Day: Junho 4, 2022

Carta a um companheiro sobre a guerra na Ucrânia (e a posição do Portal Anarquista neste contexto)


Caro F.

Desde o inicio desta guerra entre os anarquistas as posições não são unânimes. Como nunca o foram no caso de outros conflitos anteriores. Mesmo sobre a Palestina há divergências, como houve sobre a I Guerra Mundial ou sobre a resistência ao lado dos estalinistas na II Guerra Mundial. A análise que tem que ser feita é outra e é bem mais complexa do que uma mera pintura a preto e branco. Na minha opinião considero que vários anarquistas continuam ainda enfeudados a uma lógica de esquerda e direita que não faz qualquer sentido. Maidan foi um movimento contra o regime pró-russo e pela liberdade que, rapidamente, foi aproveitado por forças de extrema-direita, nacionalistas, que encontraram ali – como em toda a antiga URSS e em muitos dos países que antes formavam o “mundo soviético” – o fermento para crescerem. Em quase todas as zonas antigamente controladas pela União Soviética, o nacionalismo aparece quase sempre exacerbado e, se há vezes em que está ligado claramente a forças de extrema-direita, a esquerda também não lhe é nada indiferente. É um nacionalismo identitário com base no território, na língua e na cultura, de que consideram ter sido espoliados, não muito diferente de outros nacionalismos, por vezes ditos de esquerda, como o basco, o palestino ou o curdo.

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KRAS russa denuncia anarquistas russos na Ucrânia de divulgarem nomes e endereços de militantes da secção russa da AIT que se opõem à “política expansionista do bloco da NATO”


Segundo uma informação partilhada na página oficial da AIT, em inglês e em espanhol, a secção russa da AIT, KRAS, emitiu um comunicado onde acusa dois anarquistas russos, que vivem na Ucrânia, de terem revelado publicamente nome e endereços de anarquistas russos na internet, que se opõem ao apoio militar ocidental à Ucrânia e à “política expansionista do bloco da NATO”.

A fricção entre  a diversas posições existentes no campo anarquista – sobretudo entre os que militam em organizações localizadas na Ucrânia, Rússia e Bielorússia, sofrendo todo o tipo de ataques e tendo que dar resposta a situações concretas – já era esperada. No meio do mês de Abril, M. Ricardo Sousa escreveu na Rede Libertária um texto, posteriormente publicado pelo Portal Anarquista, onde refere o antagonismo entre visões diferentes daquilo que acontece na Ucrânia seja no campo da esquerda, seja no campo do próprio anarquismo. Duas visões que – mesmo não sendo a preto e branco – deixarão marcas para o futuro.

Eis o texto da Secção Russa (KRAS) da AIT (uma organização anarco-sindicalista internacional histórica que nos últimos anos viu a sua ação e representatividade muito diminuída, depois da saída da CNT espanhola e de outras organizações, como a USI italiana, que constituíram a CIT):

MAIS UMA VEZ SOBRE “ANARQUISTAS” QUE ESQUECEM OS PRINCÍPIOS

A seção da Associação Internacional de Trabalhadores na região russa apela ao boicote aos provocadores e vigaristas que se escondem atrás do nome “anarquistas” e que denunciam os ativistas da nossa organização.

A nossa posição contra a guerra que as oligarquias capitalistas travam pela divisão do “espaço pós-soviético” é recebida com compreensão e apoio pelos anarquistas internacionalistas da Ucrânia, Moldávia e Lituânia, com quem mantemos contatos.

Mas desde o início da guerra russo-ucraniana, os ditos “anarquistas”, que abandonaram a tradicional posição anarquista internacionalista de derrotar todos os estados e nações e apoiam uma das partes em conflito, lançaram uma campanha de difamação contra a nossa organização.

Por exemplo, os ex-anarquistas Anatoly Dubovik e Oleksandr Kolchenko que vivem na Ucrânia publicaram os nomes e endereços dos nossos ativistas na Internet aberta. O primeiro escreveu o texto em causa e o segundo aprovou-o e publicou-o na sua conta no Facebook. O pretexto foi o facto da nossa organização assumir uma posição internacionalista consistente e condenar tanto a invasão russa da Ucrânia e o nacionalismo ucraniano como a política expansionista do bloco da NATO.

Os senhores Dubovik e Kolchenko tentaram descaradamente e com desfaçatez caluniar a nossa seção da AIT, sem nenhuma razão, tentando-nos atribuir uma posição em defesa do Kremlin. Ao mesmo tempo, admitem que estamos a apelar aos soldados ucranianos e russos para que se recusem a lutar.

Isto significa que estes anarquistas imaginários, ao publicarem os endereços de ativistas anti-guerra localizados na Rússia, estão a incitar diretamente os serviços secretos russos e elementos dos grupos nacionalistas a voltarem-se contra eles, como oponentes da guerra, e a tratarem-lhes “da saúde”! Sob as condições de constante perseguição, demissões, ameaças e represálias físicas contra quem defende o antimiitarismo na Rússia, tais ações equivalem a uma denúncia real e uma indicação direta das pessoas para quem as forças repressivas devem voltar sua atenção.

Mais uma vez, os nacionalistas de ambos os lados da guerra, seguindo a lógica de “quem não está connosco está contra nós”, estão de acordo para destruirem em conjunto os seus principais adversários: os internacionalistas que se recusam a escolher entre os estados em guerra e as camarilhas burguesas, entre a peste e a cólera.

Os anarquistas de todo o mundo devem estar cientes dos atos vergonhosos dos informadores-provocadores e de uma vez por todas recusarem-se a ter alguma coisa a ver com eles, expulsando-os para sempre do meio anarquista e enviando-os para seus patrocinadores e chefes dos serviços secretos e da polícia secreta!

A declaração foi aprovada num referendo aos militantes do KRAS-AIT