memória libertária

As 8 horas de trabalho: a canalhice do PCP e o seu revisionismo histórico


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O movimento operário em Portugal começou por ser influenciado pelas ideias marxistas, logo a partir dos primeiros anos de 1870. Paul Lafargue, o genro de Marx, esteve em Portugal e o primitivo Partido Socialista português, assim como o movimento associativo da altura, teve uma forte influência das ideias marxistas.

No final do século XIX, no entanto, irrompem em Portugal, como alternativa ao reformismo e à politiquice socialistas, as ideias libertárias, onde predomina a influência de Kropotkin e de outros anarquistas. O movimento libertário nasce, em Portugal, no seio do operariado e rapidamente se criam jornais e estruturas associativas que lutam pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores, mas nunca esquecendo a transformação social que para todos é imperiosa e urgente.

A sua influência é determinante na fundação da União Operária Nacional, em 1914, e – mais ainda – na criação da Confederação Geral do Trabalho, em 1919, que agrupa a quase totalidade dos trabalhadores organizados, na altura, em Portugal.

A influência anarquista, anarco-sindicalista e sindicalista revolucionária na nova central sindical é quase total, embora os ecos da revolução russa – então ainda entendida como uma revolução dos sovietes e dos trabalhadores – já tivessem chegado a Portugal e ganhado adeptos no meio dos trabalhadores.

Essa influência, no entanto, sempre foi minoritária e, mesmo em 1934, quando o movimento sindical autónomo é ilegalizado e grande parte dos seus activistas presos e deportados, na sequência da greve insurreccional de 18 de janeiro, o peso do PCP (constituído em 1921) é muito pequeno.

A influência do PCP só cresce depois da segunda guerra mundial quando, decapitado o movimento anarquista e destruída a revolução espanhola, os comunistas ganham um novo ânimo e renovados apoios a partir da União Soviética – também uma das vencedoras da II Guerra -, que vê o seu império e o seu poder de influência alargarem-se substancialmente.

Mas isto só acontece a partir de finais dos anos 40/inicio dos anos 50, quando a militância anarquista fica reduzida ao mínimo, sem apoios e encurralada entre a propaganda fascista e a propaganda comunista.

Antes, a força do movimento operário era claramente inspirada no modelo libertário e é aos anarquistas em Portugal, como em Espanha, por exemplo, que se deve a instauração das 8 horas de trabalho na indústria e no comércio. Em Portugal, a partir de 1919, teoricamente, as 8 horas passam a vigorar nestes sectores. Mas foram precisas greves e provas de força para ganhar este objectivo.

Nos campos, essa conquista só se efectivou nos anos 60, quando já tinha começado a sangria da emigração. Nesta altura, a intervenção do PCP, foi relevante, num momento em que o movimento libertário estava já exangue de mais de duas décadas de repressão salazarista.

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Manuel Fiúza Júnior, um anarquista de Viana do Castelo, assassinado pela PIDE em 1957


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Placa toponímica da Rua Manuel Fiuza Junior, em Viana do Castelo, onde – como é regra quando se trata de anarquistas – é omitida a sua militância libertária.

Manuel Fiúza Júnior nasceu em 1887, na cidade de Viana do Castelo, onde editou, por alguns anos, o quinzenário anarquista A Voz dos Famintos. Apesar de modesto na colaboração e no aspecto, este jornal, que juntava o seu grito ao clamor dos que, em todo o mundo, reclamam mais um pouco de pão, de justiça e liberdade, exerceu uma profunda influência doutrinária entre a juventude da região minhota, alfobre, desde recuados tempos, de grandes rebeldes e revolucionários, que ilustraram com o seu nome e a sua acção fecunda as páginas da história do movimento operário, principalmente do anarco-sindicalismo.

Veio, no entanto, a quartelada do 28 de Maio de 1926 e com ela o fascismo que navegou nas suas águas, obrigando Manuel Fiúza Júnior aos subterrâneos da luta clandestina, para prosseguir a batalha que redime os homens de todas as vilezas e de todas as debilidades. Nesta cruzada foi encontrar a morte violenta, melhor dizendo, foi assassinado na sede da PIDE na Rua do Heroísmo, 329, no Porto, para onde fora conduzido sob prisão, contando então 70 anos de idade.

Viviam-se os anos de 1957, quando é preso e, 15 dias depois, morto, na sede da P.I.D.E, do Porto, Joaquim Lemos de Oliveira, natural de Fafe. Denunciando este crime, foram distribuídos milhares de manifestos e pela responsabilidade do seu aparecimento em Viana do Castelo é preso Manuel Fiúza Júnior. Conduzido pelos carrascos inspector Costa Pereira e chefes Pinto Soares e Patacho, colocado na tortura da “Estátua”, não resistiu ao suplício e morreu.

Foi mais um anarquista que deu a vida em holocausto ao ideal libertário.

Fonte: E. Rodrigues (1982). A oposição Libertária em Portugal. 1939-1974. Lisboa. Sementeira.

aqui: http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/projecto/index.php?option=com_jumi&fileid=13&p=creators&char=J&id=1458

também aqui: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2016/02/17/memoria-libertaria-manuel-fiuza-junior/

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PCP: o que fazer com esta palavra comunismo?


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“Liberdade sem socialismo é privilégio, injustiça; socialismo sem liberdade é escravidão e brutalidade.” 

Bakunin

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Historicamente, o PCP foi fundado exactamente há 97 anos, no dia 6 de Março de 1921, numa reunião em Lisboa, quatro anos depois, e sob o impacto ainda, da Revolução russa.

Dizem as notícias da época que a reunião terminou com vivas ao PCP e à CGT, a central sindical da altura, anarcosindicalista e hegemónica no meio dos trabalhadores em Portugal.

Ao contrário de outros países, os anarquistas não tiveram qualquer papel na criação do PCP, que foi obra de antigos marxistas e sindicalistas sem qualquer marca ideológica que, muito depressa, começaram a combater os anarquistas nos sindicatos e a criar um movimento sindical paralelo, à margem da CGT, sempre que podiam.

Após o golpe militar de 28 de Maio de 1926, e com a acentuada repressão sobre a CGT e o movimento operário de índole anarquista, o PCP vive um período relativamente calmo, só interrompido pela jornada de 18 de Janeiro de 1934 contra a fascização dos sindicatos. Por proposta da CGT e do movimento libertário, os comunistas e os socialistas decidem participar numa jornada de protesto contra a tentativa do governo fascista de controlar totalmente as estruturas sindicais, cujas direcções teriam que, a partir de então, ser aprovadas pelo poder político e sujeitas a estatutos uniformes elaborados pelo governo.

Esta ingerência era inadmissível para o movimento operário organizado na CGT, que decretou uma greve geral à margem do “status quo” salazarista. A greve mobilizou milhares de trabalhadores nos locais onde a CGT tinha uma forte influência: margem sul (Almada, Barreiro, Alentejo, Silves…), enquanto que nos locais onde o PCP era mais influente redundou em fogachos de poucas horas (Marinha Grande, por exemplo) ou até em acções meramente provocatórias – a explosão de uma bomba na véspera do início do movimento na Póvoa de Santa Iria, pondo a polícia de sobreaviso. (Fátima Patriarca: Sindicatos contra Salazar)

Anos depois, Bento Gonçalves (secretário-geral do PCP) diria que o movimento foi uma “anarqueirada”, eventualmente referindo-se às acções que os seus camaradas na altura levaram a cabo…

Presos às centenas os anarquistas, conhecidos por estarem na direcção dos sindicatos e por serem os elementos políticos mais activos e combativos, as suas organizações são desmanteladas e os seus líderes exilados (muitos irão, pouco depois, abrir o Campo de Concentração do Tarrafal).

Alguns comunistas são presos nesta ocasião, mas com uma actividade mais limitada e sem uma verdadeira inserção no movimento operário, algumas das suas estruturas são deixadas incólumes (nomeadamente as Juventudes) e, mais tarde, sob a ajuda directa da União Soviética, e dos seus apoios económicos, reconstruidas em termos de equipamentos e funcionários. (Milhazes: Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril)

Ao mesmo tempo que os sindicatos dirigidos pelos anarquistas eram fechados por não aceitarem a tutela governamental, diversos comunistas aceitavam participar nos sindicatos fascistas, assumindo um colaboracionismo que os anarquistas nunca aceitaram.

Com a União Soviética em plena época expansionista – em que a palavra de ordem era dar força aos partidos comunistas nacionais para servirem de retaguarda e de forças avançadas da “pátria do socialismo” – , com a derrota anarquista na revolução espanhola, com os seus militantes mais esclarecidos e determinados presos, o que aconteceu em Portugal (e também na generalidade dos países da Europa e do continente americano) era previsível: a pouco e pouco os anarquistas foram cedendo o espaço e o palco aos comunistas, num mundo bipolarizado entre a União Soviética e o “Ocidente”.

Apesar desta profunda separação ideológica, os que lutavam na trincheira de revolução social – anarquistas e comunistas – pouco se diferenciavam em termos sociais: operários, trabalhadores agrícolas, povo explorado a lutar por melhores condições de vida e por uma sociedade mais justa, sem explorados nem exploradores, sem opressores nem oprimidos. Muitos, de um e de outro lado, sofreram na prisão, outros com a morte, o desejo de um mundo novo.

Os que os diferenciava e diferencia é a postura ideológica, os princípios que estão na base da construção dos ideais com que cada um conforma a sua visão da realidade. E que teve claras consequência práticas, como a história hoje nos demonstra.

O pensamento marxista-leninista, ainda hoje reivindicado pelo PCP, assenta numa visão autoritária da sociedade, hierárquica e modelada por um estado-maior que tudo dirige e controla. Aspira a conquistar o poder e , a partir do Estado, “mudar” a sociedade. Em seu nome cometeram-se os maiores crimes da humanidade no século XX, só comparáveis com os crimes do nazi-fascismo.

Ditaduras imensas, para os povos que as sofreram, de Stalin a Pol Pot, dos ditadores africanos à Coreia do Norte há muito para escolher, mas com um mesmo denominador: regimes sanguinários que fizeram com que palavras como socialismo ou comunismo, antes sinónimos de igualdade e liberdade, sejam hoje sinónimos de barbárie e despotismo.

O marxismo, como antes já Bakunin sublinhara, ao fazer tábua rasa da liberdade e da autonomia individual e colectiva, serviu de alimento teórico às ditaduras que, em nome do proletariado e do povo, no último século destruíram por completo o legado socialista e revolucionário dos precursores do movimento operário, que propugnava um mundo novo, igualitário e fraterno,  para o género humano

O PCP é cúmplice destes crimes contra a humanidade. Não por ter exercido o poder (se o tivesse exercido teria sido, teoria oblige!, tão miserável como aqueles de cuja história se reivindica e que usaram e abusaram do poder – URSS, democracias de leste, etc.), mas por ter sido cúmplice de muitas décadas de espezinhamento dos direitos mais elementares em várias partes do mundo e se ter aproveitado do apoio económico e logístico desses regimes em troca do seu silêncio e aplauso. (Milhazes: Cunhal, Brejnev e o 25 de Abril )

Hoje, 100 anos depois da revolução russa, palavras como socialismo ou comunismo, que mobilizaram, exaltaram, deram esperança e alento a milhões de trabalhadores, de pobres e de excluídos por todo o mundo, transformaram-se em sinónimo de opressão, morte e exploração. O autoritarismo marxista, que está na base das propostas políticas do PCP, a isso conduziu. Como conduziu, mais abruptamente, o leninismo. O stalinismo e os outros regimes despóticos saídos do socialismo real foram apenas a consequência lógica de uma ideologia que refuta a liberdade e a autonomia individuais e colectivas, dando primazia a um grupo de “escolhidos” ou eleitos (sabe-se lá por que deuses) para gerirem a sociedade no seu todo.

Pela data que hoje se assinala, o PCP está de parabéns. Mas, apesar de ter tido um papel importante na luta contra o fascismo em Portugal, nada o diferencia dos regimes que sempre apoiou – e que representam regimes bárbaros, autocráticos e violadores dos valores mais elementares de liberdade e igualdade que, no século XX, só tiveram paralelo com os regimes fascistas e totalitários da extrema-direita.

São a cara e a coroa da mesma moeda.

Merecerá que alguém lhe dê os parabéns?

A.Nunes (recebido por email)

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(memória libertária) História do Anarquismo em Timor-Leste


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(aqui)

Timor, a colónia mais distante de Portugal, serviu como um lugar de deportação para prisioneiros desde o início do século XVIII. A partir do final do século XIX, os presos políticos também foram enviados para a ilha.

Por Vadim Damier e Kirill Limanov

Entre 1892 – 1896, os anarquistas portugueses realizaram uma série de atentados. Em 1892, colocaram uma bomba no consulado espanhol em Lisboa em protesto contra as prisões de companheiros anarquistas em Jerez (Andaluzia, Espanha). Mais tarde, uma bomba explodiu na casa do Conde de Folgosa, quando este dava uma recepção em homenagem ao casal real. Em 1893, teve lugar um atentado para assassinar o rei e em 26 de janeiro de 1896, um trabalhador esfomeado atingiu com uma pedra a carruagem real (1). Uma bomba foi colocada na casa do ministro, Dr. Joyce.

Em resposta às acções dos anarquistas e de outros sectores, as autoridades aprovaram em 1892 uma lei segundo a qual os acusados desses actos poderiam ser deportados para os territórios portugueses no exterior depois de cumprirem a pena(2). A 13 de fevereiro de 1896, o governo português aprovou uma nova lei que permitia a prisão com posterior deportação para uma colónia penal por um período de até três anos, com a possibilidade de a alargar àqueles que “por declarações e palavras, expressas em público, pela escrita, de qualquer forma, ou com a ajuda de outros meios de publicação, protejam, aprovem, recomendam ou provoquem actos subversivos contra a ordem pública, mesmo que esses actos não tenham efeito, e que ameacem a segurança de pessoas ou da propriedade, bem como professem a doutrina do anarquismo, levando à concretização de tais actos “. Como salienta o advogado português José António Barreiros, qualquer acto de oposição poderia ser colocado na categoria de crime (3).

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(memória libertária) Jornal anarquista madeirense de 1902 evoca os ‘mártires de Chicago”


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aqui: http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/arquivo/?p=digitallibrary/digitalcontent&id=1407

“Irá chegar a altura em que o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês enforcam hoje” – Adolph Fischer

15 anos depois dos “mártires de Chicago” terem sido executados, sob a acusação falaciosa de terem sido os autores materiais de um atentado à bomba alguns meses antes, o jornal madeirense anarquista “A Ideia” dedicava a primeira página do seu nº 1 inteiramente a este caso. O assassinato dos anarquistas de Chicago teve um grande impacto em todo o mundo e em Portugal, onde o movimento anarquista, que estava a nascer, se solidarizou desde logo com os seus companheiros dos Estados Unidos que lutavam pelas 8 horas de trabalho.

Aliás, seria o movimento anarquista e a CGT anarco-sindicalista que em Portugal, anos mais tarde, conseguiriam as 8 horas de trabalho diárias na maior parte dos sectores profissionais (à excepção do trabalho nos campos e no trabalho doméstico).

Uma luta – hoje pelas 30 horas semanais – que urge retomar!

(memória libertária) Honra aos mártires de Chicago


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FRAN FERNÁNDEZ

(…) Em Abril de 1886 as greves começaram a propagar-se a diversas cidades dos Estados Unidos, assim como os primeiros conflitos com o patronato, tais como Lock-outs (fechos patronais), utilização de fura-greves nos locais de greve (nos Estados Unidos conhecidos como scabs) ou confrontos entre o proletariado em luta e grupos armados (a agência Pinkerton destacou-se neste tipo de operações). A tensão social nalgumas zonas dos Estados Unidos era muito grande e no 1º de Maio a greve geral (pelas 8 horas de trabalho) em cidades como Chicago foi efectiva.

Chicago albergava uma comunidade anarquista bastante ampla e muitos eram operários e operárias migrantes de diversas zonas da Alemanha. Nesta cidade o anarquismo era o movimento socialista mais numeroso e importante e deram a esta luta a favor das 8 horas um significado de confronto directo contra as classes dominantes.

Tal como noutras cidades como Nova Iorque, Baltimore, Pittsburg, Washington, São Luís ou Boston, em Chicago alcançou-se a jornada de 8 horas em vários ramos profissionais como os carpinteiros, os embaladores, os tipógrafos ou os mecânicos, assim como uma redução da jornada a 10 horas com aumento de salário para os trabalhadores do sector da carne, padeiros e cervejeiros. De facto, mesmo antes do 1º de Maio e durante esse mês, centenas de milhares de trabalhadores conseguiram a redução da jornada laboral sem perda de salário. No entanto, nem em todos os sítios se celebrou a vitória. Em Milwauke, no contexto da greve, deram-se os acontecimentos da Bay View Massacre a 5 de Maio, onde sete grevistas foram assassinados a tiro. No caso de Chicago, os acontecimentos anunciaram o dramatismo dos incidentes de Milwauke, visto que uns milhares de trabalhadores foram reprimidos quando se dirigiam para a fábrica McCormick, a qual usava fura-greves como mão-de-obra para evitar a paralisação. Face a esta situação os agentes da Agência Pinkerton e as forças policiais dispersaram à força de balas a multidão encolerizada, provocando 6 mortos e várias dezenas de feridos.

Se tivermos em conta que em Chicago a luta e o antagonismo de classe eram muito marcados, com as elites dirigentes reaccionárias e agressivas frente às reivindicações sociais e, no outro extremo, um potente movimento socialista de carácter anárquico, com meios de propaganda estáveis e potentes, como as publicações Arbeiter-Zeitung, dirigida pelo anarquista August Spies e escrita em alemão, ou The Alarm, escrita em inglês sob a direcção de Albert Parsons, assim como a existência de várias organizações, grupos e indivíduos activos que fortaleciam a luta a favor da emancipação social, tais como as personalidades antes mencionadas ou William Holmes, Lucy E.Parsons, Sara E. Ames, William Patterson, James D. Taylor e muitas mais, podemos entender a magnitude dos factos nesta cidade: a luta de classes era uma realidade palpável no ambiente.

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A bomba de Haymarket de 4 de maio de 1886

Depois da tragédia da fábrica McCormick sectores anarquistas e operários convocaram um comício na Praça Haymarket, num contexto de forte ira e raiva pelo que tinha acontecido apenas umas horas antes. De facto, uma primeira versão do cartaz que convocava esse acto apelava a que os operários deviam ir armados e preparados para o que fosse preciso ((“Workingmen Arm Yourselves and Appear in Full Force!”), ainda que na versão final, ao que parece, foi psoto de lado essa expressão face à recusa de Spies em participar no comício se esse apelo existisse. Na verdade, o comício reuniu vários milhares de pessoas, muitas delas acompanhados dos filhos, dado o cariz pacífico que tomou.

Sob uma chuva leve e já ao entardecer teve início o comício com o discurso de August Spies, seguido depois pelos de Albert Parsons e Samuel Fields. Quando o encontro estava prestes a finalizar e sem que nada parecesse que perturbava  o ambiente, fortemente vigiado por forças policiais e agentes da Pinkerton, os corpos repressivos decidiram atacar a concentração, dispersando violentamente as pessoas reunidas na praça. Nesse preciso momento o estrondo de uma bomba lançada contra a polícia ensurdeceu o local.

O polícia Mathias J. Degan morreu em resultado desse acidente laboral, enquanto outros ficaram feridos, ainda que, mais uma vez, o pior ficou para os trabalhadores já que, depois da explosão, das correrias desesperadas e dos disparos policiais, houve mais mortos e uma quantidade indeterminada de feridos. Ainda se desconhece quem foi o autor material do atentado, facto que faz com que qualquer explicação ou hipótese possa ser possível.

A repressão policial posterior foi intensa e foram detidos vários anarquistas, os quais seriam vítimas de um processo judicial que terminou com a execução de vários deles e a prisão de outros. Os detidos que foram julgados foram Albert Parsons, Oscar Neebe, August Spies, Adolf Fischer, Louis Lingg, Michael Schwab, Samuel Fielden e George Engel. Excepto Fielden, Neebe e Schwab, que tiveram penas de prisão, os outros foram condenados à morte pela forca, o que aconteceu a 11 de Novembro de 1887. Louis Ling suicidou-se umas horas antes na sua própria cela, depois de acender um pequeno explosivo (talvez num cigarro) que lhe queimou a cara e o fez agonizar durante algumas horas. Tudo isto aconteceu depois de um julgamento de palhaçada no qual se julgaram mais as ideias do que os possíveis autores materiais do que aconteceu na praça Haymarket a 4 de Maio de 1886.

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A inocência ou culpabilidade pela explosão do dia 4 de Maio foi apenas uma desculpa para abrir um processo contra o anarquismo e os seus elementos mais radicais, conhecidos como Reds. A imprensa burguesa de todo os Estados Unidos, assim como as elites de Chicago e de outras cidades importantes iniciaram uma campanha contra o anarquismo que se revestiu, sem dúvida, de traços xenófobos, uma vez que parte importante dos operários radicalizados eram migrantes e essa campanha tentava, precisamente, separar o “bom trabalhador” nascido na América do migrante europeu radicalizado e anarquista.

O legado por detrás das execuções de 11 de Novembro de 1887

 “O processo aos anarquistas de Chicago foi uma autêntica infâmia e mostrou ao mundo inteiro que na república liberal mais prestigiada do mundo se perseguia e exterminava os trabalhadores socialistas do mesmo modo que em Espanha, Itália, França ou Alemanha. Cabe acrescentar que não só se executaram estes activistas, como também se fecharam centros operários e se praticaram todo o tipo de detenções e maltratos. A vergonha e a arbitrariedade do processo iniciado a 21 de Junho de 1886 no tribunal de Cook County foi tal que, em 1893, o próprio governador John P. Altgeld concedeu a liberdade aos presos, por reconhecer a falsidade do processo. (ALTGED, John P. Reasons for Pardoning Fielden, Neebe & Schwab, the Haymarket Anarchists, 1886, n.c., The Anarchist Library, 2012).

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Caricatura contra John P. Altgeld por rever o caso dos Mártires de Chicago.  O “perdão” (lê-se na faca) soltaria os “cães raivosos” e um deles, já solto, é o do Socialismo que está prestes a atacar uam mulher que, pelas suas roupas, representaria a típica dona de casa protestante e de ascendência anglo-saxónica. Ao fundo, a reprodução do monumentos aos polícias mortos e feridos pela bomba de 4 de Maio de 1886.

Contudo, se analisarmos quem eram os membros do júri é fácil compreender o resultado final da sentença a que chegou: todos eram americanos de nascimento, brancos anglo-saxões, protestantes e racistas e, incluso, dizia-se que um era familiar de um polícia afectado pelos acontecimentos de 4 de Maio. Era, realmente, um júri muito pouco imparcial. A desgraça, por outro lado, acompanhou Michael Schwab depois de ter sido posto em liberdade, já que morreu poucos anos depois de ter sido libertado, em 1898, devido a uma doença respiratória contraída durante o seu cativeiro.

Depois da sua morte, os mártires alcançaram grande projecção internacional, formando parte do imaginário político operário, e transformando-se num referencial para uma multidão de explorados do mundo ocidental.

No Congresso da II Internacional de 1889 foi decidido relançar a jornada de luta do 1º de Maio, sendo especialmente activos os primeiros de maio de 1890 e 1891, ainda que as diferenças de opinião entre anarquistas e marxistas provocassem a divisão no movimento operário internacional, quebrando o seu espírito combativo, reivindicativo e unitário da jornada que em Maio de 1886 agitou os Estados Unidos.

O marxismo, face a um anarquismo que em quase todos os estados ocidentais tinha a vantagem numérica, preferiu, em geral, adoptar um perfil baixo nestas jornadas, com manifestações e comícios pacíficos, ao contrário do anarquismo, que considerava estas jornadas como um pretexto, não só para conseguir as 8 horas de trabalho, mas também para aumentar a tensão social, com a perspectiva posta numa possível insurreição. Estas divisões e o peso internacional da repressão provocaram que já em 1893 ou 1894 o 1º de Maio, como tal, fosse particamente um pouco esquecido e não voltou a florescer com forte durante bastantes anos.

Em qualquer caso, o 11 de Novembro foi uma data muito recordada nos ambientes operários até aos primeiros anos do século XX, e ainda que praticamente relegada ao esquecimento nos nossos tempos, atrás da celebração do 1º de Maio, que ainda se mantém nos nossos dias, está a marca destes operários que foram executados pelas suas ideias e pelo seu activismo social, e não por serem os autores da bomba lançada a 4 de Maio em Chicago.

As imagens são todas da Haymarket Affair Digital Collection.

daqui: https://serhistorico.net/2016/11/04/11-de-noviembre-de-1887-ejecucion-de-los-martires-de-chicago/

(memória libertária) Francisco António Ximenes, alentejano de Via Glória – Mértola


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Francisco António Ximenes, trabalhador rural, anarquista, membro do grupo anarquista “Via Anárquica”, de S. Bartolomeu de Via Glória – Mértola, aqui evocado pela antropóloga Paula Godinho:

“Pertenceu a uma geração em que o anarquismo cativava, nos campos do sul. O meu pai falava dele, como de Gonçalves Correia, com admiração, e o meu avô foi amigo de ambos. A PIDE perseguiu-o toda a vida, pois sabia-o capaz de levantar os ceifeiros e outros trabalhadores por melhor salário e redução de horário. Crimes terríveis, claro. Mas do que mais gostava o tio Ximenes era de falar de vegetarianismo, de milenarismos niveladores e de soltar pássaros que viviam em gaiolas. Perigosos, estes alentejanos.” (Paula Godinho)

(memória libertária) “O Rebelde”, uma publicação anarquista de Julho de 1975


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Ler o número completo

“O Rebelde” apenas publicou um número em Julho de 1975, em pleno Verão Quente. Editado por um pequeno grupo de jovens, que se reuniam na sede do “Movimento Libertário Português ” e de “A Batalha”, na Rua Angelina Vidal, a publicação ainda tinha evidentes traços do chamado comunismo de base ou conselhista na sua concepção ideológica. Eram tempos de confusão, em que a tradição anarquista estava a ser recuperada, mas em que ainda predominavam muitos tiques marxistas e guerrilheiristas.

(memória libertária) A Agitação Sindicalista e Anarquista no Início da República: Outubro de 1910 – Janeiro de 1912


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Um texto importante de João Freire sobre os primeiros meses após a implantação da República. Para ler e fazer download.

Fonte:http://mosca-servidor.xdi.uevora.pt/arquivo/index.php?p=digitallibrary/digitalcontent&id=1608

(San Sebastian de los Reyes, 1977) O renascer da CNT


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Acabam de se completar 40 anos do enorme comício da CNT que teve lugar no dia 27 de Março de 1977 na praça de touros de San Sebastian de los Reyes, o primeiro depois das longas trevas franquistas.
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Nas palavras do então Secretário-Geral da CNT: “Ao meio dia a arena e as bancadas já estavam abarrotadas, oferecendo um espectáculo impressionante que os documentos fotográficos fazem chegar à posteridade. Juntaram-se umas 30 mil pessoas para ouvir a voz da CNT. O cenário era indescritível: centenas de bandeiras, os hinos da Organização, um grande clamor, as primeiras palavras de ordem que depois ouviríamos em milhões de reuniões e manifestações…” (Juan Gómez Casas. Relanzamiento de la CNT: 1975-1979)