nenhumas melhorias face ao período czarista. A região do Volga e da Ucrânia foram esgotadas para salvar a Rússia soviética que enfrentava a fome. Em breve, os camponeses levantaram-se contra o poder soviético (Nakai, 1981). O conhecimento entre os meios anarquistas portugueses sobre a revolução maknovista não é anterior a 1926 (Makno, 1926).
5.) A ação de Nansen e a ajuda da americana através da A.R.A. (American Relief Administration, constituída pelo Congresso dos E.U.A em Fevereiro de 1919) tinha sido decisiva para salvar da fome milhares de europeus até 1922. Nansan, que criou o Comité Internacional para Ajuda à Rússia (1921), defendia a integração do país soviético na ordem internacional e a necessidade de investimento externo para a reconstrução da Eurásia, apesar do governo russo se recusar a assumir a sua dívida externa. A ação da A.R.A., liderada por Hoover (futuro presidente dos E.U.A,) estendeu-se na U.R.S.S. até 1923 e, em conjunto com outras organizações, terão livrado da morte 10 milhões de pessoas. A estimativa dos mortos pela fome e doenças associadas varia entre 5 a 10 milhões de indivíduos. Muitos camponeses recorreram ao canibalismo para sobreviverem.
6.) Sobre o percurso militante de V. Serge veja-se Price (2007). 7.) Sobre a evolução organizacional e os problemas internos da C.G.T. veja-se Teodoro (2013), Guimarães (2007) e Freire (1997).
Referências bibliográficas: Carr, Edward Hallett (1958) – An History Of Soviet Russia Socialism In One Country 1924-1926. – Nova Iorque: The Macmillan Company; Ferreira, Pedro Soares (2011) – Entre o terror e a esperança. A Revolução Russa na sociedade portuguesa, 1917-1921. Casal de Cambra: Caleidoscópio; Figes, Orlando (1996) – A People’s Tragedy: The Russian Revolution: 1891-1924. – Londres: Jonathan Cape; Freire, João (1992) – Anarquistas e Operários. Ideologia, ofício e práticas sociais: o anarquismo e o operariado em Portugal, 1900-1940. Porto: Afrontamento; Guimarães, Paulo Eduardo – “Cercados y perseguidos: La Confederação Geral do Trabalho (CGT) en los últimos años del sindicalsimo revolucionario em Portugal (1926-1938)”. In Mercedez Gutiérrez Sánchez; Diego Palacios Cerezales (eds.), Conflicto político, democracia y dictatura. Portugal y España en la dácada de 1930, Madrid, Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, pp. 199-241; Leal, Ernesto Castro (2017) – “A Revolução Russa de Outubro de 1917 e os primórdios do regime comunista: aspectos da recepção pública e da dinâmica política em Portugal (1917-1926)”, Historia Crítica, Bogotá, 64: 39-60; Lensche, Paul (1918) – Three Years of World-Revolution. – Londres: Constable & Company Ltd.; Maier Ch. S.: (1988) – La refundación de la Europa burguesa. Estabilización en Francia, Alemania e Italia en la década posterior a la Primera Guerra Mundial. – Madrid, Ministerio de Trabajo y Seguridad Social; Makhno, Nestor (1926) – The Russian Revolution in Ukraine (March 1917-April 1918). – The Anarchist Library; Mavor, James (1928) – The Russian Revolution. – Londres: George Allen & Unwin Ltd.; Nakai, Kazuo (1982) – “Soviet Agricultural Policies in the Ukraine and the 1921-1922 Famine”, Harvard Ukrainian Studies, VI (1), Cambridge, Harvard University; Ukrainian Research Institute; Rates, José Carlos (1976) – A Rússia dos Sovietes (1925). – 2ª Edição – Lisboa: Seara Nova, 1976 – prefácio de César de Oliveira; Silva, Gabriel Rui (2014) – Eduardo Metzner – Vida e Obra de um Sem-abrigo, Editora Licorne; Teodoro, José Miguel de Jesus (2013) – A Confederação Geral do Trabalho (1919-1927). – 2 vols. – Lisboa: UL/FL – Diss. doutoramento em História Contemporânea; Valdervelde, Emile (1918) – Three Aspects of the Russian Revolution . – 1.ª ed., Londres: George Allen & Unwin Ltd.; Ventura, António (1981) – “Os primeiros contactos. Portugal e a Rússia soviética”, História, 30: 44-46; Vilhena, Marcos Nunes de (2013) – Receção e Perceção da Revolução Russa na Crise do Sistema Demoliberal Português. Uma Análise de Imprensa. – Lisboa: ISCTE-IUL; Wayne Price (2007) – Victor Serge and the Russian Revolution. – The Anarchist Library; Williams, Albert Rhys (1921) – Through the Russian Revolution. – New York: Boni & Liveright.
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ANEXO I:
UM DOCUMENTO EBORENSE DE 1921
No dia 14-8-1921 o quinzenário eborense Avante! [com subtítulo “Precursor da sociedade Igualitária”, Ano I, n.º 2], propriedade do Grupo Editor “Avante!”, publicava [em tradução não assinada] um apelo dos anarco-sindicalistas russos para a defesa da revolução russa, mas já muito crítico do regime implantado pelo partido bolchevique. Em Portugal os ecos da revolução russa ainda estavam muito vivos entre os trabalhadores mais conscientes, embora muito deles já se começassem a aperceber de que a nova ditadura “do proletariado” era cada vez mais uma ditadura dos bolcheviques sobre o restante movimento operário e popular. Em Agosto de 1921 já tinha sido esmagada com mão de ferro, por Lenine e Trotsky, a revolta dos marinheiros revolucionários de Cronstadt; as prisões já estavam cheias de anarquistas e a maior parte das suas sedes e jornais fechados; é também em Agosto de 1921 que o movimento revolucionário ucraniano liderado por Nestor Makno é esmagado pelos bolcheviques e os seus principais dirigentes obrigados a deixarem a Ucrânia. Apesar deste contexto, os anarquistas russos tentam ainda salvar a revolução da sua deriva autoritária e pedem apoio internacional. Não o vão conseguir. A ditadura “soviética” reforça-se nos meses e anos que se seguem e muitos milhares de anarquistas e anarco-sindicalistas pagam com a liberdade e com a vida a sua fidelidade aos ideais revolucionários. Uma ditadura que se manterá de pé durante várias décadas, mantendo sempre características imperialistas, que levaram o “comunismo de Estado” a implantar-se em diversos países. Já decadente e com menos vigor ideológico e repressivo do que em décadas anteriores, a ditadura dita “soviética” implodiu em finais da década de 80 deixando apenas saudades a alguns sectores mais extremistas e radicalizados do marxismo-leninismo para quem a “União Soviética” era “o sol do mundo”. [CARLOS JÚLIO]
[Um Apelo dos Anarquistas Russos ao Proletariado de todos os Países]
Camaradas: a guerra imperialista de quatro anos e a guerra civil que dura [há] quase três reduziram o nosso país a um estado de completa miséria. A guerra civil, que tem esgotado todas as energias da Rússia revolucionária, não é motivada somente pela contra-revolução interna, nem somente pela burguesia russa; os maiores responsáveis desta guerra são os governos rapaces da Entente, que não perdem ocasião, por pequena que seja, de procurar esmagar a nossa revolução. A Entente atacava-nos e continua a atacar-nos, directa e indirectamente. Ela apoderava-se há pouco do norte da Rússia; ela sustentava abertamente as legiões checoslovacas na Sibéria; ela mantinha Koltchak, Denikine e Yudenitc; ela ajudava contra nós os pequenos Estados vizinhos, e ela, com o seu infame bloqueio, impunha a fome a nossos filhos. Mas todos esses ardis e ainda muitos mais, fracassaram ante a resistência e o valor do proletariado revolucionário. Contudo, a Entente, poderosa, dona do mundo, não depôs as armas, não perdeu a esperança de aniquilar a nossa revolução e de restabelecer a pútrida democracia.
Além disso, ajudou o general do antigo império, o barão Wrangel, a congregar as forças contra-revolucionárias; lançou contra nós a Polónia; incitou a Roménia, a Hungria e outros países, e continua ainda fornecendo oficiais, armas e dinheiro a todos os inimigos da Rússia revolucionária. Companheiros: o nosso heróico povo tem-se extenuado na luta, morre de fome, carece de medicamentos e aspira à paz e à normalização da sua vida económica. Para isso necessita do vosso enérgico socorro revolucionário.
Ajudai-nos, quanto antes!
Nós, anarquistas-sindicalistas da Rússia, mau grado as perseguições que sofremos da parte do governo socialista, apesar do nosso completo desacordo com a política do partido governamental, apesar da nossa negação da ditadura do proletariado, quanto mais da ditadura dum partido, ditadura que é um dos grandes factores da desorganização económica e da ausência de vida politica no país, ditadura que mata o espírito de iniciativa e a força criadora deste, nós vos dirigimos um veemente apelo para que nos ajudeis a sustentar a Rússia na sua luta contra a burguesia do mundo inteiro.
Companheiros: Cumpri connosco o dever de solidariedade internacional dos trabalhadores, acabando com a d[en]ominação da vossa burguesia, como nós acabámos com a nossa.
Mas não repitais o nosso erro: não introduzais o comunismo de Estado.
Vinde em nosso auxílio!
Não deixeis partir comboios com munições e víveres para os inimigos do proletariado russo, iniciador da revolução mundial; suspendei a produção de armas e munições que a vossa burguesia manda fabricar para os cães danados que lança para a Rússia, foco da revolução mundial; obrigai os governantes a tratar connosco a troca de produtos, enviando-nos máquinas, medicamentos, víveres e vestuários. Mas o mais completo, o mais decisivo auxílio que podeis prestar-nos consiste em fazer a revolução nos vossos respectivos países!
Urge o vosso socorro!
Viva a revolução social do mundo! Abaixo a burguesia e o Estado, incluindo o Estado proletário!
Viva o regime comunista-sindicalista que conduz à comuna anarquista e repele a ditadura!
Viva a Internacional operária e a Internacional Anarquista! Avante!
O espírito do comunismo livre desenvolve se sobre a terra!
MAXIMOFF, E.JARIETOUSE, S.MARKUS
(Conselho Provisório Executivo da Federação Russa dos Anarquistas-Sindicalistas)
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Anexo II
OS ANARQUISTAS PORTUGUESES FACE À REVOLUÇÃO RUSSA E AOS PARTIDOS COMUNISTAS [declaração de 1926]
O aparecimento dos partidos comunistas cuja criação é influenciada primeiramente pela revolução russa e actualmente pela III Internacional, nas mãos do governo russo, enganou muito boa gente. Estes partidos encontraram toda a sua força nas cisões dos partidos socialistas desacreditados pela sua cumplicidade com a burguesia durante o conflito europeu.
Não compreendemos a razão por que se dá a estes partidos a designação de revolucionários e se considera que a sua orientação ideológica seja dum carácter social. Os partidos comunistas são partidos de governo, de predomínio, de força. Valem o mesmo que todos os partidos burgueses, com a diferença de que possuem uma direcção internacional, à qual têm de se submeter.
No princípio da sua constituição estes partidos eram acessíveis a todas as adesões. Actualmente, porém, a III Internacional (de Moscóvia) ordena uma cuidadosa selecção em todos os partidos aderentes, sob vários pretextos. Esta determinação não foi bem aceite por elementos do partido francês, que protestou, resultando cisões no mesmo partido. A Internacional Comunista pretende tornar os partidos comunistas umas delegações políticas e diplomáticas, espécie de secções do ministério dos Negócios Estrangeiros russo, e, ao mesmo tempo, focos de agitação cm cada país.
A III Internacional comete o erro de impor uma política igual a todas as organizações aderentes, sem querer saber da psicologia de cada país. Um dos objectivos principais dos partidos comunistas é a infiltração nos sindicatos, trazendo-os para a causa comunista. Dada a natureza do sindicalismo, que nunca ingressaria numa Internacional política, constituiu-se em Moscóvia uma Internacional Sindical Vermelha que não é mais que um secção da Internacional Comunista e um chamariz aos sindicatos revolucionários que, apesar de tudo, com raras excepções, não se sentem atraídos para lá. E neste facto, os anarquistas, tão odiados por aqueles partidos, têm uma influência preponderante.
Os anarquistas, os sindicalistas revolucionários, têm sido admiráveis no combate a estes partidos intrusos, que têm feito uma obra de destruição, de dispersão de forças, não conseguindo, apesar das perseguições do governo russo e apesar das traições nos outros países, aniquilar, manchar e diminuir o ideal anarquista. E nas ruínas do movimento revolucionário, os anarquistas lutam, repelem esses partidos comunistas que pretendem subor[di]nar tudo ao seu poder.
Somos a facção mais revolucionária, mais aguerrida e mais preste do movimento português. O nosso sentimento de independência é tão forte que nenhum partido político, nem mesmo o comunista, cujo embate fomos os primeiros a sofrer, conseguiu absorver-nos. A grande parte dos revolucionários presos são Jovens Sindicalistas. Mas falta que a Juventude Sindicalista afirme a sua vontade, defina o seu pensamento, em meio do confusionismo que na falange revolucionária lavra.
Em face do PC devemos afirmar a nossa aberta hostilidade, negando-lhe a qualidade de revolucionário porque é um partido de dissolução, de predomínio, e de governo. Combatê-lo-emos, como combateremos os partidos burgueses, como desmascaramos todos os traficantes da ideia revolucionária.
Nada de entendimentos com semelhante partido que pretende absorver-nos e asfixiar-nos.
“Tese de princípios a apresentar no II Congresso Nacional das Juventudes Sindicalistas pela sua Comissão Organizadora”, Lisboa, Março de 1926 [BNP/Arquivo Histórico-Social/Colecção João Freire – Caixa 204]
Há dias uma leitora respondeu a um pequeno texto no facebook do Portal Anarquista onde se defendia anão relevância das eleições e da generalidade dos actos eleitorais. Nessa publicação, a autora defende que “a abstenção não muda nada” e considera que a posição abstencionista dos anarquistas “é um discurso idiota, que roça o cinismo individualista e imaturo” (o texto pode ser lido aqui). Eis a resposta de um dos colaboradores do Portal Anarquista.
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Hesitei em responder-te devido aos insultos gratuitos que introduziste no teu escrito (“os anarquistas não devem ser parvos”, “discurso idiota”, “deixem de ser tolos”, etc.), mas reconheço também que, apesar das centenas de textos anarquistas explicando porque não participamos nas eleições – que, muitas vezes, denominamos como farsa eleitoral -, este é um dos temas que suscita mais dúvidas e que faz com que haja muitas pessoas que nos questionam por este nosso posicionamento. (1)
UMA QUESTÃO DE PRINCÍPIO
Embora o movimento anarquista não seja um movimento massificado, de pensamento único, onde meia dúzia de dogmas servem de ideologia, em geral, todos os anarquistas recusam por principio o jogo eleitoral, uma vez que defendem a organização autónoma dos cidadãos com o mínimo de representação possível – e isso está nos antípodas daquilo que o parlamentarismo ou o eleitoralismo representam.
Para os anarquistas a vida social e as relações políticas devem ser descomplexizadas e determinadas a partir da base: das assembleias de moradores, trabalhadores, consumidores, etc., organizados federativamente, sem uma representação profissionalizada e especializada, e removíveis dos seus lugares sempre que necessário.
Tal como a sociedade porque lutamos, já hoje consideramos que as organizações que construímos têm que ser assentes nesta base; não hierarquizadas, nem mediatizadas, procurando serem, dentro do possível, cada vez mais de democracia directa. Consideramos que a nossa luta e os métodos que utilizamos hoje têm já em embrião a sociedade futura e devem conter já, em si, os fins que queremos atingir. A liberdade não se constrói com constrangimentos, nem a autonomia com hierarquia, centralização ou representação.
Por isso não nos organizamos em partidos centralizados, mas em associações variadas, grupos díspares (de acção sindical, livrarias, páginas e jornais de agitação e informação, grupos culturais, feministas, etc.) e de todo este mosaico, nas expressões individualista, cooperativista, colectivista, sindicalista ou comunista, se compõe o movimento libertário. Diverso, plural, mas sempre entendendo que não pode haver contradição entre os meios que utilizamos, e como nos organizamos, e os fins que pretendemos atingir. E o parlamentarismo e o jogo eleitoral estão totalmente em contradição com o espaço de liberdade, igualdade e sem exploração por que lutamos.
Mas perguntas tu e perguntam-nos muitas vezes outros como tu: mas porque não votam, mesmo quando estrategicamente isso seria importante?
Antes do mais, convém esclarecer, que por razões tácticas tem havido momentos na história em que os anarquistas, sem fazerem propaganda nem participarem em campanhas, têm optado pelo voto. Mas esses momentos são excepcionais e têm acontecido sempre em momentos relevantes, como aconteceu nas eleições de fevereiro de 1936 em Espanha. As prisões estavam cheias de presos anarquistas e os candidatos republicanos prometeram a libertação de todos os presos políticos. Face a esta promessa, a CNT e os sectores anarquistas decidiram não boicotar as eleições pelo que muitos libertários foram votar, permitindo a libertação das centenas ou milhares de companheiros presos (muitos deles depois da repressão da revolução nas Astúrias e na Catalunha de 1934).
Mas são situações excepcionais. Em geral, aos anarquistas tanto dá que ganhe este ou aquele partido, todos irmanados em soluções estatistas e autoritárias, não tendo nada o movimento dos trabalhadores e da cidadania, em geral, a ganhar com a eleição do palhaço A ou do palhaço B. Poderá, no entanto, em casos extremos, por exemplo, na eventualidade de uma vitória de um partido de ideologia vincadamente totalitária, fascista ou comunista, justificar-se o voto neste ou naquele candidato melhor posicionado para combater essa opção, mas essa situação terá que ser extremamente excepcional e, por certo, haverá melhores formas de combater esse perigo do que através do voto.
Escreves: “Se existe um partido que partilha dos mesmo valores e tem ideias semelhantes de organizar a sociedade que um anarquista porque não se há-de votar nele?”. Se existir um partido com que um “anarquista” partilhe os mesmo valores e tem ideias semelhantes na organização da sociedade, é porque essa pessoa não é anarquista e o melhor é ir filiar-se nesse partido.
É-NOS INDIFERENTE QUEM SE PRESTA A SEGURAR NO CHICOTE DO PODER
Para qualquer anarquista é indiferente estar no Parlamento este ou aquele deputado, deste ou daquele partido. O seu papel de figurante e de mero auxiliar de cerimónias do sistema é exactamente o mesmo caso seja do PS, do PCP, do PSD, do BE ou do Livre. O mal menor não faz parte das nossas opções. O mal – o capitalismo, a sociedade autoritária – é sempre o mal. Nâo há mal menor nem maior.
Por outro lado, partes do principio que ter um deputado no Parlamento pode ser mais útil do que ter um colectivo de agitação, uma livraria ou mesmo uma página de Facebook. Também aqui estamos em desacordo: para a mudança na sociedade, a destruição do capitalismo e a construção de um sistema sem exploração ou opressão é irrelevante os deputados que tens no Parlamento. A revolução não passa nem nunca passou por aí. E se há algo fechado em si próprio, autocastrador e autofágico, não será o Parlamento e os seus figurantes?
Há dias metade dos eleitores foram votar e em muitos casos houve Câmaras e Juntas de Freguesia que mudaram de partido. Vai mudar alguma coisa? Loures ser do PC ou do PS muda o quê? Lisboa ser Medina ou Moedas que significado tem? Évora ter continuado a ser da CDU e não do PS ou PSD é importante para quem? Talvez para os próprios e para a corte de assessores e apaniguados, mas pouco mais, porque os programas de uns e de outros são idênticos e o que defendem na prática é a perpetuação das actuais relações de produção e de poder.
Dizes que abster nada muda. Claro que muda. Em termos populares, de legitimidade, quanto maior for a abstenção mais clara é, para todos, a farsa que constituem as eleições. Mas muda, sobretudo, porque nos coloca, a nós anarquistas, fora do jogo partidário e eleiçoeiro que constitui a legitimação do sistema opressivo e de exploração em que (sobre)vivemos. As eleições e os partidos fazem parte dessa cenografia com que nos querem convencer que o nosso destino está, não nas nossas mãos, mas no nosso voto.
Os que querem um mundo novo , como dizia Durruti e tu citas, têm que se organizar à margem dos partidos do sistema – e são todos autoritários e centralistas -, procurando forçar através da luta, do associativismo, da cooperação entre iguais, do debate, da afirmação dos ideais de liberdade e autonomia, o surgimento de melhorias na forma em que vivemos, mas nunca esquecendo que o objectivo central do nosso combate não é a sobrevivência do sistema, mas a sua destruição.
E se não queremos ser lobo não lhe podemos vestir a pele, senão nunca mais a largamos. Falas do Livre, que agora acabou por cair nos braços do PS, a troco de um lugar para o Rui Tavares. Quem se entrega às benesses do sistema partidário, dele nunca mais sairá.
Duas notas ainda: ao contrário do que dizes, o partido nazi entrou no Parlamento e chegou ao poder depois de ter vencido as eleições em julho de 1932.
Em Portugal, o 25 de Abril de 1974, uma data relevante para a liberdade de expressão e organização dos portugueses, não se decidiu através do voto. Tiveram os militares e os populares, logo de seguida, de saírem para a rua e dissolverem o Parlamento. Nunca como agora a frase de Emma Goldmann foi tão certeira: se votar mudasse alguma coisa, seria ilegal.
E, por último, deixa-me dizer-te: os anarquistas pensam e escrevem muito sobre estas questões e temos “sentido crítico e analítico do contexto que se vive”.
A ti ficava-te bem alguma humildade e uma menor sobranceria. O anarquismo e os anarquistas têm um longo percurso e uma longa história que não se coadunam com meia dúzia de frases escritas ao correr da pena.
Cuida-te!
L. B.
(1) Também em comentário ao mesmo texto de Maria João Silva, um outro comentador, Logomaquia Logomaquia, escreve de forma irónica: “Nós, os anarquistas, temos os nossos próprios candidatos. Somos os «amigos» dos animais. O nosso impoluto democratismo, premissa inquestionável do ideal libertário, é o encantamento pacificado da oratória eleitoral. Depois da famosa polémica entre Merlino e Malatesta, corrigimos a nossa posição, agora, na nossa acção enfatizamos o processo de normalização democrática, consagrada ao pensamento conformista. Por isso, votámos em Julho de 1972, no “Porco Tomáz”, para a Presidência da República Portuguesa. Por que voltámos, depois de Abril, já há longo tempo, persistimos votar no “Galo de Barcelos”. Nós, os anarquistas, somos pessoas benignas, mas completamente perdidas para a política institucional. É preciso ter alguma paciência com a maneira como rimos a pretexto deste assunto.”
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Alguns artigos que te podem ajudar a perceber porque é que os anarquistas não votam.:
A falta de rigor, mentiras e insuficiências de alguns dos materiais do Museu do Aljube (como também do Museu de Peniche) que deveriam abordar a resistência ao fascismo de uma forma séria, isenta e baseada em dados objectivos, continua em força, agora e mais uma vez. Numa referência recente ao marinheiro Cândido Alves Barjas, envolvido no acontecimento da Revolta dos Marinheiros em 1936, os propagandistas do Museu vão contra todo o conhecimento histórico produzido pelos investigadores nos últimos anos e insistem na visão propagandística com que o PCP quis revestir os factos,
Segundo o Museu, a Revolta dos Marinheiros foi um “levantamento realizado a 8 de setembro de 1936, preparado pela Organização Revolucionária da Armada (ORA), estrutura ligada ao Partido Comunista Português (PCP), com o objetivo de derrubar o Estado Novo”, o que vai totalmente ao arrepio da verdade histórica desenvolvida por vários investigadores, para quem esta revolta nunca teve a ver com qualquer tentativa de derrube do Estado Novo ou com uma solidariedade afirmativa com a Republica Espanhola, mas sim com um protesto, que se queria pacífico, visando a reintegração de 17 marinheiros demitidos depois de terem mantido contactos em portos espanhóis com elementos republicanos, o que não estaria autorizado.
É esta a constatação a que chega José Eduardo Casimiro Da Silva Capinha Henriques que na sua tese de mestrado sobre a “A Revolta dos Marinheiros de 1936” escreve, nas páginas 23/24: “O argumento principal apresentado é que se estava a organizar um protesto, não violento, por causa dos camaradas do NRP Afonso de Albuquerque que tinham sido expulsos em virtude da viagem a Málaga, no Sul de Espanha, com o intuito de recolher refugiados nacionais que se encontravam em território espanhol, uma semana antes e que este protesto visava a readmissão dos mesmos, derivado das circunstâncias, tidas como injustas, em que os marinheiros tinham sido expulsos da Marinha”.
E prossegue: “Este protesto iria consistir em tomar conta dos navios e tentar levá-los para fora da barra de Lisboa, de modo a exigir ao governo de Salazar a reinserção dos militares expulsos. Mas, em alguns casos, chega-se a falar em exigir a libertação de presos políticos do forte de Peniche e caso não fossem atendidas as exigências impostas, o plano seria navegar até aos Açores ou Madeira e libertar os presos políticos que lá se encontravam; caso isso falhasse, o último recurso seria ir até Espanha e juntarem-se ao lado Republicano.”
Esta justificação é, de novo, reforçada na página 51 do mesmo trabalho: “O golpe consistiria num protesto, supostamente não violento, em que iriam tomar conta dos navios e tentar levá-los para fora da barra de Lisboa, de modo a pedirem ao governo de Salazar, a readmissão dos 17 camaradas do NRP Afonso de Albuquerque expulsos da Marinha alguns dias antes.”
Também recentemente, numa comunicação apresentada no colóquio “Socialistas, Republicanos, Anarquistas, Radicais, Velhas Resistências, Novos Estudos e Memória”, a historiadora Luísa Tiago de Oliveira apresentou a exigência de reintegração dos marinheiros expulsos como a razão para a revolta, e não qualquer tentativa de derrube do Estado Novo ou de solidariedade com a República Espanhola, como referem os textos propagandísticos.
A investigadora, baseada na documentação existente, considerou que apesar de uma presença forte do PCP na Marinha, a revolta, falhada e rapidamente controlada pelo regime, teve a ver com a reivindicação de reintegração de 17 marinheiros afastados depois de terem mantido contactos não autorizados em portos controlados pelos republicanos espanhóis.
Foi este o motivo da revolta e não aquele que, ao arrepio da verdade histórica, vem agora o Museu do Aljube reafirmar, coincidindo com a versão propagandística do PCP, de que o levantamento foi “preparado pela Organização Revolucionária da Armada (ORA), estrutura ligada ao Partido Comunista Português (PCP), com o objetivo de derrubar o Estado Novo.”
Começa a ser demasiado grave a falta de rigor de uma entidade que se deveria pautar pela verdade histórica e não pela visão deturpada e ideologicamente orientada em que, cada vez mais, é useira e vezeira.
No colóquio “Socialistas, Republicanos, Anarquistas, Radicais, Velhas Resistências, Novos Estudos e Memória” que está a decorrer em Lisboa e via internet, o historiador Fernando Rosas, que abordou esta manhã os “silêncios que falam” durante a história da resistência ao Estado Novo, disse que a “instalação dos museus mais recentes” mostra essa tentativa de omitir da história tudo o que ponha em causa o papel de hegemonia do PCP na luta contra o fascismo.
Segundo este historiador, entre as principais omissões da história criada pela historiografia vigente – e que só foi quebrada com os trabalhos de investigação de jovens universitários de inícios dos anos 70, depois pelas memórias dos militantes libertários e depois pela investigação académica -, consta o apagamento da história do movimento operário até aos anos 30, quando o anarcosindicalismo desempenhou um papel hegemónico no movimento operário, nomeadamente através da CGT.
Rosas recordou ainda que o PCP nunca comemorou nem reivindicou para si o 18 de janeiro de 1934, a não ser após o 25 de Abril de 74 e depois dos anarquistas e dos maoistas darem a esta greve geral insurreccional um lugar especial na memória da luta operária.
Por seu turno, a historiadora Luísa Tiago de Oliveira desmistificou a Revolta dos Marinheiros de 1936, que o PCP reivindica como uma data histórica de solidariedade com a Republica Espanhola, organizada pela organização revolucionária da armada, que controlava. Luísa Tiago de Oliveira, baseada na documentação existente, considera que apesar da existência de uma presença forte do PCP na Marinha, a revolta teve a ver com a reivindicação de reintegração de 17 marinheiros afastados depois de terem mantido contactos não autorizados em portos controlados pelos republicanos espanhóis.
Muitos dos presos nesta revolta foram punidos com penas bastante severas, tendo mais de trinta sido deportados para o campo de concentração do Tarrafal.
Segundo o anarquista Custódio da Costa, que esteve preso no Tarrafal entre 1936 e 1949, “eram todos muito jovens e a maioria não tinha qualquer formação política”, tendo sido arrastados para o movimento por questões de solidariedade corporativa.
Da parte da tarde, no painel dedicado ao Anarquismo, Paulo Guimarães falou d’”Os anarquistas portugueses nos anos ’40: tempos de esperança e desilusão”, dizendo que os anarquistas, desde sempre, têm sentido preocupação pela falta de memória histórica e procurado, pelos seus meios escassos, colmatar as falhas existentes na historiografia oficial e oficiosa, considerando que “a luta pela memória” tem sido uma constante dos anarquistas ao longo dos anos.
Sobre os anos 40, Paulo Guimarães destacou a desilusão provocada pela repressão violenta do regime salazarista nos últimos anos da década de 30, que levou muitos anarquistas a exilarem-se em Espanha, combatendo na guerra civil, e após a derrota republicana a ir para novo exilio em França, onde muitos foram parar a campos de detenção e, posteriormente, a campos de concentração alemães.
Tal foi o caso do anarquista José Agostinho das Neves e de outros, de que tratou a comunicação de Cristina Clímaco, traçando o seu itinerário biográfico e ideológico, bem como o da sua geração, divididos entre a militância e a conjuntura difícil vivida neste período conturbado, entre guerras, que marcou também o fim do anarquismo histórico, que tinha sido determinante em países como Portugal ou Espanha.
26 anos depois da Comuna de Paris (1871) era editado no Porto um número único de um jornal dedicado ao levantamento dos trabalhadores parisienses, com textos de diversos autores, entre os quais do anarquista Jean Grave. Este periódico assinala já, na última página, a existência de uma Biblioteca Libertária, na Rua da Pena Ventosa, no Porto, onde podem ser comprados livros de índole anarquista, entre os quais A Conquista do Pão, de Kropotkine.
Desde este ponto geográfico cada vez mais perto da catástrofe total, fruto do terramoto turístico, do aparato fármaco-securitário e da normalização de tudo, voltamos a convidar-vos a todas e todos para um fim-de-semana de encontro entre resistentes, insubmissos e iconoclastas. Nos dias 25 e 26 de Setembro de 2021, a Feira Anarquista do Livro regressa a Lisboa, na Quintado Ferro, uma “ilha” na cidade gentrificada. À violência continuada do processo pandémico, que dissolveu laços sociais e hábitos de comunhão, respondemos com uma possibilidade de encontro.
Hoje como ontem, resistimos ao cerco do capital, da autoridade e do conformismo. A maioria resigna-se, nós não!
Saúde e Anarquia!
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SÁBADO, 25 de setembro
11h – Abertura (bancas de livros durante todo o dia)
12h – Viver a Utopia. (ed. Barricada de Livros)
Nesta recente edição, a Barricada de Livros leva-nos a conhecer cinco experiências concretas protagonizadas por anarquistas, viradas para o ‘mundo real’ e que, apesar de serem pequenas ‘ilhas’ rodeadas por um mar imenso e adverso, perduram há muitos anos em lugares distintos: Diony-Coop, uma cooperativa auto-gerida de consumo alimentar em Saint-Denis, Paris; Elèuthera, uma editora com sede em Milão; Paideia, uma escola em Mérida; Soma, uma terapia concebida pelo anarquista brasileiro Roberto Freire; e Uropia, uma comunidade agrícola na Puglia, Itália.
14h – Apresentação do livro Quale internazionale de Alfredo Cospito, traduzido, editado e distribuído por Malacoda.
Alfredo Cospito é um anarquista italiano condenado a quase 11 anos de prisão pelo atentado, em 2012, a Roberto Adinolfi, administrador da Ansaldo Nucleare, empresa responsável pela construção de centrais nucleares em Itália.
16h – Contra o Leviatã, Contra a sua História de Fredy Perlman & O Mito da Razão de Georges Lapierre (ed. Flauta de Luz).
Apresentação das edições Flauta de Luz pelo seu editor.
A Flauta de Luz é uma revista editada por Júlio Henriques desde 2013, que alarga o seu diálogo subversor com o mundo que nos rodeia ao âmbito da edição de livros, com uma seleção cuidada e de ritmo lento, tal como cada número da revista.
Contra o Leviatã, Contra a sua História de Fredy Perlman é o fruto de uma investigação de meia década onde o autor procede a uma revisitação crítica da história da Humanidade, desde as origens sumérias da civilização ocidental até aos nossos dias, pondo em causa os fundamentos canónicos baseados na narrativa estatal. O Leviatã representa o Estado no seu sentido mais profundo e amplo, não só a instituição administrativa de uma sociedade, mas também a construção da própria sociedade, a sua maquinaria, a sua espiritualidade morta, o seu militarismo, as suas relações alienadas e patriarcais, o seu desprezo pela natureza e as suas tecnologias de poder.
Em O Mito da Razão, Georges Lapierre parte de um problema de tradução de um discurso da comandante zapatista Ana María, e inicia uma investigação sobre o tipo de pensamento, a concepção do mundo, que está por detrás de algumas linguagens (Tzeltal, Tojolabal …) em cuja sintaxe não há objeto direto, simplesmente porque não existe a relação sujeito/objeto, característica do pensamento ocidental. E é assim porque nas comunidades indígenas existe apenas uma relação entre iguais, ou seja, nenhuma relação é concebida com o que é externo ao indivíduo – ou entre os indivíduos – que não ocorra num plano de reciprocidade.
18h – Quando Ninguém Podia Ficar. Racismo, habitação e território de Rita Alves (Tigre de papel).
Partindo de uma revisão e análise críticas de (con)textos políticos, académicos e mediáticos, este livro procura compreender como se tem (re)construído historicamente a relação entre periferia, direito à habitação e raça/racismo no Portugal contemporâneo. Nas páginas deste livro encontrar-se-á, de certa forma, o início do fim do Programa Especial de Realojamento (PER), traduzido na dilaceração e na resistência de uma comunidade histórica, à altura maioritariamente negra, na cidade da Amadora: o bairro de Santa Filomena. E, se é verdade que a história de um lugar particular não possibilita narrar na totalidade um programa de âmbito nacional/metropolitano, com especificidades territoriais indiscutíveis, a história que aqui se reconta não deixa de ser paradigmática de como o Estado português tem pensado e gerido populações negras, Roma/ciganas e imigrantes empobrecidas no espaço urbano –, ilustrando racionalidades eurocêntricas que urge repensar.
Apresentação por Rita Alves, Cristina Roldão e Éu Mental
11h Abertura (bancas de livros durante todo o dia)
12h Coletes pretos Casacos amarelos por Zanzara Athée
Entrevistas com anarquistas sobre o movimento dos Coletes Amarelos na França Paris e periferias/Toulouse/Dijon/Caen fevereiro-abril 2019,
14h – Salvador Puig Antich e a Luta Armada Anticapitalista na Catalunha nos Últimos Anos do Franquismo (ed. A Batalha). Apresentação com a presença do autor Ricard de Vargas Golarons.
Salvador Puig Antich (1948-1974) foi um lutador libertário catalão, membro do Movimento Ibérico de Libertação – Grupos Autónomos de Combate (MIL-GAC), que ficou na memória colectiva como uma das últimas vítimas do garrote civil em Espanha. Este livro recupera a sua história, 47 anos depois da sua morte. Organizado por Ricard de vargas Golarons, ex-membro do MIL e da Organização de Luta Armada (OLLA), e composto por diferentes textos de companheiros de luta e familiares, por escritos do próprio Puig Antich e por um anexo fotográfico e documental, este livro recupera a história de um revolucionário comprometido com a luta antfranquista e anticapitalista, uma vida que se confunde também com a história da resistência armada à ditadura nos últimos anos do franquismo.
16h Actualidade da situação curda & Apresentação da revista Legerin
18h Cronstadt 1921 de Ida Mett (ed.Letra Livre)
Cronstadt fica sobre a ilha de Kotline, a uma distância de 26,5 km de Petrogrado, a 7 km de Oranienbaum, a 13 km de Lissi Nos e a 21 km de Terioki. A fortaleza foi construída por Pedro, o Grande, em 1710, para a defesa naval de Petrogrado.
A coragem dos marinheiros de Cronstadt na luta contra a autocracia czarista mereceu elogios de Lenine, Trotski e dos bolcheviques em geral. Em 1917, eles tiveram um papel decisivo na aparente conquista do poder pelo proletariado russo.
De 3 a 16 de Março de 1921, o sangue correu nas ruas de Cronstadt, que se havia revoltado contra a usurpação do poder dos sovietes pelo Partido Comunista. Desta vez, Lenine e Trotski pouparam os elogios e concentraram o seu esforço em destruir uma insurreição que ameaçava os novos exploradores do povo russo.
Até hoje, tanto a historiografia corrente no Ocidente como a historiografia oficial soviética, subordinada a interesses estatais e impedida de encetar uma investigação livre, têm sistematicamente mentido ou silenciado os factos relativos a um dos episódios maiores da fase final da Revolução Russa.
É à história desse episódio, esmagamento sangrento do último soviete livre, que este livro serve de introdução insubstituível.
As pessoas leram. As partes que recordam contarão a outros.
Serão transmitidas. As histórias nunca morrem, na verdade.
(George Romero, Daniel Kraus, I morti viventi)
Segundo o estudioso Philip Hayward, da Universidade de Sydney, o sultanato de Occussi-Ambeno constitui um curioso caso de micro-nação, termo que designa as entidades que nascem por vontade de pequenos grupos de indivíduos, os quais proclamam uma certa área (geralmente muito limitada) independente do Estado de pertença. Há duas tipologias de micro-nações, as ‘clássicas’, usualmente mas não necessariamente situadas numa ilha (pensemos, por exemplo, na Ilha das Rosas), e as ‘virtuais’, por vezes resultado de performances artísticas com intenção de crítica social.[2] À segunda tipologia pertence o sultanato de Occussi-Ambeno, um projecto nascido em 1968, na Nova Zelândia, da mente de um artista dos sectores anarquistas, Bruce Ronald Henderson – far-se-á chamar Martin Renwick de 1978 a 1981 e Bruce Grenville de 1981 a 2000 – e concebido como paródia de um Estado. Tal nação imaginária corresponde todavia a um território realmente existente: Occussi-Ambeno é de facto um enclave, uma porção de território pertencente a um Estado (Timor Leste), confinante totalmente com outro Estado (Indonésia)[3].
Na segunda metade do séc. XX as contraculturas têm um profundo impacto sobre as formas, as práticas e as linguagens do anarquismo. Sob a sua influência, por outras palavras, são reformuladas as ideias-força do chamado anarquismo clássico (como o anti-militarismo, o anti-autoritarismo, o anti-capitalismo, o internacionalismo), abrindo-o contemporaneamente a novos temas (por exemplo, a luta anti-nuclear). Um caso de estudo interessante e peculiar, a este respeito, é o do sultanato de Occussi-Ambeno. Em artigo publicado numa revista anarquista da Nova Zelândia, em 1985, o seu animador e principal promotor, Bruce Grenville, define-o em termos de um ‘moderno Estado satírico’, uma paródia para pôr a nu o absurdo da instituição estatal[1]. O propósito destas linhas, portanto, é reconstruir em linhas gerais os traços desse projecto, ainda pouco conhecido no quadro italianófono, a partir dos materiais existentes no fundo ‘Veneza 84’, em vias de digitalização e classificação no Centro de estudos libertários/ Arquivo G. Pinelli.
Folheto volante sobre a dessalinização, ou sobre a ‘enésima solução dos problemas da galáxia graças à tecnologia do Occussi-Ambeno’ (ver nota 10).A produção de selos é um dos traços mais marcantes da actividade de Bruce Grenville. Aqui vemos alguns exemplares celebrando a Swiftair, companhia aérea de bandeira do Occussi-Ambeno, cuja frota era inteiramente formada por dirigíveis e zepelins (ver nota 12).
Como para um verdadeiro Estado, Grenville inventou desde o fim dos anos sessenta uma história nacional remontando a 1848, ano em que sete tribus se teriam unido contra os portugueses. Após uma série de ‘conjuras ao estilo do Vaticano e de envenenamentos de sultões por parte de sucessores zelosos’, em 1968 o país teria obtido a independência, iniciando-se o reinado de Sua Majestade Waals Abdullah I, seguido em 1975 por Michael Ismail I, deposto amigavelmente em 1995 por Gay Dean, sócio australiano de velha data de Grenville. Segundo um prospecto do próprio Grenville, um hipotético censo de 1980 indicava que a população do imaginário sultanato atingia cerca de 180.000 pessoas, repartidas por sete províncias (Khayal Serikit, Jade, Atanarble, Tarantar, Dragon, Feripæga, Quatair), com a capital Baleksetung (42.137 habitantes).[4]
A principal actividade do projecto de Grenville consistia inicialmente na produção e difusão, em nome do sultanato de Occussi-Ambeno, de papel timbrado para uso burocrático, cheques e sobretudo falsos selos, aqueles que no âmbito filatélico são chamados ‘cinderella stamp’ (um selo não utilizável no correio postal). O primeiro de tais selos, também ditos ‘artistamps’, foi produzido por sobreimpressão de um verdadeiro selo indonésio.[5]
O Occussi-Ambeno começou a dar que falar no início dos anos Setenta. Em 1972, com efeito, foi o primeiro e único Estado a reconhecer a República de Minerva, fundada pelo milionário americano Michael J. Oliver e a seguir despejada por tropas de Tonga. Sem pré-aviso, alguns meios neo-zelandeses pareceram tomar a sério as declarações emitidas na ocasião pelo sultanato. Depois, a suposta sede do consulado de Occussi-Ambeno (uma caixa postal em Auckland, Nova Zelândia), único endereço público do sultanato, tentou estabelecer relações diplomáticas também com o principado do Mónaco e com o Liechtenstein[6].
Volante programático do New Zealand Party, partido fictício fundado por Murray Menzies, parceiro de Bruce Grenville.
Entretanto, os selos de Grenville encontraram certo acolhimento no meio especializado, tornando-se em breve na principal fonte de receita do projecto. Em 1977, la Philanumismatica, um consórcio europeu sediado em Madrid, contactou a caixa postal de Auckland propondo-se adquirir o exclusivo de produção e venda dos selos do sultanato de Occussi-Ambeno mediante o pagamento de avultada soma (40.000 dólares, segundo Grenville)[7]. Um ano após, o consórcio apercebeu-se do erro e rompeu o acordo (embora continuando a comercializar os selos do sultanato até 1984). Entre 1978 e 1981 Grenville transferiu-se para a Austrália, passando a dedicar-se a outras iniciativas[8].
Envelope e selo occussiano comemorando o Encontro Internacional Anarquista de Veneza 1984, distribuídos alguns meses após o evento.
Regressado à Nova Zelândia, além de criar em 1987, com os ganhos dos selos, uma tipografia onde se imprimia o jornal anarquista “The State Adversary”, retomou as rédeas da sua nação imaginária[9].
Neste período delineou uma tecnologia ecológica e utopista totalmente independente do petróleo. Com uma declaração bombástica, no princípio dos anos oitenta, é assim apresentada a fábrica de dessalinização alimentada por energia solar, na província de Dragon. Esta ‘solução dos problemas da galáxia’ era o resultado das pesquisas de um certo dr. Paul Wilhelm Stoker, dos quadros do serviço de controlo de qualidade da real indústria de cogumelos alucinogéneos[10]. A tal propósito, segundo notícias divulgadas por Grenville, a exportação de cogumelos alucinogéneos constituía uma actividade económica fundamental do sultanato[11].. Existia além disso uma companhia de navegação, a Transonic Marine (composta de galeões trabalhando a vento e pilhas foto-voltaicas), e uma linha aérea, a Swiftair, usando dirigíveis zepelins cheios de hélio e trabalhando com energia solar, ambas companhias aliás tiveram os seus selos comemorativos[12].
Nos anos 80, a história do sultanato do Occussi-Ambeno não se deteve. Em 1983, o governo provincial de Feripæga anunciou a sua própria abolição, sendo as suas funções assumidas por assembleias populares de bairro e distrito[13]. Dois anos depois, o Occussi-Ambeno aderiu ao International Council of Independent States (ICIS), uma espécie de internacional das nações imaginárias, fundada em 1984 por Geir Sør-Reime, ele próprio inventor da República de Mevu. Para comemorar o evento, o artista neo-zelandês Murray Menzies, “conhecido occussiano”, desenhou o seu primeiro selo[14]. Em 1985, o mesmo Menzies subscreveu um folheto de um certo New Zealand Party que propunha a Nova Zelândia como refúgio global em caso de catástrofe nuclear, reclamando a contribuição da ONU e da indústria mundial de armamento para um ‘fundo de sobrevivência’ destinado à compra de alimentos, água, medicamentos e tudo o mais necessário à sobrevivência após a catástrofe[15]. Nos anos seguintes, aprofundou-se a colaboração entre o Occussi-Ambeno e outros Estados imaginários. Além de pedir à Albânia comunista de Enver Hodja a libertação dos presos políticos, o sultanato participou com os seus selos em várias campanhas internacionais do movimento anarquista, nomeadamente na luta anti-nuclear.[16] Em 1984, Rino De Michele foi nomeado embaixador em Itália do Occussi-Ambeno e, em tal veste, apresentou ao sindaco de Comiso um protesto contra a presença dos mísseis americanos[17]. Grenville estampou outros selos, para recordar o 45.º aniversário da Guerra Civil espanhola e para contribuir a alguns eventos como o Encontro Internacional Anarquista de Veneza 1984, organizado pelo Centro Studi Libertai/Archivio G. Pinelli, de Milão, pelo CIRA, de Genebra-Lausana e pelo Anarchos Institute, de Montréal[18]. Como resulta de um documento conservado no fundo ‘Venezia ‘84’, foi estampado um selo para a ocasião, com 600 exemplares[19]. Em 2000, Grenville fez um curso de edição digital, design e criação de sítios web, graças ao qual produziu o primeiro selo do sultanato estampado a laser, aparecendo em 2010 um outro selo celebrando a suposta visita de Barack Obama. A brincadeira – para uns uma burla, para outros uma performance político-artística – mantém-se fiel, como vemos, à ideia de Grenville, expressa em 1985 com grande clareza: ‘Nós pensamos que se deve usar qualquer meio não ortodoxo na luta contra o conceito de Estado. E construir uma efigie da sua vaca sagrada para fins satíricos é algo certamente que eles não tomaram até agora em consideração[20].
[1] Bruce Grenville, Occussi-Ambeno: A Modern Satirical State, “Phlogiston”, (1985), n. 6, pp. 17-19. Há uma tradução italiana: Bruce Grenville, Occussi-Ambeno, “A rivista anarchica”, 1984, n. 122, pp. 23-26.
[2] Philip Hayward, Oecusse and the Sultanate of Occussi-Ambeno: Pranksterism, Misrepresentation and Micronationality, “Small States&Territories”, 2019, n. 2, pp. 183-194.
[3] Para Hayward, neste sentido, o Occussi-Ambeno seria vítima duas vezes, quer das disputas territoriais entre a Indonésia e Timor Leste, quer da expropriação simbólica resultante da “satirical play” de Grenville: ivi, pp. 191-192.
[4] Veja-se o interior do pequeno prospecto intitulado About Asia n.º 42 OCCUSSI-AMBENO, in: fasciculo Occussi-Ambeno, fundo “Venezia ‘84”.
[8] Sør-Reime sugere que Grenville deixou momentâneamente a Nova Zelândia, no regresso da Austrália (chamando-o ‘o exílio australiano’), pelos problemas surgidos com a Philanumismatica, embora não houvesse aí qualquer crime, já que ‘inventar terras de fantasia é ainda legal, sendo mesmo altamente compensatório para alguns que estão sempre a fazê-lo, escritores, directores de cinema’ (Geir Sør-Reime, Long live the sultan, cit.).
[9] Toby Boraman, Rabble Rousers and Merry Pranksters: “A History of Anarchism” in Aotearoa/New Zealand from the Mid-1950s to the Early 1980s, Katipo Books-Irrecuperable Press, Christchurch-Wellington, 2008, pp. 119-120. Não admira que em “The State Adversary” se encontrem algumas páginas dedicadas ao Occussi-Ambeno: Bruce Grenville and the Utopian State of Occussi-Ambeno, “The State Adversary”, (1987), n. 2, disponível: http://www.takver.com/history/nz/grenville.htm.
[10] “Desalination: Yet another solution to the problems of the galaxy from Occussi-Ambeno technology!”, in: fasciculo Occussi-Ambeno, fundo “Venezia ‘84”.
[11]Sultanate of Occussi-Ambeno. Royal Occussi-Ambeno Hallucinogenic Mushroom Factory – apresenta as supostas estatísticas da produção mensal de cogumelos, indicando o número de trabalhadores e laboratórios envolvidos, assim como a quantidade da produção. Os dois prospectos disponíveis do fundo fazem referência a 30 Junho e 31 Julho 1984, in: fasciculo Occussi-Ambeno, fundo “Venezia ‘84”.
[12] Para alguns exemplos desses selos da Swiftair veja-se o envelope datado de 21 Nov. 1983, endereçado a Mr. M. A. Menzies, 83 Stafford Street, Dunedin, Aotearoa, in: fasciculo Occussi-Ambeno, fundo “Venezia ‘84”.
[13] Bruce Grenville, Occussi-Ambeno, cit., p. 18.
[15] Veja-se o folheto The New Zealand Party, de 6 Fev. 1985, contido no envelope datado de 16 Dez. 1984, celebrando o encontro internacional anarquista “Venezia ‘84”, e tendo por remetente o sultanato de Occussi-Ambeno. In: fasciculo Occussi-Ambeno, fundo “Venezia ‘84”.
[16] Para dois exemplos (ambos de 1976, provavelmente), de selos do sultanato com o slogan “Stop all nuclear bomb tests!”, veja-se: Occussi-Ambeno. Catalogue des Timbres, s.p., s.d., in fasciculo Occussi-Ambeno, fundo “Venezia ‘84”.
[17] Como recordado in: “Luther Blissett-Rino De Michele, PropaganDADA: ovvero sperimentazioni di trasmissione del pensiero”, A rivista anarchica, 2012, n. 373, pp. 113-117, max. p. 114.
[18] Durante essas jornadas confrontaram-se cerca de três mil libertários num amplíssimo leque de temas, da ecologia social ao feminismo, passando pela arte, pela pedagogia e pelo antimilitarismo. Cfr.: Antonio
Senta, Utopia e azione, per una storia dell’anarchismo in Italia (1848-1984), Milano, 2015, pp. 228-229.
Para um relato visual do encontro: Ciao anarchici. Immagini di un incontro anarchico internazionale, Edizioni Antistato et al., Milano et al., 1986.
[19] O fundo conserva uma troca de cartas entre April Retter, â época fazendo parte do Centro studi libertari/Archivio Pinelli, e Bruce Grenville, de Out. 1984 a Fev. 1985, in: fasciculo Occussi-Ambeno, fundo “Venezia ‘84”.
[20] Bruce Grenville, Occussi-Ambeno, cit., p. 19.
Reunião na sede do jornal “A Batalha”, na Rua Angelina Vidal, nº 17, 2º Eº, em Lisboa, no inverno de 1974-1975, reconhecendo-se Adriano Botelho e Aurélio Quintanilha. (Arquivo Histórico-Social)
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Há dias M. Ricardo Sousa escrevia na Rede Libertária (uma rede de contactos que liga diversos acratas, de tendências diversas), que “já há algum tempo chamo a atenção para um combate oculto que se vem travando em torno da história do movimento operário e social, o caso da história de Peniche é sintomático, em que historiadores comunistas, ex-comunistas e até alguns hoje liberais tentam fazer desaparecer o anarquismo e o anarco-sindicalismo da história contemporânea portuguesa.
Recentemente verifiquei que na página: https://www.facebook.com/FascismoNuncaMais/posts/1321949087914467, na maioria dos casos a condição de anarquista desaparece nas biografias dos militantes libertários que passam a ser apresentados como «trabalhadores» e «anti-fascistas», quando os comunistas são identificados como tais…
Penso que deveríamos denunciar tal situação e forçar as correcções de tais biografias. Trata-se, antes de tudo, de impedir o revisionismo histórico desta esquerda autoritária que mesmo quando não dispõe do poder do Estado tenta impor uma leitura unilateral e manipulada da história social.”
Partilhamos esta opinião e criticamos o facto de quem produz essas páginas – por desconhecimento, ignorância ou má fé – fazer classificações estapafúrdias – ou claras omissões – quando se trata de militantes anarquistas ou anarco-sindicalistas. Em contraponto, quando são do PCP, mesmo sem cargos de relevância, são apresentados de forma real e condigna.
Só para dar alguns exemplos, numa biografia de Emidio Santana, este é apresentado como “Cidadão fundador e militante do anarco-sindicalismo”. Sabe-se lá, fundador do quê…., e no esboço biográfico de Aurélio Quintanilha nem uma referência existe à sua militância e colaboração com o movimento libertário. São apenas dois exemplos, mas que se repetem de forma sucessiva.
Que o anarquismo sofreu uma forte perda de influência a partir do momento em que se constituiu a URSS, apoiando tudo o que era movimento comunista no mundo, e os anarquistas perderam um dos seus baluartes, com a derrota da guerra e da revolução em Espanha, ninguém nega. Mas que durante décadas houve dezenas e centenas de anarquistas que se organizaram, militaram e lutaram contra a ditadura também é uma verdade que ninguém pode negar. Mas há quem o queira fazer, apoiado numa falsa história, a que há que pôr cobro de uma vez por todas.
Segundo o autor, Carlos Fontes, esta é “a primeira correcção (não definitiva) sobre o “Anarquismo em Portugal, 1796-2021”. Entretanto, enquanto preparo a revisão final (conclusão: Maio ou Junho de 2022) solicito da vossa parte críticas, sugestões, etc.