América Latina

Che Guevara: a verdade por detrás da lenda, por Larry Gambone


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São Che

a verdade por detrás
da lenda do guerrilheiro heróico,
Ernesto Che Guevara

 

Larry Gambone

 

1997

Tradução da versão inglesa de
Red Lion Press, Montreal, 1997

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Índice:

O jovem Che ou “Don’t cry for me, Argentina”.

As raízes fascistas da concepção do mundo do Che.

O Che stalinista.

O Che executor.

O Che burocrata.

A tragédia de Che Guevara.

O Che morreu pelos nossos pecados.

Notas

Anexo: Os anarco-sindicalistas cubanos nos anos 1950.

Outras Leituras

Nota do Tradutor

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Eduardo Colombo (1929-2018). Um grande lutador anarquista que nos deixa


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Hoje, terça-feira, 13 de Março, a triste notícia do falecimento de Eduardo Colombo dói-nos de forma dolorosa. Com Eduardo não só desaparece um querido e fraternal companheiro, mas também um pensador de primeiríssimo plano e um militante anarquista de convicções inabaláveis.

Corriam os anos quarenta quando o jovem estudante Eduardo Colombo se envolveu intensamente no movimento anarquista da sua Argentina natal participando nas lutas anarco-sindicalistas da FORA (Federação Obrera da Región Argentina), colaborando e assumindo responsabilidades de direcção no seu importante periódico “La Protesta”. Passou desde então um extenso período de mais de setenta anos durante o qual Eduardo Colombo não abandonou nem um só minuto o seu precoce e intenso compromisso com “a ideia” e com a causa dessa ansiada Revolução Social pela qual lutou toda a sua vida com inesgotável entusiasmo.

Médico e psicanalista, também foi professor de psicologia social na Universidade de Buenos Aires até que o golpe militar de 1966 o expulsou das suas tarefas docentes e o obrigou, poucos anos mais tarde, a procurar asilo em Paris onde chegou com sua companheira Heloisa Castellanos em 1970. Ali, pese as dificuldades para se reposicionar profissional e socialmente, não hesitou em envolver-se de imediato nas actividades do movimento anarquista em França, ao mesmo tempo que estreitava laços com a luta antifranquista do exílio libertário.

A sua vontade de interligar permanentemente pensamento e acção levou-o a situar-se como um dos teóricos mais importantes do anarquismo contemporâneo, ao mesmo tempo em que participava em dezenas de eventos no plano internacional. Mencionemos como simples exemplo dessa incansável actividade internacional a sua participação, como conferencista, nas jornadas libertárias de Barcelona em 1977, a sua contribuição para a organização do extraordinário encontro anarquista internacional de Veneza em 1984 ou suas intervenções no encontro anarquista internacional de Saint-Imier em 2012.

Os seus numerosos livros e artigos contribuíram para que fosse permanentemente solicitado para fazer conferência, sobretudo em Itália, Grécia, Espanha, Argentina e diversos países latino americanos, tendo sido também um dos fundadores em 1997 da revista anarquista de língua francesa “Réfractions” e um dos seus principais animadores durante duas décadas.

Haverá tempo para detalhar mais em pormenor a  sua inesquecível figura e as suas valiosas colaborações intelectuais que vão além do âmbito meramente anarquista e cobrem também o campo da psicanálise e da filosofia, mas não podemos fechar esta breve resenha de urgência sem sublinhar novamente que quem nos deixou hoje foi um militante anarquista de incomparável inteireza e grandeza, para além de ser uma belíssima e querida pessoa.

Tomás Ibáñez

Barcelona, 13 de Março de 2018

http://rojoynegro.info/articulo/memoria/eduardo-colombo-1929-2018-un-gran-luchador-anarquista-nos-deja

Apelo dos anarquistas venezuelanos ao movimento libertário internacional


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Apelo desde a Venezuela aos anarquistas da América Latina e do mundo: A solidariedade é muito mais do que uma palavra escrita.

Dirigimo-nos a todas as expressões do movimento libertário, em particular às deste continente, não só para chamar a atenção face à conjuntura que estamos a viver na Venezuela desde Abril de 2017, mas sim porque entendemos ser urgente que o anarquismo se expresse mais enfaticamente sobre estas circunstâncias dramáticas, com posições e acções coerentes com o que tem sido o discurso e a prática do ideal ácrata ao longo do seu percurso histórico.

É deplorável que, enquanto por um lado o governo chavista – hoje encabeçado por Maduro – em conjunto com as suas caixas de ressonância do exterior e, por outro, os opositores da direita e da socialdemocracia, estão em campanhas desaforadas para venderem à opinião  mundial as suas visões enviesadas e carregadas de interesses pelo poder, muitas vozes anarquistas fora da Venezuela tenham mantido um mutismo que, de algum modo, tem como resultado uma tácita aceitação daquilo que uns e outros, desejosos do poder do Estado, querem impor como “verdade”. Sabemos que as vozes que nos são afins não dispõem dos mesmos meios dos estatistas das várias cores e que @s companheir@s enfrentam realidades complexas em que há temas e problemas que, pela sua proximidade, requerem a sua preocupação mais imediata, mas julgamos que essa dificuldade não pode ser obstáculo para que, de algum modo que seja, se dê atenção, interesse e solidariedade quer no que acontece na Venezuela, como pelo que a esse respeito é divulgado pelo anarquismo desta região.

Num resumo sucinto do que o anarquismo local diz hoje, a actual conjuntura denuncia a natureza fascista do regime de Chávez – e a sua continuidade com Maduro -, governos militaristas reaccionários que desde sempre temos denunciado a partir de “El Libertario”. Tem sido um regime ligado ao crime, ao narcotráfico, ao roubo, à corrupção, à prisão de opositores, torturas, desaparecimentos, aparte da desastrosa gestão económica, social, cultural e ética. Chávez conseguiu ter projecção com a sua liderança messiânica e carismática, financiado pela subida do preço do petróleo, mas desde a sua morte e com o fim da bonança, o chamado processo bolivariano esvaziou-se, uma vez que estava sustentado em bases muito débeis. Esta “revolução” seguiu a tradição histórica rentista iniciada aem começos do século XX com o ditador Juan Vicente Gómez, continuada pelo militar Marcos Pérez Jiménez e que não cessou com o esquema democrático representativo posterior .

Há quem no plano internacional (Noam Chomsky é o melhor exemplo) tenha rectificado o seu apoio inicial ao autoritarismo venezuelano e que hoje o denunciam de maneira efectiva. No entanto, observamos com grande preocupação o silêncio de muit@s anarquistas deste e de outros continentes sobre os acontecimentos na Venezuela. Há um adágio que diz: “quem cala consente”, o qual se verifica na perfeição quando se faz passar fome e se reprime criminosamente uma população e os que deviam protestar pouco ou nada dizem. Apelamos a que quem segura as bandeiras libertárias se pronuncie, se ainda o não fizeram, sobre a nossa tragédia. Não há nenhuma justificação para a indiferença se se tem uma visão ácrata do mundo. O contrário significa encobrir a farsa governamental, esquecendo o que foi dito pel@s anarquistas de todos os tempos acerca da degradação do socialismo autoritário no poder. Talvez que no passado a imagem “progressista” do chavismo possa ter enganado alguns libertários, mas se formos consequentes com o nosso ideal é impossível continuar hoje a sustentar essa crença.

Estamos em presença dum governo agonizante, deslegitimado e repressivo que procura perpetuar-se no poder, repudiado pela imensa maioria da população, que assassina através das suas forças repressivas e colectivos paramilitares e que, para mais, promovem saqueios.  Um governo corrupto, que chantageia com caixas de alimentos, vendidas ao preço do dólar no mercado negro, que participa em toda a espécie de negociatas, um governo de boliburgueses e militares enriquecidos com a renda petrolífera e a actividade mineira destruidora do ambiente. Um governo que mata de fome e assassina, enquanto aplica um ajustamento económico brutal acordado com o capitalismo transnacional, ao qual paga pontualmente uma dívida externa criminosa.

É tempo de desmontar as manobras pseudo-informativas de que se pretendem valer no exterior, tanto quem controla como quem aspira a controlar o Estado venezuelano, e nisso esperamos contar com o apoio activo de indivíduos e agrupações libertárias, tanto da América Latina como do resto do planeta. Qualquer demonstração de solidariedade anarquista será bem recebida pelo movimento ácrata venezuelano, que é pequeno e  que se move entre muitas dificuldades, mas que na actual conjuntura agradecerá enormemente saber que, de algum modo, contamos com @s companheir@s do resto do mundo, seja reproduzindo e divulgando a informação que @s anarquistas da Venezuela difundem, gerando opiniões e reflexões que desmontam as visões que sobre este tema os autoritários de direita e esquerda tentam impor e – o que seria muito melhor – promovendo ou apoiando iniciativas de acção nos seus respectivos países em que sejam denunciadas as situações de fome e de repressão que se vivem hoje na Venezuela. Agora, mais do que nunca, é necessária a vossa presença e voz em todos os cenários possíveis para que seja denunciada a tragédia em que está submerso o povo venezuelano.

Colectivo Editor do jornal “El Libertario”

Palimpsestos, uma nova revista de arqueologia e antropologia anarquistas


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Para ler e fazer download (PDF) da revista completa: aqui

Oriunda da Argentina, acaba de ser editado o n. 0 de uma nova revista anarquista dedicada à arqueologia e à antropologia, com quase 400 páginas e artigos em castelhano, inglês e português. Temas em destaque neste número:

 

Venezuela em insurreição… E os anarquistas?


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Novas manifestações e confrontos aconteceram hoje em Caracas. A situação na Venezuela é explosiva e o regime de Maduro perde apoios a cada dia que passa. E que é feito dos anarquistas? Este artigo publicado na página digital do Periodico El Libertario (e traduzido para português pela agência de notícias anarquistas) pretende responder a essa questão: “Você decide aonde nos veremos: nas ruas ou atrás dos computadores”.

*

Ácrato

A Venezuela vive um momento pré-insurrecional. Quem ainda não seu deu conta é porque não está na rua e se sente bem servido pela informação produzida pelos meios de comunicação controlados pela censura. Depois do processo de degradação que se converteu em ditadura, as pessoas perderam o medo do governo e de sua repressão. Diferentemente de outros momentos de protestos anti-chavistas, agora se somam setores populares, tanto em Caracas quanto em outros pontos do país.

No enfrentamento à repressão, se estabelecem coordenações informais para repelir os ataques com gás lacrimogéneo e rojões, bem como para prestar socorro aos feridos. Existe no ar um desejo de mudança, e existem tantas propostas quanto pessoas mobilizadas. Circunstancialmente, depois de haver entregado docilmente o Referendo que significou a ruptura entre os dirigentes da oposição e sua base de apoio, um setor dos políticos está recuperando sua representatividade, logo depois de haverem sido pressionados pela massa para que se incorporassem aos protestos e sofrerem os mesmos efeitos da repressão que os demais. Não obstante, e isso tem que se salientar, a relação entre as pessoas e os partidos políticos mudaram e já não é a obediência cega que antes existia, sob a chantagem da “unidade anti-chavista”. Se não existirem fatores que mantenham e aumentem esta tensão até transbordar, os políticos poderão recuperar seu protagonismo. Os mortos pela repressão já são vários e dezenas os presos por protestar. Enquanto escrevo isso, pessoas estão sendo torturadas por participar das manifestações, enquanto as pessoas se preparam para sair novamente no dia 19 de abril.

Enquanto que o enfrentamento com o Estado chega a tais níveis, a situação das esquerdas “revolucionárias”, incluindo os anarquistas, é patética. Os anarquistas sofreram o mesmo processo de debilitação que o resto dos movimentos populares, divididos por seu apoio ou oposição ao modelo de dominação bolivariano. Se bem que nunca tiveram uma grande influência e o pouco que se havia construído nos anos anteriores já não mais existe. O jornal “El Libertario”, a única publicação regular que existia, deixou de aparecer. Os blogs e espaços virtuais encontram-se em sua expressão mínima. Os encontros reais já não ocorrem, pois muitos companheiros sobrevivem com dificuldade à crise económica. Inclusive o anarquismo “pró-governamental” desapareceu, sendo algumas dessas pessoas funcionários e outros por haverem saído do país. Ante toda essa situação, os “anarquistas” parecem se contentar com lições de pureza revolucionária desde seus computadores, enquanto as pessoas reais – com suas contradições e limitações como todos nós – realmente enfrentam a repressão e ao governo.

Agora não temos influência sobre os acontecimentos, mas a única maneira de gerar condições para tê-la no futuro é participar do movimento contra a repressão, fortalecendo os processos de autogestão e autonomia à margem e contra todos os partidos políticos. Não, não é a “revolução” que nós queremos em nossas cabeças teóricas, mas as agitações e processos reais das pessoas de carne e osso contra os fatores concretos de poder. Manter-se à margem é se condenar a ser uma “seita” para iluminados, uma condição que defendem alguns, mas que rechaçam aqueles que desejam que os nossos valores, e não nossas etiquetas, sejam vividos pela maior quantidade de pessoas.

Objetivamente, o desprestígio do marxismo como consequência da degradação do chavismo – “a corrupção em grau extremo” nas palavras de Noam Chomsky – geram condições objetivas para que o anarquismo tenha capacidade de dialogar, como nunca antes, como futuro deste país. Sem embargo, se tem que entender que muitas das formas em que esses valores se materializavam – o cooperativismo, a agricultura urbana, etc – também foram pervertidos pelo bolivarianismo. Os anarquistas deveram realizar um profundo esforço de reinvenção teórica e prática para ter a capacidade de influenciar o futuro.

A nós, cabe eleger: ficamos à margem e nos enterramos junto com o resto das esquerdas no velório chavista ou tentamos ser uma alternativa vigente e consequente. Você decide aonde nos veremos: nas ruas ou atrás dos computadores.

Fonte (com alterações): http://periodicoellibertario.blogspot.com.br/2017/04/venezuela-en-insurreccion-y-los.html

(Colômbia) Grupo anarquista ocupa edifício universitário e apela à resistência estudantil e popular


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Na tarde de 1 de Março, o grupo clandestino “Anarquistas ao Combate” ocupou o edíficio P da Universidade Pedagógica Nacional (UPN) na cidade de Bogotá, Colômbia, fazendo um apelo à comunidade estudantil a retomar os processos de autonomia e rebeldia nas discussões e práticas estudantis dentro e fora da instituição. Os militantes encapuçados pintaram algumas palavras de ordem nas paredes do edifício e repudiaram taxativamente os mais de 120 assassinatos de líderes comunitários e defensores dos Direitos Humanos apenas em 14 meses em todo o território nacional, especificamente num contexto que mediatiza a paz, esquecendo os graves – e cobardes – atentados paramilitares contra os lutadores sociais.

No passado dia 23 de Fevereiro organizou-se o “Festival pela Rebeldia e Memória”, na Praça Darío Betancourt, que pretendia fortalecer o imaginário estudantil sobre as arremetidas policiais contra os estudantes organizados na UNP e, pela sua vez, servindo como uma actividade preparatória da marcha nacional contra o recente Código Policial aprovado no início de 2017. Quando se realizava este Festival, uma helicóptero sobrevoou a universidade a apenas alguns metros de altura.

aqui: http://rupturacolectiva.com/grupo-clandestino-anarquistas-al-combate-hace-un-llamado-a-luchar-por-la-autonomia-en-colombia/

(anarquismo no mundo) Nicarágua: uma revolução na Manágua de hoje


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Gabriel Pérez Setright | Carlos Herrera | Niú

Gabriel Pérez Setright é artista, anarquista e anticapitalista. “A minha esperança para o futuro é que as pessoas confiem no poder que têm para mudarem as coisas”.

Dánae Vílchez

Numa pequena rua sem saída da Colónia Miguel Bonilla, em Manágua, há uma casa com algo que a distingue: uma grande bandeira com um arco-irís ondeia à entrada. Contrasta com o intenso azul das paredes, uma delas marcadas pelas letras que anunciam que chegaste a La Rizoma, um centro cultural fundado por Gabriel Pérez Setright.

Este jovem de 24 anos converteu a sua casa num centro comunitário e denomina-se a si próprio como anarquista e anticapitalista. É escritor e artista visual e apresentou recentemente a sua obra “outro (fim do) mundo é possível”, na qual contrapõe às icónicas fotografias da revolução Sandinista, capturadas por Susan Meiselas, imagens da Manágua moderna, com grandes edifícios e empresas transnacionais. (mais…)

(Equador) Apelo à solidariedade com o Povo Shuar na luta contra a indústria extractivista 


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A carta que publicamos em seguida foi enviada ao meios libertários e alternativos de todo o mundo por uma companheira que vive numa comunidade indígena na selva amazónica equatoriana e em que apela à solidariedade urgente contra o extractivismo que continua a ser a actividade dominante de vários regimes da América Latina, ocupando as terras das comunidades indígenas e reduzindo-as à aculturação e à miséria.  Esta nossa companheira – que prefere não ser identificada devido à possibilidade de represálias – é socióloga, antropóloga e libertária. Em várias ocasiões já serviu de negociadora entre os povos Shuar e Huaurani e o governo equatoriano de Rafael Correa.  Hoje, como sempre, o anarquismo é o grande aliado dos povos indígenas e o movimento libertário internacional a quase única garantia de que a sua voz é ouvida. Partilhamos esta carta, solidarizando-nos com o Povo Shuar e exigindo que a sua identidade e as suas terras sejam integralmente respeitadas e convidamos todos os libertários a somarem a sua voz à nossa na denúncia dos novos (?) regimes latino-americanos cujo programa parece não ser mais do que o extermínio dos povos indígenas que se oponham ao modelo extractivista.

Versão em Castelhano (aqui)

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(opinião) Aos meus companheiros da esquerda. Uma reacção à morte de Fidel


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Enrique Guerrero-López (*)

Temos uma tendência lamentável para ver os países pelo prisma dos seus governantes, regra geral minimizando as diversas contribuições d@s de “baixo”. Em Miami, as pessoas dançam nas ruas, celebrando a morte de Fidel, enquanto muitos segmentos da esquerda dos Estados Unidos limpam a garganta para gritar “que viva Fidel!”

Esta caricatura a dois tons tem impedido a nossa capacidade para lidar com as belas, trágicas e desafiadoras contradições da história e a actual situação de Cuba sem mencionar o legado de Fidel. Embora Fidel ocupe um lugar importante na história de Cuba, Cuba não é Fidel e a Revolução cubana não pode nem deve ser reduzida a um só homem ou a um só movimento.

Aos meus companheir@s da esquerda, que com razão denunciam a falta de militância no movimento operário norte-americano, devemos celebrar um regime que sistematicamente estripou a actividade laboral independente na ilha, proibindo as greves, perseguindo os militantes sindicais e convertendo os sindicatos numa agência passiva do estado?

Aos meus companheir@s da esquerda, que com razão denunciam o racismo e a supremacia branca nos Estados Unidos, devemos celebrar um regime que declarou o “fim” do racismo na ilha depois da revolução, convertendo-o num tema tabu para o debate público durante décadas, um regime que impediu os afro-cubanos de se organizarem independentemente, tanto política como religiosamente. Ao mesmo tempo que fomentava uma ideologia anti-negro?

Aos meus companheir@s da esquerda, que lutam legitimamente pela libertação queer, devemos celebrar um regime que reuniu as pessoas queer e as pôs em campos de concentração?

Aos meus companheir@s da esquerda, que legitimamente lutam pela libertação dos presos políticos nos Estados Unidos, devemos celebrar um regime que encarcerou activistas políticos à esquerda de Castro?

Aos meus companheir@s da esquerda, que com razão lutam por uma educação universal gratuita nos Estados Unidos, devemos celebrar um regime educativo que privilegia quem tem mais recursos para replicar os desequilíbrios de poder existentes, um sistema que inclusivamente apologistas estatais, como o afro-cubano Esteban Morales, dizem que “educa os cubanos a serem brancos”?

Aos meus companheir@s da esquerda, que legitimamente lutam por um mundo mais além do capitalismo, devemos celebrar ou defender um regime que passou duma ditadura unilateral ao estilo soviético para uma forma sino-vietnamita de capitalismo de Estado?

Aos cuban@s que dançam nas ruas de Miami:

@s cuban@s de direita em Miami lamentam a ditadura na ilha enquanto abraçam a ditadura dos dois partidos do capital neste país.

@s cuban@s de direita em Miami denunciam a falta de “liberdades civis” na ilha, exigindo a libertação dos presos políticos enquanto a polícia mata @s negr@s impunemente nos Estados Unidos e Mumia [El-Jamal] e outros presos políticos continuam presos no sistema carcerário mais povoado do mundo.

@s cuban@s de direita de Miami queixam-se da falta de “liberdade de expressão” em Cuba, enquanto que os manifestantes nos Estados Unidos estão confinados a “zonas de liberdade de expressão”, os indígenas, protectores da água, estão a ser violentamente reprimidos pela polícia e a nossa infra-estrutura de comunicações está cada vez mais concentrado em menos mãos do que em qualquer momento da história deste país.

@s cuban@s de direita criticam a falta de “oportunidade” em Cuba, enquanto que nos Estados Unidos a mobilidade social está em grande declive, já que 10% d@s capitalistas mais ricos dos EEUU possui 75% da riqueza.

@s cuban@s de direita denunciam a violência do regime castrista a partir da posição privilegiada do maior império da história mundial, em defesa do Estado norte-americano, que segundo Martin Luther King Jr, era (e continua a ser) o “maior provedor da violência no mundo”.

Há muito que celebrar, no que diz respeito a Cuba e à sua história – desde Aponte e da salsa ao beisebol e a Las Kruidas  -, mas Fidel, na minha perspectiva, deve ser compreendido, não celebrado.

(*) Enrique Guerrero-López é membro da Black Rose Anarchist Federation / Federación Anarquista Rosa Negra e participa na Solidarity Networks in Austin, Texas.

Aqui: http://www.blackrosefed.org/companerxs-left-reaction-death-fidel/

(opinião/debate) O que morreu em Cuba com a morte de Fidel Castro?


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Preparação da marcha do 1 de Maio. Foto: Coletivo Taller Libertário Alfredo López

A morte de Fidel Castro não representa para o movimento anarquista, em geral, qualquer dor ou sentimento de perda, apesar de no início da Revolução Cubana muitos anarquistas terem saudado e caminhado em conjunto com o movimento que derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista. Houve anarquistas que integraram o próprio movimento 26 de Julho, outros foram activos nas cidades e no movimento sindical. Mas foi sol de pouca dura.

Com a tomada do poder por Fidel e pelos seus companheiros, logo no início da década de 60 começou a repressão contra os anarquistas e contra todos os sectores que contestavam o poder totalitário da nova classe dirigente. Muitos anarquistas foram fuzilados nessa altura e muitos outros estiveram presos durante largos anos. O movimento anarquista, particularmente activo no meio sindical, foi destruído quase por completo, persistindo apenas em sectores do exílio e da emigração. Desde esse momento, o regime cubano assumiu o seu papel de colaborante com o bloco soviético – na repressão e no totalitarismo. Nem socialismo, nem liberdade. Capitalismo de Estado, centralismo e repressão foram, a partir daí, as traves mestras do regime cubano.

Hoje o anarquismo renasce em Cuba e na América Latina, através de militância, espaços, organizações, publicações, etc. Em Cuba tem tido um papel importante no debate de ideias o observatório crítico cubano, animado também por vários activistas do campo libertário, mas não só. Um dos seus colaboradores é o sociólogo e historiador cubano Haroldo Dilla Alfonso, professor universitário, actualmente residente em Santiago do Chile e  ex-director do Departamento de Estudos Latinoamericanos do Centro de Estudos sobre América de La Habana. Assumindo-se como marxista crítico, dissidente do regime, analisa a herança deixada por Fidel Castro, a quem acusa de simbolizar “um tipo de mudança revolucionária jacobinista e voluntarista, cujas conquistas nunca puderam compensar os seus imensos custos humanos”.

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