No rescaldo do Congresso dos Jornalistas


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Será que uma greve geral poderá mudar a mentalidade de “classe privilegiada” a que uma grande parte da classe jornalística ainda julga pertencer?

Com a aprovação de uma greve geral de jornalistas, em data a marcar, no final do 5º Congresso dos Jornalistas ficou mais clara, para a maioria dos profissionais de comunicação social, a precarização e a proletarização a que a classe chegou.

Para tal não é estranha a situação global do sector, com os salários em atraso e a desarticulação do grupo da Global Media, comprado em parte por um fundo estrangeiro de que pouco se sabe, ou as notícias que dão como certa a falência iminente do grupo Impresa, de Francisco Balsemão.

Sabe-se que o “negócio” da comunicação social se alterou, com uma queda drástica dos leitores de jornais, da quebra acentuada da publicidade em todos os órgãos de comunicação tradicionais e da, cada vez maior, existência de canais alternativos de informação, desde o cidadão-jornalista, que com o seu telemóvel pode divulgar o mais pequeno acontecimento no próprio instante em que ele se dá, aos canais informativos, alternativos ou críticos que não param de surgir, em contraponto com a chamada “grande comunicação social”, mainstream,  propriedade dos grandes grupos económicos ou do estado.

A informação é, cada vez menos, propriedade exclusiva dos grandes órgãos de comunicação social do sistema, fechados numa lógica em que os jornalistas são transformados em meros pés de microfone, escravos duma agenda criada para servir os interesses mediáticos e propagandísticos da classe política ou empresarial, fechados num “bolha” que esquece a generalidade dos cidadãos e o território como um todo.

Os grandes órgãos de comunicação social – e a crise que os afeta também se prende com isto – descredibilizaram-se com as doses maciças de propaganda com que nos inundam, sempre ao serviço do pensamento único, seja ele o da política, da economia ou do social – em que são sempre as mesmas vozes que se ouvem, as mesmas opiniões que se expressam, os mesmo comentários que se procuram, seja através de comentaristas profissionais, de jornalistas que não fazem outra coisa ou de políticos-convidados. Todos principescamente pagos.

As infinitas minorias, a luxuriante diversidade, os olhares múltiplos, que compõem o tecido social, há muito que se deixaram de se ouvir (ou nunca se ouviram) nestes grandes órgãos de comunicação social dominados e dirigidos por “jornalistas” que tão depressa estão no jornalismo, como na assessoria política ou económica, sempre à espreita da melhor ocasião para fazerem da profissão rampa de lançamento para novos voos.

Todos sabemos que não há informação neutra e que a objetividade em jornalismo pode ser uma meta, mas nunca é alcançável. Depende de inúmeros fatores, sendo um dos principais o posicionamento de classe, social, dos jornalistas, enquanto tal.

Se a precarização existente, os salários em atraso, a luta idêntica à de tantos trabalhadores nos mais variados sectores da sociedade, conduzirem a uma maior consciência de classe e obrigarem os jornalistas a saírem da “bolha” artificial em que muitos vivem, querendo-se confundir com a classe politica ou os sectores mais privilegiados da sociedade portuguesa, isso, só por si, será positivo e significará uma melhoria qualitativa da informação em geral e uma maior atenção aos problemas e à forma de encarar o papel da comunicação social – em grande parte geradora e rendida às narrativas da sociedade espetáculo de que é um dos principais pilares.

Não sendo crítico, o jornalismo transforma-se não em “quarto poder”, mas no “quarto do poder”. Sem exceções visíveis, é este o panorama em Portugal ao que à grande imprensa (jornais, tvs, rádios) diz respeito.

Pode ser que  a situação que se vive no sector e a preparação desta greve que se anuncia para breve altere a perspetiva de muitos jornalistas, fazendo-os sair da “bolha” ilusória em que muitos ainda imaginam viver, considerando-se “classe privilegiada”, e os leve a encarar, de uma vez por todas, a situação de miséria em que deixaram que as suas vidas se transformassem, confrontando os poderes e assumindo-se como um verdadeiro contrapoder, crítico e escrutinador dos abusos e dos atropelos à cidadania, das desigualdades que persistem e das violações quotidianas que os que têm poder exercem sobre os que não têm poder.

É esta a função primeira dos jornalistas: dar voz aos que não têm voz e denunciar os atropelos ao bem-estar e à solidariedade coletiva e, na história do jornalismo, não são poucos os que pagaram com o desemprego ou mesmo a prisão este compromisso social – de Ferreira de Castro, Jaime Brasil, Campos Lima, Mário Domingues, Cristiano Lima ou José António Machado (Graça), entre outros, até aos dias de hoje, sempre houve e haverá quem não se deixa vergar.

c. (por email)

Conclusões do 5º Congresso dos Jornalistas

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