figuras do anarquismo

(memória libertária) Francisco António Ximenes, alentejano de Via Glória – Mértola


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Francisco António Ximenes, trabalhador rural, anarquista, membro do grupo anarquista “Via Anárquica”, de S. Bartolomeu de Via Glória – Mértola, aqui evocado pela antropóloga Paula Godinho:

“Pertenceu a uma geração em que o anarquismo cativava, nos campos do sul. O meu pai falava dele, como de Gonçalves Correia, com admiração, e o meu avô foi amigo de ambos. A PIDE perseguiu-o toda a vida, pois sabia-o capaz de levantar os ceifeiros e outros trabalhadores por melhor salário e redução de horário. Crimes terríveis, claro. Mas do que mais gostava o tio Ximenes era de falar de vegetarianismo, de milenarismos niveladores e de soltar pássaros que viviam em gaiolas. Perigosos, estes alentejanos.” (Paula Godinho)

Bertrand Russell: um filósofo fora do “baralho” das ideias feitas


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Bertrand Russell foi um dos maiores filósofos e matemáticos do século XX, desenvolvendo uma obra e um activismo ímpar ao longo do século em que viveu.

Bertrand Russell simpatizou ao longo de toda a sua vida com o anarquismo, muito embora tenha abraçado a ideia de um Estado Mundial (*) para acabar com as guerras entre as nações. Com a idade de 23 anos, o jovem aristocrata é descrito na sua biografia como alguém com tendências anarquistas.

Russell conhecia o sentido e o significado do anarquismo quando escreve em 1918, pouco antes de ser preso por ter denunciado a legitimidade da I Grande Guerra Mundial, o livro “Roads to Freedom: socialism, anarchism, and syndicalism”, onde inclui uma citação de Lao-Tzu:

Production without possession
Action without self-assertion
Development without domination (**)

Num fundamentado texto da sua autoria, Russell define o anarquismo como a teoria que se opõe a toda a espécie de governo que resulte de uma imposição à força. A liberdade é o supremo bem do credo anarquista, devendo a liberdade ser entendida como a via mais directa para a abolição de todo o controle forçado sobre os indivíduos pela comunidade. Russell defende que o anarquismo deve ser o ideal último para o qual a sociedade deve continuamente aproximar-se. Aliás, o próprio Russell defende que o anarquismo está particularmente ajustado em áreas tão diversas como a arte, a ciência, as relações humanas, a alegria e o gozo de viver.

No entanto, ele confessa que por enquanto, e nos tempos mais próximos, será muito difícil que este sonho se venha a realizar. Numa sua obra de juventude “Principles of Social Reconstruction” (1916), ele admite que o Estado e a propriedade são as duas mais poderosas instituições no mundo moderno. Porém, ao mesmo tempo que tenta demonstrar quanto dispensáveis são muitos dos poderes estatais, também aceita a utilidade de outros a fim de evitar a substituição da lei pela força nas relações humanas. “A anarquia primitiva, que antecedeu a lei, era muito pior que a lei”, escreve Russell. O Estado teria também, segundo ele, um papel positivo a desempenhar na educação obrigatória, na saúde e na administração da justiça económica.

Apesar das fortes críticas de Bakunine e de Kropotkine contra o Estado, Russell admite que alguma coerção da comunidade deva subsistir sob a forma de lei, assim como o Estado é uma instituição necessária para a realização de certas e limitadas tarefas. Sem o Estado o forte poderia oprimir o fraco. Defendia, entre todas as ideologias então referenciadas, o socialismo corporativista (guild socialism), se bem que sempre recordando que “o livre crescimento do indivíduo deva ser o fim supremo de todo o sistema político”. Num dos números do jornal anarquista Freedom (fundado por Kropotkine) o livro “Roads to Freedom” de Bertrand Russell é vivamente recomendado, observando que os trabalhos do autor contêm propostas construtivas para o anarquismo.

Russel visitou a Rússia no Verão de 1920 onde se encontrou com anarquistas como Emma Godman e Alexander Berkman que lhe apresentaram a cidade de Moscovo e vários líderes bolchevistas. O livro que reúne as suas impressões dessa viagem, “The Practice and Theory of Bolchevism” (1920), inclui já várias observações críticas à situação numa altura em que qualquer crítica à ditadura bolchevista era vista, pela esquerda, como uma traição. Dois anos depois, quando Emma Goldman procurou refúgio político na Grã- Bretanha, foi Russell que fez as necessárias diligências junto do Home Office, garantindo que aquela se comprometia a não desenvolver qualquer forma de anarquismo violento no país. No jantar de boas-vindas em Oxford, a única pessoa a aplaudir os violentos ataques feitos por Goldman ao governo soviético foi Russell. A reportagem do Freedom sobre o acontecimento terminava assim: “Mr. Russell, o filósofo mais acutilante da Inglaterra, proferiu então um discurso onde demonstrava as suas mais firmes convicções anarquistas.”

Apesar de tudo, Russell manteve sempre alguma distância para com os anarquistas. Recusou, por exemplo, ajudar Emma Goldman a constituir um comité de ajuda aos prisioneiros políticos russos com o argumento que não via uma alternativa melhor ao governo soviético que não resultasse ainda em maior crueldade. Escreve então a Goldman o seguinte: “Não vejo a abolição de todos os governos como algo que tenha possibilidade de se realizar nas nossas vidas ou mesmo durante o século XX”. Mesmo assim, e depois de constatar a inutilidade da sua tomada de posição, acabou por censurar o tratamento dado pelo governo bolchevista aos seus prisioneiros políticos. E quando Sacco e Vanzetti foram executados, Bertrand Russell não teve dúvidas em afirmar que tinham sido injustamente condenados por motivo das suas opiniões políticas.

As atitudes e as suas afirmações libertárias, bem como toda a sua relutância em seguir à risca as posturas anarquistas resultam da sua singular concepção da humanidade e do universo, e do facto de estar consciente da “falácia naturalistica” a que Kropotkine e outros anarquistas não escapavam ao defenderem argumentos baseados na supremacia das leis da natureza, que deviam ser seguidas, mas que na perspectiva de Russell mais não nos levaria que a sermos escravos da própria natureza. Tal não o impedia contudo em reconhecer que “se a Natureza deve ser o nosso modelo, então os anarquistas teriam o melhor dos argumentos. Com efeito, o universo físico está ordenado, não porque tenha um governo central, mas simplesmente porque todos os seres tudo fazem para que assim seja.”

Como ateísta e atomista, Russell (autor do livro “Porque não sou cristão”)  tem uma sombria concepção da humanidade não obstante as suas esperanças de um mundo melhor. Ele considera que o homem é o resultado de uma “conjugação acidental de átomos” destinada a extinguir-se com a morte do sistema solar. Mas apesar da efémera e acidental posição do ser humano no universo tal não significa que o homem não possa lutar para a melhoria de todos. Só a crença no mais profundo desespero pode construir um mundo melhor.

Como humanista, Russell preocupa-se em lutar pela expansão da liberdade e felicidade humanas. Coisa que não é fácil.

Nos anos 50 e 60 Russell envolve-se mais uma vez com grupos anarquistas no Comité dos Cem no âmbito da Campanha pelo Desarmamento Nuclear. O velho filósofo bate-se então pela acção directa não-violenta e pela desobediência civil em larga escala

Nos textos de Bertrand Russell perpassa uma forte brisa libertária como se pode ler no seguinte excerto:

“Thought is subversive and revolutionary, destructive and terrible. Thought is merciless to privilege, established institutions and comfortable habits. Thought is anarchic and lawless, indifferent to authority, careless of the well-tried wisdom of the ages”. (***)

Fonte: Blog Pimenta Negra

(*) Talvez não exactamente um Estado mundial, mas uma organização que, a nível planetário, conseguisse uma coordenação global

(**) Produção sem posse/Acção sem arrogância/ Desenvolvimento sem dominação

(***) O pensamento é subversivo e revolucionário, destrutivo e terrível. Não tem piedade para com as instituições estabelecidas, nem para com os privilegiados, acomodados nos seus hábitos e conforto. O pensamento é anárquico e não obedece às leis, é indiferente à autoridade, e não respeita a bem testada sabedoria de todos os tempos.

Livros de Bertrand Russell em português (PDF): http://pensamentosnomadas.com/livros-de-bertrand-russell-em-portugues-26993

(Mina de São Domingos) Foto de Valentim Adolfo João e irmãos


foto valetim Adolfo João

(Foto retirada daqui com a seguinte legenda:
Não tenho vagar amor
Para te dar atenção ,
Tenho muito que fazer
Na minha Associação .
3 grandes mineiros que dariam a vida em prol dos direitos dos trabalhadores .
Antonio, Manuel e Valentim Adolfo Joao)

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(memória libertária) José Negrão Buísel (1875-1954), um anarquista de Portimão


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José Negrão Buísel é uma das referências do anarquismo no Algarve. Professor, seguidor das ideias pedagógicas libertárias da escola Moderna de Francisco Ferrer, esteve ligado à Federação Anarquista do Sul e posteriormente à CGT. Preso por diversas vezes, o seu nome foi atribuído, após o 25 de Abril de 1974, a um estabelecimento de ensino e a uma rua de Portimão.

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Biografia do anarquista algarvio Bartolomeu Constantino (1863-1916)


Biografia do anarquista algarvio Bartolomeu Constantino (1863-1916)

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Operário sapateiro, nasceu em Olhão em 1863 e faleceu em Lisboa, no Beco da Ricarda, n.° 4, em 11 de Janeiro de 1916. Figura controversa, Bartolomeu Constantino foi um extraordinário orador do anarquismo. Sempre que solicitado para falar em algum lugar, fechava a sua pequena banca de trabalho e seguia corajosamente sem a preocupação do que podia acontecer. Foi o promotor do Congresso Anarquista de 1911, abrindo espaço às ideias libertárias e possibilitou logo em 1914 outro encontro acrata. Durante o governo de Afonso Costa viveu no Algarve onde lançou um jornal, com a ajuda da sua companheira Júlia Cruz. Também viveu algum tempo em Almada, mas para o seu espírito irrequieto, os lugares tornavam-se pequenos.

Falando do transladamento dos seus restos mortais A Batalha de 5-10-1922, informa em 1ª página: “A Comissão pró-transladamento convida a C.G.T., U.S .0 ., Federações, Sindicatos, Juventudes Sindicalistas e Comunistas Libertários e grupos revolucionários”. E concluía: “O itinerário é Loreto, Praça Luís de Camões, rua do Mundo, S. Pedro de Alcântara, Praça Rio de Janeiro, Escola Politécnica, Praça Brasil, rua Visconde de S. Ambrósio, rua Saraiva de Carvalho e Cemitério dos Prazeres”.O proletariado e os anarquistas de Lisboa compareceram em massa a confirmar o apreço ao orador anarquista.

Embora o seu nome tenha caído um pouco no esquecimento, de que urge resgatar, tem hoje uma praceta com o seu nome no Laranjeiro (Almada) (https://goo.gl/maps/e9wD6zf8Rfx)

BARTOLOMEU CONSTANTINO

Bartolomeu Constantino foi um dos anarquistas portugueses mais proeminentes, senão o mais proeminente, no período conturbado da transição entre a Monarquia e a República. Ao contrário de quase todos os outros revolucionários do seu tempo, que após a queda da monarquia, se foram rendendo às mordomias e corrupção do novo regime republicano, Bartolomeu Constantino manteve sempre uma grande autenticidade de convicções, tendo morrido em 11 de Janeiro de 1916 na mais completa miséria, com 52 anos. Ao longo da vida esteve preso 36 vezes! Tal como vem descrito no Assento de Baptismo nº 145 do Livro dos Assentos dos Baptismos da Igreja da Nossa Sra. do Rosário da Vila de Olhão (existente no Arquivo de Faro) e confirmado pelos Arquivos do Cemitério dos Prazeres em Lisboa (onde ocorreu o seu funeral), Bartolomeu Constantino nasceu em Olhão, na Rua das Lavadeiras, em 23 de Junho de 1863, filho de mãe solteira, Antónia da Cruz, e de pai incógnito, neto materno de António da Cruz e Rosa da Conceição.

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A mãe poderia ser lavadeira, o que é confirmado não só pelo nome da rua em que residia, onde na época trabalhavam as lavadeiras em tanques apropriados, como pela vaga memória que os seus descendentes ainda têm (segundo estas informações, incertas e talvez romanceadas fornecidas pela família, o pai de Bartolomeu Constantino seria um militar francês…).

Não sabemos quanto tempo terá vivido em Olhão (nas consultas efectuadas ao censo de 1863 e 1868, em Olhão, não o encontrámos…) mas teve seguramente uma origem muito humilde pois era sapateiro, provavelmente por influência do seu padrinho, José Francisco Xavier, que tinha esta profissão. Curiosamente os sapateiros constituíam nesta época a classe operária mais instruída do Algarve (Marques, Maria da Graça Maia – O Algarve da antiguidade aos nossos dias: elementos para a sua história – Ed. Colibri, Lisboa, 1999, ISBN 972-772-064-I, p.467) e Bartolomeu Constantino não fugiu à regra: de forma autodidacta educou-se, e dentro da sua actividade política foi sindicalista, actor de teatro e jornalista.

Dotado de qualidades oratórias extraordinárias, tornou-se num exaltado apologista da divisão equitativa da propriedade e das riquezas, passando a sua palavra a ser indispensável nos grandes comícios revolucionários da época.

Abílio Gouveia, num artigo publicado na Voz de Olhão de 3-6-1976 transcreve o comentário que o escritor Rocha Martins faz da actuação de Bartolomeu Constantino na grande parada operária do 1º de Maio de 1893:

Pela primeira vez em Portugal se fizeram em comícios proletários as afirmações duma alta grandeza moral. Celebrara-se a reunião no teatro da Alegria e um anarquista eloquente, o sapateiro Bartolomeu Constantino, fizera vibrar as massas obreiras com os seus arrancos condenatórios da sociedade. Era calvo, de grande barba; os olhos vivos, debruados de vermelho duma inflamação teimosa; a sua voz tocava todas as gamas e, ao erguê-la, furiosa e indignada, o artífice lembrava um apóstolo, como os precursores de cristianismo, pregando, de entre os farrapos, aspirações de fraternidade. Falava para as estrelas, com os pés no pântano; o seu trajo roto esquecia, ante o ardor das suas exortações.

Quando as acabava, entre palmas, ia para o canto humilde da sua casa puxar o fio enserolado com a mão calosa, apertada pelos políticos. Arrebatava o povo e sofria, o honrado trabalhador, o boca de oiro do anarquismo incipiente.

Na sua época – a viragem entre o séc. XIX e o séc. XX – assistia-se ao nascimento de sonhos e utopias, mas também de enganos e mal-entendidos.

Em Portugal, os monárquicos resistiam sem fé à deterioração do seu regime, e os republicanos acreditavam ingenuamente que bastaria destronar o rei para, num passe de mágica, o País reencontrar a sua antiga grandeza.

Noutro registo ideológico, encontravam-se os socialistas não marxistas, os socialistas marxistas liderados por Azedo Gneco, assim como os anarquistas libertários. Todos eles acreditavam que não bastaria acabar com a monarquia para melhorar as condições de vida do povo.

No entanto, enquanto os marxistas e os anarquistas radicais consideravam que o seu objectivo apenas seria conseguido através de uma profunda revolução, quiçá sangrenta, os socialistas não marxistas, também chamados “possibilistas”, acreditavam na possibilidade de mudar aos poucos, com pequenas reformas pontuais e dentro do regime existente.

Bartolomeu Constantino era um anarquista muito próximo dos possibilistas, que apelava à mudança com um mínimo de violência, através da educação das massas operárias. Frequentemente esteve próximo dos republicanos, que considerava aliados tácticos, atendendo que a destituição do rei era para ele, um primeiro passo positivo para a libertação e igualdade entre os homens.

Lutou pela criação de plataformas de entendimento entre possibilistas, anarquistas e republicanos, o que lhe valeu encarniçadas críticas dos anarquistas radicais e dos marxistas. Estes últimos, que não lhe perdoavam a independência e o grande protagonismo que tinha junto dos operários, acusavam-no frequentemente de estar mancomunado com a polícia e os capitalistas.

Devido ao seu esforço, primeiro fundou-se a União Socialista, em 1899, e depois a Federação Socialista Livre, em 1901. Esta última Federação era constituída por vários grupos autónomos em todo o País, havendo em Olhão o Núcleo Socialista “Sempre Avante” e em Quelfes o Grupo “Despertar”.

Em 1903 Bartolomeu Constantino deixa Lisboa e segue para o Algarve, onde aparece ligado ao Grupo “Libertos”, de Faro. Viu-se envolvido nos incidentes ocorridos nesta cidade, em Fevereiro de 1904, por ocasião da visita do primeiro-ministro João Franco. Acusado de ser organizador destes distúrbios, é preso em Junho de 1904, na Associação Marítima, onde residia e, posteriormente, julgado em Olhão no dia 4 de Agosto. É defendido por Afonso Costa (várias vezes futuro primeiro-ministro de Portugal durante a 1ª República) que se desloca ao Algarve. Afonso Costa é então coadjuvado por dois jovens advogados olhanenses que embora não partilhassem da ideologia do réu, acreditavam na sua inocência – João Lúcio e Carlos Fuzeta.

Este julgamento criou em todo o País um extraordinário movimento de solidariedade que abalou a monarquia, mas que não impediu que Bartolomeu Constantino tenha sido condenado à deportação perpétua para Timor. Após o julgamento, Afonso Costa apela da sentença e elogia Bartolomeu Constantino por ser “um operário humilde na sua vida, mas altivo nas suas ideias e crenças”, argumentando que “anarquista é-o, tal como foi Jesus”.

Apesar da pesada condenação, no início de Outubro de 1904, Bartolomeu é transferido para a cadeia de Lisboa, atendendo dois presos terem fugido da cadeia de Olhão uns dias antes, e em Julho de 1905 acaba por ser liberto devido à grande campanha nacional de solidariedade.

Passa a viver em Setúbal, onde instalou em 1906 um estabelecimento de comidas e bebidas e, em Junho de 1908, fixa residência em Almada (Mutela) onde participa activamente nas lutas sindicais da Federação Corticeira.


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Fotografia de 1912, fornecida pela bisneta (Dulce C.): da esquerda para a direita temos Bartolomeu Constantino, o seu filho mais novo, Lingg C. (com 7 anos), sua companheira, Júlia da Cruz (professora primária), seu filho mais velho, Antero C.Bartolomeu Constantino viria a ter ainda mais uma filha, Ana Constantino, nascida em Janeiro de 1914, em Chaves.

Teve um papel muito importante nesta região, durante a revolta que conduziu à proclamação da República em 5 de Outubro de 1910: perante o impasse momentâneo da revolta na véspera, em Cacilhas, Bartolomeu Constantino incita e arrasta os operários com o seu discurso inflamado. No dia seguinte, é um dos que proclamam a tão desejada República em Almada.

Após a República, promove o primeiro Congresso Anarquista português de 11 a 13 de Novembro de 1911 (na qualidade de secretário da Federação Anarquista da Região Sul) e dirige o jornal “Comuna Livre” (órgão da União Anarquista Comunista), sendo detido novamente em 1912. Depois da libertação passa a residir em Chaves e, em Janeiro de 1915, foi eleito para a Direcção da “União Operária Transmontana” e, em Agosto do mesmo ano, Secretário-Geral da União Anarquista Comunista. Regressa a Lisboa, sendo a sua última morada uma loja do Beco da Ricarda, nº 4, na freguesia do Sacramento.

Quando morre em 11 de Janeiro de 1916, na mais completa miséria, a emoção nas classes operárias foi enorme. Segundo os relatos do jornais da época, ao seu funeral ocorrido dia 16 de Janeiro no Cemitério dos Prazeres, assistiram mais de 20.000 pessoas e foi necessário construir oito tribunas para que usassem da palavra todos os oradores que lhe quiseram prestar a última homenagem. Terá sido o único grande revolucionário da época, que o foi sinceramente até à morte!

Em 1916, o Jornal O Setubalense anunciava que a sua antiga companheira – Júlia Cruz – e filhos agonizavam de fome num mísero quarto de Lisboa, sem cama para dormirem e um cobertor para se agasalharem! Este periódico abriu uma subscrição para ajudar a família de Bartolomeu Constantino, a que concorreu a esmagadora maioria do proletariado setubalense. Também alguns elementos da burguesia setubalense contribuíram na colecta, o que comprova o respeito que a memória de Bartolomeu Constantino granjeava, mesmo de sectores socialmente diferentes.

Sabemos que em 1917, Júlia da Cruz vivia em Lagos e recebia correspondência dirigida à União das Associações das Operárias de Lagos. Posteriormente,  aderiu ao Partido Comunista, passou a viver com um militante comunista – Alfredo Cruz – que chegou a estar preso no Tarrafal, de quem teve mais dois filhos.

Agradecemos comovidamente à família as fotografias e as informações que nos forneceram.

António Paula Brito

Fonte:



(Itália) Morreu Amedeo Bertolo, um dos mais activos anarquistas dos nossos dias


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É com muita tristeza que vos informo que anteontem, 22 de Novembro de 2016, morreu em Milão, com 75 anos, Amedeo Bertolo, uma das figuras mais importantes do anarquismo contemporâneo. Nele, pensamento e acção estiveram sempre ligados.

Para além de autor de textos fundamentais, traduzidos em várias línguas, foi um dos fundadores, ainda na década de 60, das Juventudes Libertárias de Milão, do Grupo Anarquista Ponte della Ghisolfa e da Croce Nera, juntamente com Pinelli.

Participou em algumas acções em Espanha, integrado na estrutura anarquista clandestina Defesa Interior, e fez parte do grupo italiano que raptou o vice-cônsul espanhol em Milão, para tentar evitar a pena de morte a que tinham sido condenados alguns anarquistas espanhóis e chamar a atenção da imprensa europeia para o franquismo. Face à pressão internacional, Franco comutou as penas dos companheiros espanhóis em prisão perpétua e, passados alguns anos, foram libertados. Todos os membros do grupo de “raptores” foram presos pela polícia italiana e Amedeo Bertolo, que tinha fugido para França, voltou no dia do julgamento, entrou no tribunal disfarçado de ajudante do advogado e a sessão foi transformada num ataque cerrado ao estado e ao franquismo. No fim, saíram todos em liberdade com penas simbólicas.

Fundou e participou nas revistas Interrogations, Volontà, Antistato e A. Dedicou grande parte da sua vida a denunciar o assassinato de Pinelli pelo estado italiano e a provar que os atentados de 1969 tiveram origem na extrema-direita e nos serviços secretos. Foi um dos organizadores do célebre Encontro Anarquista Internacional realizado em Veneza em 1984. Fundador também do Centro de Estudos e Arquivo Pinelli em 1976 e em 1986 da editora Eleuthèra. Toda uma vida dedicada à acção e à divulgação do anarquismo.

Nos últimos anos, o pessimismo em relação ao futuro do anarquismo e da humanidade apoderara-se dele. Desistiu da escrita (“não tenho mais nada para dizer”), começou a sofrer da doença de Parkinson e, desgostoso, reduziu a a sua actividade à editora Eleuthèra.

Perdi um amigo muito querido e o Anarquismo perdeu um grande pensador e activista. Que a terra te seja leve, companheiro!

Mário Rui Pinto (aqui)

(CCL) Recordando José Correia Pires nos 40 anos da sua morte


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José Correia Pires (1907-1976) foi uma das figuras relevantes do movimento libertário durante grande parte do século XX. Algarvio, participou no 18 de Janeiro de 1934 e, depois de anos de prisão, exílio e clandestinidade, colaborou activamente na tentativa de reafirmação do anarquismo depois do 25 de Abril de 1974, participando nos diversos comícios e movimentações, sobretudo na Margem Sul, onde vivia. Fica aqui a homenagem do Centro de Cultura Libertária de Cacilhas (que ajudou a fundar) e também a transcrição de uma nota biográfica da autoria da historiadora Maria João Raminhos Duarte (link no final)

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(memória libertária) José António Machado (“Graça”), um dos obreiros d’ “A Batalha” clandestina


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José António Machado, tipógrafo e jornalista, militante anarco-sindicalista,  na manifestação do 1º de maio de 1974 (?), em Lisboa. (aqui)

José António Machado (1916-1978), de origem operária, depois tipógrafo e jornalista, foi um dos militantes libertários que permitiram a existência de “A Batalha” clandestina, bem como de outra propaganda anarquista e anarco-sindicalista durante os tempos da ditadura.

Natural do Barreiro, onde nasceu em 1916, José António Machado começou a trabalhar aos 16 anos na indústria corticeira, passando depois para aprendiz da escola da tipografia da Imprensa Nacional. Autodidacta, dedicou-se ao estudo e difusão do esperanto e dos ideais libertários. Fez parte do grupo anarquista do Barreiro “Terra e Liberdade”, que na altura publicava um jornal com o mesmo nome.

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Jaime Brasil, anarquista e primeiro secretário-geral do Sindicato dos Profissionais de Imprensa de Lisboa


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Num momento em que se prepara a realização de mais um Congresso dos Jornalistas Portugueses recordamos a figura do jornalista e escritor Jaime Brasil, anarquista, colaborador quer da imprensa libertária (no Suplemento Semanal de “A Batalha”, com Ferreira de Castro, Mário Domingues, Nogueira de Brito), quer da imprensa comercial, sobretudo no Primeiro de Janeiro (onde chefiou a delegação de Lisboa) e no Globo (que dirigiu). Muito activo, Jaime Brasil foi um dos fundadores e o primeiro secretário-geral do Sindicato dos Profissionais de Imprensa de Lisboa, um antecessor do actual Sindicato dos Jornalistas.

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Jaime Brasil (à esquerda), ao centro está Roberto Nobre e à direita, Ferreira de Castro.
A foto é de Maria do Céu Nobre, tirada em Versalhes, em 1949. Aqui.

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