50 anos do 25 de abril de 1974: uma visão anarquista


Foto: LUTA DAS OPERÁRIAS DA SOGANTAL (AGOSTO 1974) – EPHEMERA – Biblioteca e arquivo de José Pacheco Pereira

Todas as datas redondas conduzem-nos a um balanço entre as expectativas criadas e os resultados concretos. O 25 de abril de 1974 é um destes casos, objeto de balanços e análises sempre que passa mais um aniversário.

Do ponto de vista anarquista, o golpe militar de 25 de abril – transformado em revolução até ao 28 de setembro e, depois, em processo revolucionário cada vez mais condicionado pelos aparelhos políticos até ao golpe de direita de 25 de novembro de 1975 – resolveu duas questões importantes existentes na sociedade portuguesa: o fim da guerra colonial, devido à pressão dos militares que, nas colónias, pararam a guerra não querendo continuar a ser carne para canhão e dos jovens que se recusaram a embarcar, tornando impossível a continuidade da guerra de agressão contra os povos africanos da Guiné, Angola e Moçambique; e a liberdade de associação e de expressão que tomou conta das ruas e que levou às mais variadas formas de auto-organização das populações, com o fim da PIDE e da censura à imprensa.

Durante estes 50 anos, no entanto, muito ficou por fazer numa sociedade que continua dividida entre os que tudo têm e aqueles a quem tudo falta e onde os níveis de exploração de quem trabalha continuam em patamares muito elevados. Apesar das reformas de velhice, do SNS, do surgimento de diversos sistemas de apoio, o fosso entre ricos e pobres ainda é avassalador; a corrupção está entranhada nos principais sectores económicos, políticos e financeiros do país; as novas migrações e a destruição do meio ambiente, em plena época de alterações climáticas profundas, levantam questões novas e urgentes; a participação direta das populações na resolução dos seus problemas é cada vez mais substituída pela intermediação politica e partidária profissionalizada, com pouco ou nenhum contacto com a  realidade e servindo interesses particulares.

O sector cooperativo e de apoio-mútuo tem vindo a definhar com o aparecimento de grandes conglomerados económicos, visando apenas o lucro e utilizando práticas sistemáticas de destruição da concorrência, ao mesmo tempo que vastas áreas do território são deixadas ao abandono, com uma agricultura predadora, que conduz à desertificação humana e física do interior e a uma sobrelotação (e muitas vezes, em paralelo, também a uma gentrificação) do litoral, em que a atividade turística massificada destrói as relações de proximidade e vizinhança e o equilíbrio com a natureza.

Num mundo em que novas guerras surgem e antigas guerras ressurgem, o militarismo e o apelo a que se gaste mais com as forças armadas e militarizadas, quando se volta a falar do regresso do serviço militar obrigatório, são sinais de retrocesso no caminho da construção de um mundo mais solidário e mais empenhado na paz, em que as fronteiras não dividam, mas unam os povos. Do mesmo modo, a repressão policial sobre os mais indefesos, nomeadamente as minorias que vivem nos bairros periféricos das grandes cidades, o racismo e a intolerância para com a diferença são marcas deste tempo que se queria global e em que cada vez aparecem mais os sinais de múltiplos identitarismos, que atomizam e isolam em vez de unir .

Também a alienação, alimentada pelas redes sociais e por uma comunicação social ao serviço dos grandes interesses económicos e partidários, tem crescido, fazendo com que os valores do fascismo e da extrema-direita, consubstanciados no “Deus, Pátria, Família” de antanho, estejam a ressurgir, com o florescimento de inúmeras religiões e seitas que, a coberto da liberdade religiosa, se instalam por todo o lado, da grande cidade à mais pequena aldeia.

Para quem, como os anarquistas, sofreram as prisões do fascismo e o combateram durante dezenas de anos, o fim da PIDE e da censura, a possibilidade de auto-organização e de livre expressão são bens relevantes em si mesmos, mas não suficientes, quando em aberto está ainda a propriedade privada dos grandes meios de produção; a ausência de órgãos de democracia direta nos setores relevantes da organização social ou as inúmeras desigualdades (económicas, de género, sociais ou mesmo culturais) que ainda grassam na sociedade portuguesa.

É contra isto que continuamos o combate. Por um mundo solidário, de bem estar económico e de igualdade efetiva, sem exploração nem opressão. É um longo caminho. Mas cá continuaremos. Por mais 50. Ou 100 anos. Porque “o caminho faz-se caminhando”.

Coletivo Portal Anarquista

Abril de 2024

O Allgarve do desespero e do abandono


Anda por estes dias a “bolha” politica-mediática-comentarista a analisar e a “tentar compreender” a vitória do CHEGA no Algarve nas eleições de domingo. Como se fosse preciso muita “massa cinzenta” para tal análise, tão evidente ela é.

No Algarve, como noutras zonas do país, mas nesta especialmente, dada a sua reduzida dimensão física e às características socio-económicas derivadas de um turismo massificado, onde a única lei que impera é a do “vale tudo” para quem tem dinheiro e poder, salta a olhos vistos a ineficácia dos poderes locais e centrais face às necessidades da população, seja na saúde (um verdadeiro caos), seja na habitação (só vocacionada para o turismo e a preços exorbitantes), seja na escassez de bens de primeira necessidade como a água ou mesmo a limpeza das cidades, com o lixo a acumular-se em muitas alturas do ano.

Para quem aqui vive esta vitória do CHEGA, potencializando o voto de protesto, se não era esperada, era uma hipótese muito presente dada a situação de desespero a que o Algarve – apesar de ser uma das regiões que mais riqueza gera – chegou.

Os únicos investimentos existentes na região, como um todo, são os relacionados com o turismo e com a constante agressão ambiental a um litoral permanentemente devassado e destruído desde há décadas, mas onde os projectos turísticos continuam a crescer como cogumelos. As vias de comunicação e de ligação não têm tido qualquer melhoria significativa ao longo dos anos. A Via do Infante é paga a bom dinheiro, a 125 continua permanentemente bloqueada de trânsito e as estradas que ligam, pelo interior, os vários concelhos são pouco mais do que pistas esburacadas. A linha férrea continua a não ligar os principais centros urbanos entre si e toda a estrutura ferroviária remete para o século passado. O aeroporto está asfixiado junto ao mar, quase uma ilha, sem ligações por comboio ou de outro tipo. O modelo de agricultura desenvolvido assenta na monocultura da laranja, a que se seguiu, nos últimos anos, o abacate e os frutos vermelhos, consumindo a água cada vez mais escassa.

O modelo económico que sustenta quer o turismo, quer a agricultura, é o dos salários baixos, igualando ou pouco mais que o salário mínimo, atrativo apenas para uma massa enorme de imigrantes das mais variadas nacionalidades, desde indianos, paquistaneses, africanos de várias origens, brasileiros, que ocupam os centros decrépitos das cidades, acotovelando-se, às dezenas, em caves, sótãos, andares degradados, armazéns ou lojas, na maior parte dos casos sem o mínimo de condições – provocando, no entanto, uma reação negativa nuns casos, noutras de receio, junto da população autóctone, envelhecida, que vê o rosto das suas cidades mudarem de uma forma rápida e quase radical, criando insegurança e alteração de hábitos para quem aqui vive há muito.

Tudo isto, em paralelo, com uma classe politica, do PS e do PSD, irmanada nos jogos de poder e corrupção, em que praticamente nada os distingue: senhores em permanência do poder, seja autárquico ou regional, do turismo à administração do território, da universidade às empresas públicas, partilham a direção política e administrativa da região desde sempre, misturando política, negócios e famílias. Nalguns casos, o poder é uma simples coutada partidária ou familiar. Veja-se o caso de Jamila Madeira ou da permanência do PS, desde sempre, em Câmaras Municipais como a de Portimão, onde, apesar de escândalo sobre escândalo, os compadrios e as subserviências permitem que os seus protagonistas estejam sempre na “mó de cima”.

O voto no CHEGA (que nada vai mudar)  tem a ver com tudo isto. Na ausência de um movimento de base, que conseguisse canalizar todo este mal estar, o protesto nada tem de ideológico (ou apenas marginalmente)  e consubstanciou-se numa expressão – o voto no CHEGA – que, infelizmente, é tão desajustada como o voto noutro partido qualquer. Simplesmente inútil. Mas que mostra o estado de desespero a que a região do Algarve, e quem aqui habita, chegou.

C. Almeida

Faro, 12/03/2024

(enviado por email)

Paris: A Livraria Publico atacada pela extrema-direita


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Na sexta-feira, 1 de março, por volta das 18h30, uma pessoa atirou uma bomba de fumo para dentro da livraria Publico, em Paris, gritando uma frase incompreensível, fugindo depois de bicicleta. Felizmente ninguém ficou ferido e, embora a bomba de fumo se tenha espalhado por toda a livraria, não causou danos.

Um autocolante do pequeno grupo “Les Natifs”, um pequeno grupo parisiense que se formou após a dissolução da “Génération Identitaire” foi encontrado pouco depois colado na fachada, o que é claramente uma assinatura.

Mas não as coisas não ficaram por aqui. Nesta quarta-feira, 6 de março, por volta das 18h, enquanto um amigo virava as costas para a rua para fechar a porta da livraria, um objecto lançado a poucos metros dele partiu-se na calçada. Felizmente não foi atingido, mas faz-nos pensar que este incidente está ligado ao anterior.

Estes ataques reivindicados por este pequeno grupo identitário parisiense não nos devem enganar. Estes acontecimentos ocorrem num momento em que o discurso da extrema-direita em França é feito às claras e está mais do que presente no debate público. Canais de TV como Cnews, BFM, C8… divulgam discursos racistas, propaganda anti-social e reacionária todos os dias.

O RN (Rassemblement National), inimigo dos trabalhadores e das classes trabalhadoras, é completamente desdiabolizado para ser considerado um partido “normal” no espectro político. Recentemente, a desprezível lei da “imigração”, o projecto de reforma da lei fundiária, ou mesmo a proibição da abaya (vestido islâmico) na escola, ajudam a legitimar e a abrir caminho às correntes fascistas. E tudo isto é obviamente acompanhado por um reforço das desigualdades sociais.

A Federação Anarquista afirma a sua solidariedade com os camaradas agredidos na livraria Publico esta semana mas também reafirma a sua solidariedade com todas as pessoas que sofrem a violência da extrema direita e/ou as políticas racistas do Estado, em particular as pessoas racializadas e os migrantes

A Federação Anarquista reafirma o seu desejo e a sua ação de reforçar a luta antifascista, particularmente através dos seus grupos locais e da sua campanha federal antifascista!

Sempre que necessário, organizemo-nos para a autodefesa e para a luta colectiva contra as políticas reacionárias e identitárias!

Relações Externas da Federação Anarquista (Francófona),

9 de março de 2024.

aqui: https://www.monde-libertaire.fr/?articlen=7738&article=Communique_de_la_Federation_anarchiste

Revista A Ideia completa 50 anos: lançamento em Lisboa de número quádruplo sob o título genérico de “Clandestinos do Anarquismo”


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Foi ontem apresentada no Museu do Aljube, em Lisboa, a edição de 2023 d’A IDEIA comemorativa dos 50 anos de publicação da revista que se afirma como de “cultura libertária”.

A sessão contou, para além do seu actual director, António Cândido Franco, com dezenas de pessoas, entre elas Risoleta Pinto Pedro, que leu alguns textos, Ricardo António Alves (que falou sobre “Jaime Brasil e Ferreira de Castro”), e António Baião que fez a apresentação do livro “Jornal A Batalha 1974-2024. Esboço para uma Análise”, de João Freire, edições A Batalha – um jornal que este ano também assinala os 50 anos da VI série.

Na mesma altura foi também apresentado um número especial de “A Ideia 50 Anos, 1974-2024. Fac-simile do nº 1, cronologia, antologia, testemunhos e índices. 163pp, de João Freire, o fundador da revista.

As fotos são da autoria de Paulo Guimarães

2 de março: 50 anos do assassinato pelo estado espanhol de Salvador Puig Antich


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Charo Arroyo (1)

Ano após ano chega o dia 2 de março, e este ano de 2024 marca os 50 anos do assassinato, cometido pelo Estado, do militante do MIL, Salvador Puig Antich.

Salvador era um jovem oriundo de uma família da classe trabalhadora que sonhava com a liberdade e com o fim da ditadura franquista para alcançar uma sociedade melhor. O seu assassinato foi o reflexo do modo de agir de uma ditadura vingativa e violenta. Foi condenado à pena de morte num julgamento sem a menor possibilidade de se defender. Como vingança pelo ataque ao núcleo duro do regime de Franco, com o atentado a Carrero Blanco (2), Puig Antich pagou o preço. Foi um caso claro do que hoje se chama de “execução extrajudicial”, com uma grave violação dos direitos humanos.

O Movimento Ibérico de Libertação (MIL) realizou ações contra bancos para obter recursos para atividades de luta contra a ditadura e de apoio aos presos anarquistas.

No entanto, os membros da MIL não eram ladrões, mas sonhadores “românticos” que, como em muitas ocasiões nos grupos anti-franquistas, sofreram denúncias de infiltrados e informadores. E assim caiu Salvador, vendido por um informador, que no momento em que lhe deram ordem de prisão resistiu, tendo no tiroteio que se seguiu sido morto um policia, e Salvador ficado ferido por uma bala. O primeiro passo para a nulidade da defesa de Salvador foi ter sido julgado por um tribunal militar, conduzindo-o à terrível morte por garrote.

Podemos imaginar quais as garantias de defesa oferecidas pelo tribunal. A investigação foi nula e a sentença de Puig Antich foi decidida a partir do momento da morte do subinspetor Francisco Anguas. No julgamento, nem uma única prova foi permitida à defesa, como denunciou Magda Onarich (3). Jordi Panyella é da mesma opinião e isso é exposto no seu livro “Salvador Puig Antich, caso aberto” depois de analisar o processo e a obtenção de testemunhos, em que muitos permaneceram calados por medo. Na verdade, foi posta a nú a ocultação de documentos e de provas que poderiam levar à absolvição de Salvador.

Apesar das enormes tentativas da família para pedir a revisão do processo e assim demonstrar a ignomínia do seu assassinato, os apelos para revisão da sentença foram rejeitados mesmo com as novas provas obtidas após a investigação do jornalista Jordi Panyella. A sua irmã Merçona foi à Argentina para prestar depoimento na ação contra os crimes do regime de Franco apresentada no Tribunal nº 1 de Buenos Aires. Até a Câmara Municipal de Barcelona, ​​juntamente com as irmãs de Salvador, chegaram a apresentar queixa contra Carlos Rey González, atual advogado e ex-juiz do Conselho de Guerra que assinou a sentença de morte de Salvador Puig Antich e que, como todos os outros casos, terminou arquivado.

Já se passaram 50 anos do seu assassinato e muitos se unem à sua memória e homenagem, mas há 50 anos foram poucos os que se mobilizaram pedindo o perdão ou a comutação da pena de morte, como diz o historiador Gutmaro Gómez: “Ao PSUC, ao PCE, ao PSOE e a  todos aqueles que negociavam a saída da clandestinidade, não lhes interessava naquele momento parecerem estar ligados à estratégia insurrecional e violenta que Puig Antich e o MIL praticaram”.

Salvador Puig Antich foi um anarquista e também um sonhador. E sonhou com o perdão e a comutação da pena de morte até ao momento final. Mas era claro que o regime sanguinário queria enviar uma mensagem à luta antifranquista e, apesar do duro golpe recebido pelo assassinato do seguro continuador da ditadura Carrero Blanco), alguns meses antes, fez uma demostração de força e de pulso forte.

E hoje querem aproveitar a sua morte para trazerem para o seu campo aqueles que não querem tomar partido. No entanto, a única coisa que temos é o compromisso de Salvador com um grupo autónomo que rejeitava a submissão a uma hierarquia e cujo compromisso era publicar materiais que fossem úteis para educação revolucionária da classe trabalhadora. Já é cansativa e exasperante a dupla intenção de relacionar sempre o anarquismo com a violência, manipulação esta que acabou por levar Salvador Puig Antich a ser relacionado com o tiroteio.

A verdade é que um jovem inocente da morte do policia acabou executado de uma das formas mais cruéis que o Estado desenvolveu e os seus sonhos foram destruidos. Por tudo isto, o movimento libertário deve reivindicar a luta representada pela figura de Salvación Puig Antich porque encarna a rebelião contra a opressão e pela educação da classe trabalhadora com vista ao seu envolvimento na revolução.

Salvador, juntamente com Heinz Chez (4), foram os últimos executados por garrote no Estado espanhol. Tudo parece indicar que a  execução deste último foi atrasada pela decisão de executar sem remissão a sentença de morte do militante anarquista. Para que não se percebesse a crueldade do regime para com o combatente anarquista, foi decidida a execução simultânea de Heinz, preso na prisão de Tarragona, que não tinha apoio familiar ou social para a sua defesa. Assim, as suas vidas com rumos diferentes acabaram unidas nas primeiras páginas da imprensa da época como as últimas executadas sadicamente por um regime sangrento.

1 – https://redeslibertarias.com/2024/02/28/50-anos-del-asesinato-a-manos-del-estado-de-salvador-puig-antich/

2 – Presidente do Conselho de Ministros Espanhol, foi morto pela ETA num atentado em Madrid em dezembro de 1973. https://pt.wikipedia.org/wiki/Luis_Carrero_Blanco

3 – Advogada de Salvador Puig Antich. https://es.wikipedia.org/wiki/Magda_Oranich_Solagran

4 – Cidadão da RDA, preso em Espanha, e condenado à morte. Executado no mesmo dia de Puig Antich. https://pt.wikipedia.org/wiki/Heinz_Ches

Relacionado: https://www.publico.es/politica/salvador-puig-antich-alla-mito.html

Sobre Puig Antich no Portal Anarquista: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/?s=Puig+Antich

24 de fevereiro: solidariedade anarquista com o povo da Ucrânia nas ruas de Varsóvia, Vilnius, Berlim, Viena e Zurique


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No dia 24 de fevereiro, centenas de anarquistas em várias cidades europeias participaram em ações de solidariedade com o povo da Ucrânia no segundo aniversário do início da agressão russa em larga escala. O bloco anarquista participou em manifestações e comicios em Varsóvia, Vilnius, Berlim, Tbilisi, Viena e Zurique. Foi importante para nós expressarmos palavras de apoio ao povo da Ucrânia, cujo país tem sido atormentado pela agressão do Kremlin há dois anos, saudar a resiliência de todos aqueles que resistem a esta agressão com armas nas mãos, especialmente os nossos camaradas e companheiros.

Nos comícios, incluímos mensagens de áudio dos anarquistas que neste momento estão a conter os ocupantes nas frentes da Ucrânia, apelando às pessoas para não ficarem longe deste confronto e fazerem todos os esforços para a vitória da Ucrânia. Prestámos especial atenção à solidariedade internacional e ao poder da participação popular na ajuda ao povo ucraniano, ao desenvolvimento de estruturas auto-organizadas na Ucrânia como rebentos de uma nova sociedade baseada na igualdade e na assistência mútua.

Um exemplo do oposto de tal sociedade pode ser visto não apenas nas trevas do imperialismo russo, mas também no comportamento hipócrita e egoísta dos políticos ocidentais que, escondendo-se atrás da Ucrânia como escudo, tentam extrair o máximo lucro da situação. . Negociar com ambas as partes em conflito, comprar imóveis ucranianos por quase nada, criar espetáculos políticos – esta é uma lista incompleta de algumas manifestações da tal hipocrisia de que falámos. Outra manifestação está a empurrar a Ucrânia para uma trégua em condições desfavoráveis. Nos vários comícios em diferentes cidades, os anarquistas disseram com firmeza: “A existência de um mundo desigual é um prólogo para a guerra!” 

Devemos usar a força e a determinação da sociedade civil para resistir ao imperialismo não só na Ucrânia, mas em todo o mundo.

Até que todos estejam livres!

aqui (com fotos): https://pramen.io/ru/2024/02/anarhistskaya-solidarnost-s-narodom-ukrainy-na-ulitsah-evropejskih-gorodov/

Da remilitarização da Europa ao abandono da Faixa de Gaza


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O som das botas militares e dos apelos à guerra começam, de novo, a ouvir-se pela Europa, dois anos depois da invasão russa da Ucrânia e quase 80 anos depois de ter terminado a 2ª Guerra Mundial, que teve no território europeu um dos seus palcos principais

Nos últimos dias, Macron e a própria Ursula von der Leyen fizeram declarações nesse sentido: um, que as tropas de países europeus podem intervir na Ucrânia; outra que a Europa tem que estar preparada para uma guerra em solo europeu. Tudo isto a juntar à corrida armamentista e ao aumento dos orçamentos militares (em detrimento dos apoios sociais), preconizado pela NATO.

A onda de militarismo a que assistimos ganhou nova dinâmica depois da injustificada invasão da Ucrânia pela Rússia e da destruição levada a cabo naquele país pelas tropas invasoras – e com a necessidade de a conter por parte dos aliados ocidentais, sob risco de desagregação e ocupação da Ucrânia.

Ao mesmo tempo, aqui ao lado, do outro lado do mediterrâneo, a mesma Europa que se quer rearmar e remilitarizar deixa que um povo inteiro – os palestinianos da Faixa de Gaza – seja massacrado sem, praticamente, mexer uma palha. O Holocausto que há 80 anos devorou a Europa está agora a ser levado a cabo, em Gaza, sob o mesmo olhar colaborante da maior parte dos europeus.

Posição da secção da AIT na região da Rússia sobre os últimos protestos por Navalny


Nós, anarquistas e anarco-sindicalistas, consideramos completamente inaceitável termos qualquer participação em actos políticos organizados por apoiantes do populista de direita Navalny, tristemente “famoso” pelas suas atitudes e declarações abertamente nacionalistas, anti-imigrantes e anti-semitas. Desfilar nas manifestações que eles convocaram significaria – independentemente de quaisquer desculpas ou “explicações” – apoiarmos uma das fações políticos que travam uma luta suja e sem princípios pelo poder.

Nós, como anarquistas, acreditamos que tanto o actual regime autoritário no Kremlin, que se tornou o sucessor da camarilha neoliberal de Yeltsin, como o grupo opositor liderado por Navalny, que procura agora liderar de toda a massa de insatisfeitos, são apenas os porta-vozes dos interesses dos verdadeiros governantes do país – a Oligarquia dominante e o seu “Tacão de Ferro”. Apoiar qualquer um destes campos contradiz completamente as nossas convicções anarquistas e o nosso objectivo social revolucionário. A participação na luta pelo poder entre vários partidos, coligações e seitas, e a transferência do mais do que justificado descontentamento social das pessoas para o canal podre da politiquice apenas desvia a classe trabalhadora da luta pelos seus verdadeiros interesses, do despertar da sua consciência de classe e, em última instância, da sua libertação social e individual.

Nós, anarquistas, defendemos a libertação imediata e incondicional de todos os presos anarquistas, radicais de esquerda e sociais que definham hoje nas masmorras da oligarquia. Mas estamos convencidos de que tal objectivo deve ser alcançado por nós próprios, sem nos tornarmos seguidores voluntariamente ou involuntariamente, de alguns dos contendores, que não estando representados no actual poder político, defendem a continuação da mesma política anti-social e neoliberal no interesse do Capital. Não podemos lutar lado a lado com aqueles que não lutaram contra a privatização total e a destruição dos cuidados de saúde e da educação a preços acessíveis, que não se opuseram à reforma anti-humanitária das pensões, que no passado apoiaram a introdução de um sistema terrorista universal de vigilância e prisão domiciliar sob o pretexto de “combate à epidemia”. Não existe “mal menor” para nós, e não fazemos alianças com o inimigo – mesmo quando ele é inimigo do nosso inimigo.

Não à luta política – pela resistência social!

https://aitrus.info/node/5627

No rescaldo do Congresso dos Jornalistas


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Será que uma greve geral poderá mudar a mentalidade de “classe privilegiada” a que uma grande parte da classe jornalística ainda julga pertencer?

Com a aprovação de uma greve geral de jornalistas, em data a marcar, no final do 5º Congresso dos Jornalistas ficou mais clara, para a maioria dos profissionais de comunicação social, a precarização e a proletarização a que a classe chegou.

Para tal não é estranha a situação global do sector, com os salários em atraso e a desarticulação do grupo da Global Media, comprado em parte por um fundo estrangeiro de que pouco se sabe, ou as notícias que dão como certa a falência iminente do grupo Impresa, de Francisco Balsemão.

Sabe-se que o “negócio” da comunicação social se alterou, com uma queda drástica dos leitores de jornais, da quebra acentuada da publicidade em todos os órgãos de comunicação tradicionais e da, cada vez maior, existência de canais alternativos de informação, desde o cidadão-jornalista, que com o seu telemóvel pode divulgar o mais pequeno acontecimento no próprio instante em que ele se dá, aos canais informativos, alternativos ou críticos que não param de surgir, em contraponto com a chamada “grande comunicação social”, mainstream,  propriedade dos grandes grupos económicos ou do estado.

A informação é, cada vez menos, propriedade exclusiva dos grandes órgãos de comunicação social do sistema, fechados numa lógica em que os jornalistas são transformados em meros pés de microfone, escravos duma agenda criada para servir os interesses mediáticos e propagandísticos da classe política ou empresarial, fechados num “bolha” que esquece a generalidade dos cidadãos e o território como um todo.

Os grandes órgãos de comunicação social – e a crise que os afeta também se prende com isto – descredibilizaram-se com as doses maciças de propaganda com que nos inundam, sempre ao serviço do pensamento único, seja ele o da política, da economia ou do social – em que são sempre as mesmas vozes que se ouvem, as mesmas opiniões que se expressam, os mesmo comentários que se procuram, seja através de comentaristas profissionais, de jornalistas que não fazem outra coisa ou de políticos-convidados. Todos principescamente pagos.

As infinitas minorias, a luxuriante diversidade, os olhares múltiplos, que compõem o tecido social, há muito que se deixaram de se ouvir (ou nunca se ouviram) nestes grandes órgãos de comunicação social dominados e dirigidos por “jornalistas” que tão depressa estão no jornalismo, como na assessoria política ou económica, sempre à espreita da melhor ocasião para fazerem da profissão rampa de lançamento para novos voos.

Todos sabemos que não há informação neutra e que a objetividade em jornalismo pode ser uma meta, mas nunca é alcançável. Depende de inúmeros fatores, sendo um dos principais o posicionamento de classe, social, dos jornalistas, enquanto tal.

Se a precarização existente, os salários em atraso, a luta idêntica à de tantos trabalhadores nos mais variados sectores da sociedade, conduzirem a uma maior consciência de classe e obrigarem os jornalistas a saírem da “bolha” artificial em que muitos vivem, querendo-se confundir com a classe politica ou os sectores mais privilegiados da sociedade portuguesa, isso, só por si, será positivo e significará uma melhoria qualitativa da informação em geral e uma maior atenção aos problemas e à forma de encarar o papel da comunicação social – em grande parte geradora e rendida às narrativas da sociedade espetáculo de que é um dos principais pilares.

Não sendo crítico, o jornalismo transforma-se não em “quarto poder”, mas no “quarto do poder”. Sem exceções visíveis, é este o panorama em Portugal ao que à grande imprensa (jornais, tvs, rádios) diz respeito.

Pode ser que  a situação que se vive no sector e a preparação desta greve que se anuncia para breve altere a perspetiva de muitos jornalistas, fazendo-os sair da “bolha” ilusória em que muitos ainda imaginam viver, considerando-se “classe privilegiada”, e os leve a encarar, de uma vez por todas, a situação de miséria em que deixaram que as suas vidas se transformassem, confrontando os poderes e assumindo-se como um verdadeiro contrapoder, crítico e escrutinador dos abusos e dos atropelos à cidadania, das desigualdades que persistem e das violações quotidianas que os que têm poder exercem sobre os que não têm poder.

É esta a função primeira dos jornalistas: dar voz aos que não têm voz e denunciar os atropelos ao bem-estar e à solidariedade coletiva e, na história do jornalismo, não são poucos os que pagaram com o desemprego ou mesmo a prisão este compromisso social – de Ferreira de Castro, Jaime Brasil, Campos Lima, Mário Domingues, Cristiano Lima ou José António Machado (Graça), entre outros, até aos dias de hoje, sempre houve e haverá quem não se deixa vergar.

c. (por email)

Conclusões do 5º Congresso dos Jornalistas

Comunicado à imprensa internacional: Recordatória do movimento de greve geral revolucionária em 18 de Janeiro de 1934 contra o Estado Novo de Salazar


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18 de Janeiro de 1934 – momento decisivo da luta dos trabalhadores contra o Estado Novo

Há 90 anos atrás em Portugal, a ditadura dos militares estava a institucionalizar-se sobre a forma do Estado Novo, concebido por Salazar e ideólogos proto-fascistas. O operariado estava esgotado pela crise económica e o desemprego, e amordaçado pela censura, as prisões, as violências da polícia política e as deportações para o ultramar longínquo.

Em tais condições, a Confederação Geral do Trabalho (CGT, anarco-sindicalista, editora do diário A Batalha, 1919-1927), já na clandestinidade, tentou uma acção decisiva para salvar o sindicalismo livre através dos meios que lhe eram próprios: uma greve geral revolucionária, envolvendo trabalhadores de norte a sul do país. Apesar das dissensões
ideológicas prevalecentes, conseguiu-se um acordo mínimo envolvendo também a Comissão Inter-Sindical (de orientação comunista), a Federação dos Transportes (unitária), a Federação das Associações Operárias (socialista) e os Sindicatos Autónomos.

A insurreição falhou e a greve geral foi vencida. A repressão que se seguiu foi impiedosa e ajudou a consolidar um regime autoritário e fechado durante várias décadas. Mas vale a pena recordar os nomes de alguns dos envolvidos no núcleo central daquela organização: Mário Castelhano, José Francisco, Manuel Henriques Rijo, Acácio Tomás de Aquino, Custódio da Costa, Serafim Rodrigues; e, mais nas periferias, José Correia Pires, Pedro Matos Filipe, Manuel António Boto, António Gato Pinto, José Bernardo, Manuel Pessanha, José dos Reis Sequeira, Joaquim Pedro, Marcelino Mesquita, Arnaldo Simões Januário, José Caetano, Mário Ferreira e outros (E. Santana, O 18 de Janeiro de 1934 e alguns antecedentes, A Regra do Jogo, 1978) – quase todos eles deportados para o Campo de Concentração do Tarrafal (na ilha de Santiago, em Cabo Verde).

Neste ano de 2024 assinalamos os 50 anos do 25 de Abril de 1974 que tantas esperanças suscitou entre os portugueses e até no estrangeiro. Apesar de muitas decepções, entre os homens e mulheres livres, “cidadãos de pátria humana”, há sinais que persistem e que ligam o passado ao presente, apesar das enormes interrogações do futuro.

Dos anarquismos de então aos libertarismos de hoje, há proclamações que não se esquecem:
– “The emancipation of the working classes must be conquered by the working classes themselves” (1864)
– “L’Internationale sera le genre humain” (1871)
– “Pão e Liberdade” (1919)
– “Pensiero e Volontà” (1925)
– “Llevamos un mundo nuevo en nuestros corazones” (1936)
– “Il est inderdit d’interdire” (1968)
– “Fascismo nunca mais” (1974)
– “O Galo de Barcelos ao poder” (1975)

Subscrevem esta recordatória, a revista A Ideia e o jornal A Batalha.

Lisboa, Janeiro de 2024.

(Traduzido em castelhano, francês, italiano, inglês e alemão graças à simpatia de Jose António Rocamora, André Bandeira, Teresa Silva, Carla Ferreira de Castro e Miguel Cardoso)