25 de Abril

Memórias de Abril: a autogestão das empresas pelos trabalhadores, à margem dos patrões e dos comissários políticos


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A seguir ao 25 de Abril de 1974 dezenas e dezenas de fábricas entraram em regime de autogestão. Muitas porque os patrões as abandonaram e ameaçaram mesmo levar as máquinas; outros porque os trabalhadores as ocuparam devido à deficiente gestão patronal que, em geral, acumulavam salários em atraso. Por todo o país sucederam-se as ocupações de fábricas, ainda antes das ocupações de terras. Foi um movimento generalizado que demonstrou as virtualidades da auto-organização operária. De referir que muitas destas empresas atogestionadas tinham uma parcela muito importante de mulheres, já que foram muitas as empresas da área do textil e das confecções que encetaram processo de luta no período inicial pós-25 de Abril. Uma dessas empresas foi a Sogantal. O libertário José Maria Carvalho Ferreira acompanhou este processo e relatou-o nas páginas duma pequena publicação (“O Futuro era Agora”) destinada a assinalar os 20 anos do 25 de Abril e que recolheu diversos testemunhos de militantes de diversas áreas políticas. Entre os jornais que se fizeram eco deste movimento à margem dos patrões e dos comissários politicos e sindicais estiveram na primeira linha “A Batalha” e o “Combate” (aqui o 1º número com um grande destaque sobre a luta das trabalhadoras da Sogantal) , um jornal que se destacou pelo apoio às lutas autónomas dos trabalhadores (e que, nesta mesma publicação, é objecto de um artigo do Júlio Henriques, que fez parte do seu corpo redactorial) .

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Autogestão na Sogantal

 José Maria Carvalho Ferreira, professor, 48 anos

Cheguei de Paris em Junho de 74, convencido de que vinha encontrar uma revolução democrático-burguesa clássica, controlada pelos militares, mas logo comecei a aperceber-me de que algo muito mais importante estava a acontecer.

Foi para mim uma grande experiência ter entrado em contacto com a luta da fábrica de confecções Sogantal, pertencente a patrões franceses, situada no Samouco (Montijo). Tinha umas 50 operárias, que ocuparam a empresa em Junho de 74, quando o gerente tentou responder com represálias às suas reivindicações de maiores salários, férias pagas e 13º mês.

Casos semelhantes estavam a dar-se noutras empresas mas aqui a ocupação assumiu uma radicalidade invulgar: supressão das cadências e dos horários obrigatórios; abolição das hierarquias; igualização dos salários; rotação das tarefas, inclusive de direcção; e, mais subversivo ainda, a decisão de encetar a venda directa da produção.

Estas decisões foram tomadas em assembleias gerais que se reuniam regularmente e às quais podiam assistir pessoas estranhas à fábrica. A comissão de trabalhadores era também de composição rotativa.

Tudo isto teve uma outra consequência da maior importância: as mulheres começaram a libertar-se da autoridade do marido e da família, dos valores patriarcais vigentes. Até aí, passavam o dia a trabalhar e a obedecer passivamente a ordens, tanto na fábrica como em casa, e não podiam deslocar-se sozinhas para lado nenhum. A partir daí, raparigas, na maioria de dezoito, vinte anos, passavam do trabalho na produção à discussão nas assembleias, faziam as contas da empresa, participavam nos piquetes de vigilância nocturna, deslocavam-se a vários pontos do país para vender a mercadoria, davam opinião sobre tudo. Claro que surgiram conflitos familiares e houve mesmo alguns divórcios.

A audácia sem paralelo deste grupo de operárias pode compreender-se se tivermos em conta que partidos e sindicatos tinham nessa altura muito pouca influência na empresa. Entretanto, os problemas acumulavam-se. Foi primeiro a incursão dum grupo de mercenários, armados de pistolas, granadas, matracas, gases lacrimogéneos e com cães, que se introduziram na fábrica de madrugada. Dado o alerta por uma operária, uma parte da população do Montijo cercou as instalações e travou-se luta de que resultou um incêndio. Os sabotadores só foram retirados a salvo graças ao socorro da GNR e do COPCON.

Mas o principal problema era a dificuldade em vender a produção. A venda das roupas pelas próprias operárias era mal vista, mesmo pelos habitantes na zona, assustados por este atentado directo à sagrada e intocável propriedade privada. No Verão, com o apoio da solidariedade externa, ainda foi possível entrar em contacto com em presas em luta, como a Timex e sobretudo a TAP, que era na altura um cadinho revolucionário, e cujos operários passaram a absorver boa parte da produção da Sogantal.

Quando se desencadeia a greve na TAP e as oficinas são invadidas pela tropa, havia já um conjunto de empresas, creio que eram 36, com CTs que não estavam subordinadas ao PC, embora estivessem a ser infiltradas por grupos esquerdistas. A CT da TAP convocou uma reunião no Clube Atlético de Campo de Ourique (CACO), onde se formou a Interempresas e se apelou à greve geral de solidariedade contra a repressão militar. O apelo foi para ser impresso no sindicato dos têxteis mas o Agostinho Roseta, que viu, achou aquilo altamente incendiário e sabotou a impressão do manifesto.

Entretanto, na Sogantal, as dificuldades em escoar a produção foram-se acumulando. As diligências junto do Ministério do Trabalho e do Sindicato dos Têxteis, com vista à nacionalização da empresa ou à sua transformação em cooperativa, ficaram sem efeito. As operárias chegaram à conclusão de que a sua experiência fora muito além das das outras empresas. Tiveram que assentar os pés na terra e parar de sonhar. Enquanto isto, o Sindicato, a troco do apoio prestado à luta, começou a imiscuir-se nas decisões internas e a fomentar divisões. Por fim, depois duma longa agonia em que já não havia meios para subsistir, cada uma foi para seu lado. Isto foi já em 1976.

A pesar deste epílogo negativo – inevitável nas condições de isolamento em que este punhado de operárias se encontrou – a luta da Sogantal ficou como um a das mais avançadas experiências de autogestão operária em Portugal.

aqui; https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/futuro/O%20futuro%20era%20agora.pdf

mais sobre a sogantal: https://ephemerajpp.com/2018/04/27/luta-das-operarias-da-sogantal-agosto-1974/

jornais da sogantal: https://ephemerajpp.com/2012/11/10/jornal-da-sogantal/

Comunal de Árgea: “Não viemos para um convento. Isto é uma militância”


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Os meses imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974 foram férteis em projectos desenvolvidos nas áreas mais diversas. Nas fábricas, nos bairros, nos campos. A reforma agrária no Alentejo e Ribatejo está já suficientemente conhecida e divulgada, ao contrário de outras experiências comunitárias, como foi o caso da Cooperativa Comunal de Árgea, em Torres Novas (Santarém), que juntou diversos jovens (uns que tinham estado em França e foram muito influenciados pelo espírito de Maio de 68) e outros que, ainda em Portugal, participaram na luta anti-fascista e para quem, à semelhança das actuais cooperativas integrais, queriam partilhar experiências de vida e de trabalho. Foi o que fizeram, abraçando a vida e o trabalho em comum. A experiência durou de finais de 1974 a meados de 1977. Hoje, mesmo sem o saberem, muitos projectos de utopias rurais e de regresso aos campos seguem o modelo iniciado em 1974 por estes jovens, muitos deles de espírito libertário, embora militassem uns na LUAR, outros no PRP, entre muitos outros sem qualquer filiação partidária. Esta reportagem no “Século Ilustrado”, realizada nos primeiros meses de 1975 (mas depois de Março), retrata o espírito que ali se vivia.

(mais…)

(Lisboa) Bloco Libertário manifestou-se na Avenida da Liberdade


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[Descrição das imagens: AIT-SP, CEL_Lisboa, e Jacobichas com as faixas “Paz entre povos, guerra ao capital!”, “Contra a exploração capitalista, pela igualdade social. Unidos e auto-organizados, nós damos-lhes a ‘crise'”, e “Fora dos armários e dos mercados, lutando na rua”]

O bloco libertário desceu a avenida da Liberdade apesar de mais uma vez os carros dos “organizadores”, que continuam a arrogar-se donos e senhores do desfile do 25 de Abril e, pior, da própria via pública, terem tentado – à má fila e sem sucesso – impedir a entrada dos vários colectivos que integravam este bloco. Os compassos de espera estabelecidos foram tão marcados e lentos – para criar as devidas distâncias?! – que quando se chegou aos Restauradores já não havia discursos no palco “oficial”, nem se ouvia já o hino de Portugal (ainda bem!) (aqui)

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[manifesto]

Rumo às portas que Abril abriu

Ao contrário do que podemos ouvir por algumas ruas, não precisamos de um novo 25 de Abril. Sendo que este correspondeu à passagem de uma ditadura para uma democracia representativa que a cada instância se demonstra ineficaz para garantir a liberdade dos portugueses, seria impensável apoiarmos tal slogan, ou ainda o “25 de Abril sempre”; para sempre neste impasse não desejamos ficar.

Daqui escrevem alguns daqueles e daquelas que já nasceram com muito do que aquele golpe podia dar: liberdade de expressão, privilegiada se monopolizarmos os média; de associação, mesmo tendo nós de subjugar-nos ao monopólio estatal; um estado de bem-estar social que nos capacitou para escrevermos este texto e que nos manteve saudáveis o suficiente para sermos servos da classe dominante, mas que começa a travar com as emboscadas neoliberais, etc.

Como já deveríamos todos e todas saber, não só de sistemas políticos vive o ser humano. Não vale a pena falarmos de cumprir a Constituição quando o capitalismo lhe coloca proibições estruturais aos seus valores, ou talvez até por em certos pontos estar desatualizada à experiência que já desenvolvemos. Significa isto conformar-mo-nos ao reformista que se multiplica com os seus “A democracia é o melhor entre os piores sistemas”, “Mal menor”, “No meio está a virtude”? Claro que não! Celebram esta data com o mesmo pensamento que a fez chegar tão tarde, “é melhor assim do que como era antes”. O fado que nos cantam sobre esta ser a única opção, não está só caducado, é um fado medroso. É um fado do medo à ditadura política quando prevalece a ditadura dos mercados, que em tudo limita a vida política! É um fado ao profissionalismo que nos dispersa, que nos afasta das nossas comunidades e dos nossos problemas.

“Se os jovens quiserem mudar qualquer coisa, os velhos soltarão um grito de alarme contra os inovadores. Aquele selvagem preferiria deixar-se matar a transgredir o costume do seu país, porque desde a infância lhe disseram que a menor infracção aos costumes estabelecidos lhe traria desgraça, causaria a ruína de toda a tribo. E ainda hoje, quantos políticos, economistas, e pretensos revolucionários agem sob a mesma impressão, agarrando-se a um passado que se vai embora! Quantos não têm outra preocupação senão procurar precedentes! Quantos fogosos inovadores não passam de simples copistas das revoluções anteriores!”

– Piotr Kropotkin em “A Lei e a Autoridade”

Se as portas se abriram, não fiquemos por aqui. Organizemo-nos para o combate da opressão que ainda prevalece; tirando as correntes que nos prendem, nada temos a perder.

Colectivo Estudantil Libertário de Lisboa

 

aqui: https://www.facebook.com/colestlib

(Lisboa) Bloco Libertário na marcha do 25 de Abril


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Lisboa, 25 de Abril, às 15 H – Marquês de Pombal, junto ao edifício do Diário de Notícias

Mais do que comemorar o aniversário do golpe militar que pôs fim a 48 anos de fascismo, é necessário encetarem-se novas lutas, a nível nacional e internacional, que dêem resposta a este mundo capitalista que não só destrói as nossas vidas como até coloca em perigo a sustentabilidade ambiental do nosso planeta.

Hoje como antes da madrugada de 25 de abril de 1974, os governos de todos os países estão ao serviço dos seus próprios interesses e da máquina capitalista da qual dependem.

A melhor maneira de honrar esta data é seguir o exemplo daqueles que, em desobediência das ordens para ficarem em casa no dia do golpe, saíram às ruas, e nos dias seguintes organizaram-se para assumirem o controlo das suas próprias vidas, ocupando terras e empresas, expulsando patrões e latifundiários, praticando a autogestão, criando movimentos populares de base, comissões de trabalhadores e de moradores.

Só a luta autónoma, auto-organizada, direta e persistente terá efeito contra aqueles que nos oprimem e exploram todos os dias, em particular aos mais desprotegidos e despossuídos.

No meio do folclore da cega celebração, façamos do nosso bloco, um bloco reinvidicativo e sem meias palavras, anti-capitalista e libertário.

Junta-te e trás um amigo também! (mais os cartazes, os flyers, as faixas, e as bandeiras!)

(evocação) Estrela vermelha em fundo amarelo circular


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In Memoriam de José Luís Félix

1.
Em Fevereiro tínhamos feito a greve. De um dia para o outro as escolas secundárias foram paralisando de norte a sul de Portugal, num movimento inusitado, não se sabe bem nascido de onde. Um pouco como os cogumelos, o movimento alastrou. No meu liceu também. Durante dias foram os alunos que mantiveram a escola ocupada, que fizeram piquetes, que organizaram cursos livres. Era uma greve contra os exames. A palavra de ordem era «Contra o Ensino Selectivo e Burguês». Isto claro deixou marcas. Criaram-se afinidades, os grupos cresceram.
Novos estudantes aderiram nesta fase aos muitos grupos activos, quase todos, na dependência directa de organizações de extrema-esquerda que eram muitas. Havia para todos os gostos. Guevaristas, trotskistas, maoistas de diversos matizes, comunistas clássicos e heterodoxos cujas palavras de ordem não variavam muito e que iam desde a Unidade Estudantil com o Povo Trabalhador até ao Serviço do Povo Venceremos, apelando à Revolução Socialista ou à Revolução Popular e pedindo quase sempre o Regresso dos Soldados das Colónias e a Morte ao Fascismo.
Isto não era muito diferente do que se passava pelo país. Os comícios, as bandeiras, os encontros mais ou menos organizados surgiam ao virar de cada esquina promovidos por uma miríade de organizações de activistas. Havia fábricas ocupadas, herdades e terras em autogestão no sul do país e os militares falavam na televisão ou surgiam nas ruas quase todos os dias. A Revolução estava em marcha e quase todos concordavam que o rumo era o Socialismo.

2.
Foi mais por sedução do que por ideologia que fiz a minha escolha. E a sedução, confesso-te, nem foi ideológica. Foi a minha secreta admiração pela Cila. Entrámos na mesma reunião de turma. Ela tinha chegado de Luanda no tempo da greve. A África portuguesa naquela altura esvaziava-se na eminência da independência das colónias. Matriculara-se sem documentos. Julgo que aproveitou a confusão para subir o nível da escolaridade e entrar mais acima. Era o que se dizia, mas isso, eu não sei. Era linda aos meus olhos adolescentes. Um cabelo longo que lhe descia pelos ombros, uns olhos muito escuros quase negros. Parecia já uma mulher. Eu achei depois que ela só se juntou ao grupo por necessidade de pertencer a alguma coisa. Não percebia nada de política. Estava só e perdida.
Talvez tenha simpatizado com o emblema como aconteceu comigo. Circular, sem foices nem martelos, nem as caras dos ideólogos. Tão só uma estrela vermelha num fundo amarelo circular. Ou com aquela gente simpática que reunia sem grandes obrigações ou exclusões. Era um grupo pequeno aconchegante distante da ortodoxia da maioria dos outros. Não vale a pena falar em siglas nem explicar linhas politicas que, ninguém hoje entenderia, mas posso dizer-te que tínhamos um emblema bonito.

3.
A vida de militante estudantil era intensa. Reuníamos muito, angariávamos novos membros, distribuíamos panfletos, montávamos bancas onde invariavelmente me oferecia para estar com a Cila, preparávamos as intervenções nas assembleias que eram muitas, dinamizávamos a intervenção politica na turma e claro estudávamos pouco. As aulas também tinham deixado de cumprir os programas e eram agora dadas ao improviso ou com temas decididos e votados depois de debate na turma. A criatividade tinha mesmo chegado ao poder.
Frequentávamos cursos livres, que versavam coisas como o «materialismo dialéctico» ou «a justa resolução das contradições no seio do povo». Havia para todos os gostos. Queríamos saltar os muros da escola e conhecer as fábricas dos trabalhos forçados, perceber a génese das desigualdades para melhor lutar contra o capitalismo. Ligar a teoria à prática. Naquele ano do Verão quente, na verdade ninguém estudou muito. O PREC (Processo Revolucionário Em Curso) tinha chegado a todo o lado. Às escolas também. Os processos revolucionários são a loucura da História alguém disse. E naquele tempo todos acreditávamos que o imperialismo era um «tigre de papel» e a revolução estava mesmo ao virar da esquina. Tinha quinze anos e estava perdidamente apaixonado pela vida.

4.
Reuníamos fora da escola no «Café Central». Não tínhamos sede na vila. A ligação com a cúpula do partido era feita aí. Gente mais velha que chegava, transportando livros, materiais impressos, jornais, brochuras, tintas, cola e cartazes que depois havia que guardar em casa de quem calhava, distribuir, divulgar, afixar colar. Organizavam-se as coisas, distribuíam-se tarefas, discutia-se muito.
Um dia precisaram de nós. Corriam rumores que estava iminente a chegada da Esquadra da NATO. Tinham entrado em manobras ao largo de Portugal. Era preciso vigiar a costa. Os camaradas mais novos também podem ajudar, disse o dirigente chegado de Lisboa. Quem se voluntaria para o fim-de-semana? A Cila colocou logo o braço no ar. Levantei também o meu cheio de dúvidas se teria autorização lá em casa. Não foi fácil. Mas consegui. Fomos. Partimos de comboio no sábado de manhã. Eu, a Cila, o Saigão e a Mila. O contacto era o camarada Luís em Cascais. Lá se receberiam as instruções.

5.
Calcorreamos a vila de Cascais sobre um sol intenso duma tarde de Maio, subimos à Cidadela e lá demos a custo com a morada. O camarada Luís recebeu-nos com um sorriso. Era já um homem mas ainda muito novo, jovial e afável. Sabia ao que vínhamos e mandou-nos sentar na sala, no pouco espaço que sobejavam, entre pilhas de livros, caixas e caixotes atafulhados de material de propaganda. As paredes mal se viam forradas de livros, gravuras e cartazes. Um chamou-me particularmente a atenção. Uma rapariga carregada em ombros agitava uma bandeira negra entre a multidão. Em baixo a letras vermelhas estava escrito «Vetato, vetare». Em italiano: proibido, proibir. Almoçamos e recebemos as instruções. Acampamento no Guincho, na Duna da Cresmina. As tendas, os mantimentos e o transporte chegariam ao fim da tarde. O material de comunicação e os binóculos também. Ele estaria encarregue de coordenar uma série de acampamentos que se estenderiam até à Ericeira. Nós eramos os mais ao sul acima de Lisboa. Mas que não nos preocupássemos que ficaria connosco. Toda a costa ia estar em vigilância naqueles dias. Lembro-me que o telefone tocou na casa do camarada Luís a tarde inteira. E que por ali passou muita gente. Militares também.

6.
No cimo da Duna da Cresmina montámos as tendas escondidas entre os arbustos e a areia. A vastidão do oceano e a entrada do Tejo abriam-se na nossa frente. Acendemos o fogo e fomos preparando o jantar. Luís esteve sempre ali, ajudando, conversando, dando uma mão amiga. O acampamento era nosso, a missão era nossa, disse. Confiava em nós e falava-nos como a iguais coisa a que estávamos pouco habituados até porque eramos uns miúdos de quinze anos. Falava muito da auto-organização mas, mais do que isso, achei que acreditava em nós. Era diferente dos outros. Isso tocou-nos a todos muito percebes? Estávamos mais habituados a receber ordens.
Jantámos ao cair do sol à volta do fogo. Luís era um sonhador e sentia-se nele uma crença inabalável no triunfo duma sociedade de iguais, de liberdade sem exploradores nem explorados erguida de maneira autogestionária e federada. Uma utopia a construir. Pela primeira vez ouvimos falar em anarco-sindicalismo. Sei que mais tarde se assumiu como anarquista, que já era. Entregou-nos o «walkie-talkie» e despediu-se de nós: «Até amanhã companheiros». Ele era diferente como comentámos depois entre nós. Sabiamos que era estudante de economia, que fazia teatro e que trabalhava em bairros pobres.
Não tirámos os olhos do horizonte revezando-nos dia e noite. Eu fiz os quartos de vigilância sempre com a Cila. A Esquadra da NATO não entrou naquele fim-de-semana e eu beijei pela primeira vez uma mulher.

antoniopereira@gmx.com

também aqui: http://canais.sol.pt/blogs/contramestre/archive/2015/06/07/estrela-vermelha-em-fundo-amarelo-circular-_2D00_-um-conto-do-PREC.aspx

ÉVORA: QUANDO AS PAREDES FALAM (5)


reforma agrária

Desde sempre uma das palavras de ordem dos anarquistas tem sido ” A terra a quem a trabalha”. Na revolução mexicana, depois na revolução russa, sobretudo nos campos da Ucrânia, sob a influência da guerrilha de Nestor Makhno, depois na revolução espanhola, em que a vontade revolucionária do povo colectivizou terras e fábricas, sempre os anarquistas estiveram na linha da frente para acabar com a propriedade privada ou estatal da terra, o salariato ou a submissão dos trabalhadores do campo aos de outros sectores produtivos.

Em Portugal, grande parte das ocupações de terras em 1975 foi feita à margem das estruturas partidárias, embora o PCP, com o oportunismo que sempre o caracterizou, tenha feito toda a propaganda possível para passar a ideia de que a ocupação de terras em Portugal terá sido, apenas e só, obra sua. Não é verdade. Houve em todo esse movimento que envolveu dezenas de milhar de operários agrícolas muita gente sem partido, muitos trabalhadores sérios e empenhados em mudar a vida e o mundo, outros militantes de outros partidos, gente do PCP também, claro, mas reduzir esse vasto movimento, como os comunistas pretenderam fazê-lo, a uma obra apenas sua, para além de ridículo é uma mentira pegada.

Esta evocação dos 40 anos da Reforma Agrária (foto) apareceu recentemente escrita junto à rotunda que vai para Alcáçovas, em Évora, assinada com o A dos libertários e é mais uma homenagem aos homens e às mulheres que, à margem dos partidos, souberam sonhar e pôr no terreno, entre muitas traições e muitos compromissos político-partidários, esse velho sonho libertário de que a terra deve pertencer a quem a trabalha!

(prisões) Aljube: mais de 200 anos de tortura e morte.


museu do aljube

A todos aqueles que se limitam a olhar para o chão e não para as estrelas, a todos aqueles que se limitam a passar por aqui de braços caídos, como zombies que são, tenho a dizer-lhes que têm todo o meu desprezo.

Sempre odiei prisões. Todas as prisões. Não só as para os presos políticos. Todas as prisões. Todos os presos sociais são em última análise também políticos pois só estão dentro das prisões os pobres, os desasjustados deste sistema, onde se prende quem viola a lei da propriedade privada e essas penas são maiores do que para torturas, violações e até mortes…enquanto os seus sequestradores, de arma na mão ou não, podem matar impunemente, tantas vezes, dentro e fora das cadeias…

Ontem, 25 de Abril de 2015, fui , juntamente com muitos daqueles que verdadeiramente se empenharam na luta pela preservação da memória histórica da luta contra a ditadura fascista e lembrar também todos aqueles e aquelas que passaram pelas prisões fascistas., entrar na prisão do Aljube, mais de 200 anos de torturas, mortes, de tentar aniquilar todos e todas que não rastejavam…aniquilar todos os e as que tentassem voar!

Entrar nesse centro de extermínio e olhar para dentro de uma cela…estava lá a memória de alguém , em gesso, a cela tinha menos de 2 metros de largura, sem lluz…um pequeno espaço apenas para um colchão pequeno…

Muitos dos visitantes nem se terão apercebido…o meu coração quase que estalava de dor….a um canto uma mulher encostava-se a uma parede, com o neto a ampará-la….era uma antiga presa política antifascista…disse-nos que era para sempre…as marcas de uma prisão.

Por isso, todos e todas aqueles e aquelas que se limitam a olhar para o chão e não para as estrelas têm todo o meu desprezo!

Quanto a mim, tinha 18 anos no 25 de Abril de 1974. Em 1973 tinha realizado uma ação direta, na Universidade, no Instituto Superior Técnico. Eramos incontroláveis, tínhamos perdido o medo. Por isso o fecharam. Antes tínhamos realizado uma ação direta, cerca de uma centena de estudantes: destruímos as máquinas de filmar da P.I.D.E, polícia política do regime fascista, que as utilizava para nos controlar, expulsar e prender…sim! tomámos de assalto o pavilhão de Química, e destruímos à cacetada, marretada , etc e atirámos de lá de cima cá para baixo as máquinas ENORMES E MONSTRUOSAS!

Eramos incontroláveis e tínhamos perdido o medo….meses depois “caíu” o regime fascista…o I.S.T. reabriu….

Por isso, todos e todas aqueles e aquelas que se limitam a olhar para o chão e não para as estrelas têm todo o meu desprezo!

EMÌLIA CERQUEIRA

aqui: https://www.facebook.com/emilia.cerqueira

(Cacilhas) Este sábado, 25 de Abril, no CCL


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Sábado, 25 d`Abril

17h30

* Círculo de Leituras Anárquicas

Discussão do texto “A reprodução do quotidiano” de Fredy Perlman
«A actividade diária do homem tribal reproduz ou perpetua a tribo.
A actividade diária dos escravos reproduz a escravatura.
A actividade diária do trabalhador assalariado reproduz trabalho assalariado e capital.»

20h00
* Jantar vegetariano