Month: Setembro 2013

Contra as queimas das fitas, praxes & outras geringonças mentais


praxe

QUEIMAS DAS FITAS, PRAXES

& OUTRAS GERINGONÇAS MENTAIS

Da miséria no meio estudantil

(continuação sem fim à vista)

«Quem nos deu asas para andar de rastos?»

− continua Florbela Espanca a perguntar no seu programático poema «Não ser»

Em chegando o mês de Abril, repetem-se por todo o país, no perímetro das escolas universitárias e dos institutos politécnicos, em seu redor e em vários pontos da paisagem urbana, cenas cuja visualização constitui excelente material para apreender ao vivo aspectos da mentalidade portuguesa radicalmente criticada por Antero de Quental no seu imorredouro manifesto de 1871, Causas da Decadência dos Povos Peninsulares.

Em Portugal, o movimento estudantil, no contexto da luta contra a guerra colonial em África, aboliu em Coimbra, na crise académica de 1969, a Queima das Fitas e respectivos anexos, afirmando que os tempos já não estavam para palhaçadas. Mas em 1980, derrotada a revolução social subsequente ao 25 de Abril de 1974 e vindo de novo ao de cima a velha sociedade, os tempos para palhaçadas regressaram, como se impunha, e as praxes académicas mai-la Queima das Fitas foram reimplantadas − alastrando desta vez a todo o país o legado provinciano de Coimbra e a célebre palermice que Almada-Negreiros ali detectou.

Impantes, os alunos de todas as universidades e institutos fizeram questão de cozinhar uma «tradição académica» local, com as respectivas variações de pormenor nos trajos pretos herdados do clericalismo de má sina, a capa e batina do ensino sô prior.

Semelhante iniciativa foi expressão, por um lado, da massificação do ensino terciário (após o primário e o secundário) exigida por um capitalismo que tinha absolutamente de modernizar-se para se expandir, e, por outro lado, do atrasado e manco desejo estudantil de aceder à imagem e possíveis privilégios da dótorice à portuguesa, inscrita na hierarquização papuda que pretende criar diferenças de estatuto (nesta bazófia tipicamente portuga) entre estudantes e não estudantes. Com efeito, sendo Portugal encarado como uma eterna nação de analfabrutos, tinha dialecticamente de continuar a ser um país de dótores − ou seja, de prolongar no presente o passado dessa apetecida parolice.

As «praxes» tornaram-se assim, nas diversas «academias», objecto duma vasta e desenvolvida infantilização de jovens adultos, revelando, do mesmo passo, o notável grau de submissão a que podem ser levados indivíduos aparentemente em posse das suas faculdades mentais e na «flor da idade», desde que a cenoura da ostentação com que lhes acenem se apresente lustrosa. As desbundas «académicas», engenhosamente rascas, podiam deste jeito obrigá-los a provar toda a espécie de trampas, a fazer simulações de cenas sexuais à boa moda dum machismo eternizado, a desempenhar papéis de heróicos néscios, a obedecer, em suma, às ordens proferidas no altar duns pobres rituais destinados a indigentes, para gáudio da inteligência ruminante de «veteranos» e «veteranas» devidamente arreados e intumescidos, apoiados nas respectivas coortes de serviçais.

A documentação psicológica assim obtida terá sem dúvida sido útil a um patronato que estava justamente, também ele, a querer modernizar-se, com vista à obtenção de uma mão-de-obra dócil, mal paga e adaptável às curvas sinuosas do «crescimento económico». De facto, se tantos jovens modernizados eram capazes de baixar a espinha a torturas, embora neoparvas, impostas por colegas mais velhos, isso era um sinal, bastante positivo, de que seriam moldáveis a um outro tipo de cangas, mais elaboradas e já decorrentes da ciência económica, estabelecidas como coisas banais e imperativas: estágios laborais sem receber um chavo e de sorriso nas ventas, baixos salários, recibos verdes, precariedade, flexibilidade, adaptabilidade, e o mais que à dita ciência convenha em prol da sacrossanta «produtividade».

No tocante a estas sôpriores geringonças mentais, um outro aspecto a exaltar é o folclórico. Com efeito, ao reinstalarem nos costumes escolares as grãs tradições da Queima e da Praxe, estes estudantes tornaram-se, ipso facto, os últimos lídimos representantes do mais autêntico folclore português: o dótoral. Sem eles, ter-se-ia perdido para sempre um património inestimável, arrotante, aparelhadamente rançoso, devidamente grotesco e bafiento − em suma: sô prior.

De resto, as localidades onde tão elevatórios fenómenos acontecem, para satisfação das forças vivas que ali medram, tornam-se, por altura da Semana da Queima (já com marca registada e empresa privatizada), verdadeiros arraiais de gesticulações, com multidões vestidas de preto, eles de calça ou calção, elas de saia ou saiote, envergando óculos escuros que em todos acentuam o ar modmoderno e sô prior, ingurgitando a toque de caixa hectolitros de cerveja a martelo, entoando gritos de vitória em honra e louvor das Santíssimas Novas Tecnologias (avé, avé, ó miraculosas!), vomitando e mijando nas mais diversas superfícies disponíveis, e até, benza-os Deus, indo à missa (solene, para a «benzedura das pastas»), e ósdespois a outras missas, campais e frenéticas, crentes extasiados ante as sonoras vedetas que ali vêm de encomenda − as quais, com a sua estridência electrónica, têm a sublime tarefa de entoar hinos promissores ao futuro futuro da nova geração.

Comité para o Saneamento Mental

Praxe - Cartoon Henrique Monteiro

ABSTENÇÃO ACTIVA! DEMOCRACIA DIRECTA! ASSEMBLEIAS POPULARES!


bandeira

A maioria da população é alvo de todas as “medidas de austeridade” de “troikas”, governos e políticos profissionais, de cortes nos “apoios sociais”, nas pensões, do aumento da pobreza, da redução do poder de compra, de despedimentos, de desemprego, de falta de possibilidades de vida neste país, governantes e candidatos a governantes, grandes e pequenos, realizam agora o grande circo das “eleições autárquicas”, tentando-nos convencer que se os “elegermos” irão fazer agora, o que não fizeram até aqui.
As “eleições autárquicas” não são diferentes das legislativas, vota-se em pessoas conhecidas e nos partidos, e o povo não pode controlar mais facilmente o chamado “poder local”
Os “ilustres candidatos” são já sobejamente conhecidos pelas suas ligações partidárias e tentativas anteriores de chegarem aos tachos do Poder.
O chamado “poder local” é apenas uma cópia mais pequena, local e regional, do Poder do Estado central e do seu autoritarismo.
As ASSEMBLEIAS MUNICIPAIS e as ASSEMBLEIAS DE FREGUESIA continuam a ser uma farsa, onde só os eleitos pelos vários partidos tomam decisões e onde quem do povo quiser ter o direito à palavra tem de esperar horas e horas, sem qualquer certeza que o seu protesto é atendido.
Em nome da “disciplina partidária de voto”, toda e qualquer promessa feita aos “eleitores”, nomeadamente aos mais carenciados socialmente, será depois como sempre metida na gaveta.
O POVO DE UM MUNICÍPIO ou de uma FREGUESIA, através das “eleições autárquicas”, não tem de facto outro “poder” além do de PODER ESCOLHER QUEM LHE VAI PÔR A PATA EM CIMA e VIVER À SUA CUSTA uns anitos… até se encher!
Não, estas eleições não nos vão trazer nada de novo …para além da mudança de algumas caras (de algumas MOSCAS!)
E também não foi para assistirmos hoje a este cenário do “volta atrás”, de perda de direitos legais, de empobrecimento e de aumento da miséria, que o 25 de Abril foi feito em 1974! ISTO já nem é “DEMOCRACIA”. É DITADURA REPRESENTOCRATA!

QUAL A ALTERNATIVA ENTÃO?
A alternativa a estes “circos”, onde cada figurão de cada partido tenta caçar os votos que lhes dêem o poder de decidir por nós todos as nossas vidas, não é o REPRESENTATIVISMO de nenhum partido ou grupo, por muito “revolucionário” que se pretenda! O REPRESENTATIVISMO é apenas o poder de alguns sobre o povo e NÃO O PODER POPULAR, a capacidade de o povo mudar o que está mal e o oprime!
A alternativa ao actual reforço do autoritarismo do Estado, da exploração capitalista e da opressão, só poderá ser a auto-organização popular, as ASSEMBLEIAS POPULARES locais, funcionando em DEMOCRACIA DIRECTA, sem a manipulação dos chefes partidários e profissionais da política, onde o povo possa DISCUTIR e TOMAR MEDIDAS de ACÇÃO DIRECTA POPULAR, capazes de travar as actuais medidas antipopulares de troikas, governos e candidatos a governantes…

GREVE AO VOTO! VOTAR NADA MUDA! LUTAR É QUE TALVEZ!
No dia das “eleições” CONCENTRAÇÕES DE PROTESTO E BANDEIRAS DA FOME NAS RUAS!
BASTA DE ENGANOS! BASTA DE TACHISTAS! BASTA DE GATUNOS LEGAIS!
ABSTENÇÃO POPULAR ACTIVA! BOICOTE ELEITORAL! PODER POPULAR E REVOLUÇÃO SOCIAL!
Por UMA SOCIEDADE VERDADEIRAMENTE LIVRE, LIBERTÁRIA, de AUTO-GESTÃO GENERALIZADA!

Intervenção Libertária do Porto

aqui: https://www.facebook.com/events/165471753654509/

cartaz abstenção

Antifascista e cantor rap grego assassinado pelos nazis do Amanhecer Dourado


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Um conhecido antifascista grego, de 34 anos, foi morto pouco depois da meia noite de hoje, em Atenas, após ter sido atacado por um grupo de neonazis, membros do partido Golden Dawn (Amanhecer Dourado). O assassino foi preso e confessou que é militante daquele partido neonazi.

De acordo com as primeiras informações, um grupo de 20-25 fascistas atacaram Fyssas Pavlos e os amigos, 5 ou 6 homens e mulheres, um pouco depois da meia-noite, quarta-feira, 18 de setembro. Pavlos foi atacado por um homem de 45 anos de idade, que o esfaqueou duas vezes. Foi transferido para um hospital próximo, onde sua morte foi verificada pelos médicos.

O agressor foi preso pela polícia (que – segundo alguns  – estaria perto do local da agressão, mas não interveio) e confessou a sua ligação ao partido nazi Golden Dawn, de acordo com as informações oficiais prestadas pela polícia hoje.

A vítima, Pavlos Fyssas, era um antifascista conhecido na sua área e também um cantor de rap, que usava o nome de  Killah P. Para hoje estão marcados vários protestos contra a sua morte, um deles às 18h00 perto do lugar onde o assassinato ocorreu.

http://www.antifa.ca/antifa-news/34year-old-antifascist-pavlos-fyssas-murdered-by-golden-dawn-members-in-athens

Poder, Dominação e Autogestão


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Este texto tem por objetivo realizar uma reflexão teórica acerca do poder. Ele apresenta a problemática envolvida nas discussões do tema e três categorias fundamentais que pretendem abarcar as distintas concepções do poder; a partir de então, aprofunda as posições de Michel Foucault e Tomás Ibáñez, que concebem o poder como assimetria nas relações de força. Propõe um modelo teórico e um método de análise que consideram a dominação e a autogestão como tipos ideais e extremos de um eixo da participação, que permitem refletir e tipificar as relações e os modelos de poder. Utilizado o modelo proposto, analiso o capitalismo, caracterizando-o como um sistema de dominação que implica um modelo de poder dominador, ainda que possua espaços de participação. Nessa análise, abordo as classes sociais, a luta de classes e a natureza do Estado. A partir disso, aponto possíveis estratégias para a mudança e a transformação social, evidenciando problemáticas que envolvem os movimentos sociais.

Felipe Corrêa (*)

O CONCEITO DE PODER 

Discutir o poder implica, necessariamente, superar o problema semântico que há em toda a extensa literatura que, historicamente, aborda o tema. Buscando algumas definições, encontramos: poder é “toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”[1]; “em seu significado mais geral, a palavra poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos”[2]; “o poder é […], acima de tudo, uma relação de força”[3]; “designamos por poder a capacidade de uma classe social de realizar os seus interesses objetivos específicos”[4]; “o poder pode ser definido como a produção dos resultados pretendidos”[5]. Muitas outras poderiam ser citadas.

Para uma conceituação do poder, portanto, a questão não exige apenas adotar uma ou outra significação, mas compreender, histórica e sociologicamente, como o conceito de poder vem sendo trabalhado pelos diversos autores e quais são os aspectos e os elementos fundamentais abordados. Tal estudo exige, ao mesmo tempo, ter em mente que, por meio do mesmo termo, podem estar sendo discutidas distintas questões e por outros termos – como, nesse caso específico, autoridade e dominação – podem estar sendo discutidas as mesmas questões. Trata-se, assim, de compreender amplamente o objeto em questão e suas distintas abordagens, tomando em conta as referidas precauções metodológicas. Tomás Ibáñez, estudioso do tema[6], enfatiza parte da problemática envolvida nos estudos sobre o poder:

“O fato de os pesquisadores das relações de poder seguirem, depois de tantos anos, dedicando parte importante de seus esforços para esclarecer e depurar o conteúdo da noção de poder, o fato de não haver um acordo minimamente generalizado sobre o significado desse termo e o fato de as polêmicas se darem mais sobre as diferenças de conceituação do que sobre as operações e resultados conseguidos a partir dessas conceituações, tudo isso indica claramente que a teorização sobre o poder encontra-se, em algum momento, com um obstáculo epistemológico que a impede de progredir.”[7]

Superar esse obstáculo implicaria, para Ibáñez, compreender o conteúdo das discussões em questão e avançar em relação a elas, no que diz respeito àquilo que chama de uma “analítica do poder”. Dentre as inúmeras definições do poder, o autor considera ser possível agrupá-las a partir de três grandes interpretações: 1.) do poder como capacidade, 2.) do poder como assimetria nas relações de força, e 3.) do poder como estruturas e mecanismos de regulação e controle.

“Numa das suas acepções, provavelmente a mais geral e diacronicamente primeira, o termo ‘poder’ funciona como equivalente da expressão ‘capacidade de’, isto é: como sinônimo do conjunto dos efeitos dos quais um agente dado, animado ou não, pode ser a causa direta ou indireta. É interessante que, desde o início, o poder se define em termos relacionais, na medida em que, para que um elemento possa produzir ou inibir um efeito, é necessário que se estabeleça uma interação. […] Numa segunda acepção, o termo ‘poder’ refere-se a um certo tipo de relação entre agentes sociais, e costuma-se agora caracterizá-lo como uma capacidade assimétrica ou desigual que os agentes possuem de causar efeitos sobre o outro pólo de uma dada relação. […] Numa terceira acepção, o termo ‘poder’ refere-se às estruturas macro-sociais e aos mecanismos macro-sociais de regulação ou de controle social. Fala-se, neste sentido, de ‘instrumentos’ ou ‘dispositivos’ de poder, de ‘centros’ ou de ‘estruturas’ de poder, etc.”[8]

Essas três conceituações do poder colocam-no no campo das relações sociais e, por isso, exclui-se tanto as relações entre pessoas e coisas/animais – considerando que as relações de poder se dão sempre entre humanos que vivem em sociedade –, quanto as relações que poderiam ser constituídas sem sujeitos.

Conceituar o poder como capacidade implica concebê-lo como “ter poder de fazer algo” ou “ter poder para algo”; o poder, nesse sentido, define-se a partir de uma capacidade de realização ou uma força potencial que poderia ser aplicada em uma relação social determinada. O segundo caso, do poder como assimetria nas relações de força, implica um conceito que, ainda que esteja ancorado na noção de capacidade explicitada na primeira acepção, não pode resumir-se a ele. Neste caso, o cerne da definição está nas assimetrias das diferentes forças sociais que se encontram em uma determinada relação social; quando essas forças, com capacidades distintas de causar efeitos sobre outras, põem-se em interação, forjam os efeitos sobre um ou mais pólos da relação. Conceber o poder como estruturas e mecanismos de regulação e controle implica conceituá-lo a partir do conjunto de regras de uma determinada sociedade, que envolve tanto as tomadas de decisão para seu estabelecimento e para definir seu controle, quanto a própria aplicação desse controle; uma estruturação social que exige instâncias deliberativas e executivas.

A obra de Michel Foucault, um dos pilares teóricos de Ibáñez, apresenta uma conceituação do poder que, ainda que o defina em termos de relação de força, articula-se com as noções de capacidade e de regulação e controle; permite uma abordagem ampla que abarca elementos das três interpretações prévias. Para Foucault, “as relações de poder nas sociedades atuais têm essencialmente por base uma relação de força estabelecida, em um momento historicamente determinável”[9]; forças que estariam em disputa, em luta permanente, em correlação e num jogo contínuo e dinâmico. Quando, em uma determinada correlação de forças, alguma delas se impõe em relação às outras, há uma relação de poder. “As relações de poder são uma relação desigual e relativamente estabilizada de forças.”[10] Assim, poder e relação de poder tornam-se sinônimos. Ibáñez, a partir de Foucault, conceitua o que chama de “paradigma estratégico do poder”:

“O poder é uma relação, um ato. O poder é algo que se exerce. O poder tem uma presença difusa em toda a estrutura social, se produz em todo lugar do social. É onipresente não porque chega a todos os lugares, mas porque brota de todas as partes. […] O poder toma a forma dos modelos da física. O poder é consubstancial com o social, não existem, assim, zonas sem poder, ou que escapem ao seu controle. O poder é imanente aos domínios em que se manifesta, a economia está constituída por relações de poder que lhes são próprias. O poder é ascendente, os poderes locais vão delineando efeitos de conjunto que conformam os níveis mais gerais: modificando as relações de força locais modificam-se os efeitos do conjunto. […] O poder é, antes de tudo, uma instância produtiva. O poder produz saber, engendra procedimentos e objetos de saber. Quem ocupa uma posição de poder produz saber. O poder resulta de uma vitória; tem a guerra por origem. Os mecanismos do poder são da ordem do controle e da regulação, da gestão e da vigilância. […] O poder não funciona a partir do soberano, mas a partir dos sujeitos. A vida é o símbolo do poder, seu objetivo é gerir e administrar a vida.”[11]

A partir de Foucault e Ibáñez, pode-se conceituar o poder como uma relação social concreta e dinâmica entre diferentes forças assimétricas, na qual há preponderância de uma(s) força(s) em relação a outra(s). O poder encontra-se em todos os níveis e todas as esferas da sociedade e fornece as bases para o estabelecimento de regulações, controles, conteúdos, normas, sistemas, que possuem relação direta com as tomadas de decisão.

PARTICIPAÇÃO: DA DOMINAÇÃO À AUTOGESTÃO

A participação é estabelecida a partir das relações de poder. Alfredo Errandonea define a participação como “a capacidade de incidência e iniciativa própria nas decisões que lhes afetam, pessoal, grupal ou coletivamente. Todo tipo de decisões: no sentido mais amplo.”[12] Nesse sentido, as decisões relativas às esferas da sociedade (econômica, política/jurídica/militar, cultural/ideológica) seriam forjadas a partir de distintos níveis de participação, compreendendo “os mais diversos acessos vinculados à própria atividade, coletivamente integrada ou não”.[13] Se, como se viu, regulações, controles, normas etc. constituem-se a partir das relações de poder, estas também constituem as bases da participação.

Teorizar sobre a participação a partir das relações poder implica, portanto, concebê-la como um campo político ampliado, para além do âmbito do Estado e envolvendo as distintas esferas sociais.

Pode-se dizer que esse campo da participação possui dois extremos, que funcionariam como tipos ideais de poder: a dominação e a autogestão. A dominação é uma relação social hierárquica que pode se dar em todas as esferas da sociedade e institucionalizar-se com uns decidindo aquilo que diz respeito a outros e/ou a todos. Ela explica as desigualdades estruturais, envolve relação de mando/obediência entre dominador/dominado, alienação do dominado, entre outros aspectos. É o fundamento básico das relações de classes, ainda que não se possa reduzir dominação à dominação de classe.[14] A autogestão é o oposto da dominação e implica a participação no planejamento e nos processos decisórios, proporcionalmente ao quanto se é afetado por eles, pessoal, grupal ou coletivamente, nas diferentes esferas. Sua aplicação generalizada implica a substituição de um sistema de dominação por uma sociedade igualitária/libertária.[15]

“No limite, a participação máxima generalizada [que se está chamando aqui de autogestão] que consegue substituir totalmente a dominação, reduzindo-a à inexistência, implicaria uma sociedade igualitária e libertada, segundo esta maneira de concebê-la. No outro extremo, também no limite, em termos lógicos, poderia dizer-se que a participação reduzida a zero, a sua total inexistência, integralmente substituída pela dominação, significaria uma sociedade de escravidão absoluta, se é que ela possa ser possível. Ao contrário do que acontece com o outro limite, para o qual não há inconveniente em concebê-lo – seja ele realmente possível ou não – este extremo que representa a absoluta robotização da conduta humana, ainda que seja logicamente concebível, parece nunca ter existido e até impossível de ser concebido como possibilidade real. Parece impensável a situação de um ser humano ser privado até de suas mínimas capacidades de iniciativa; isso constituiria um nível de dominação inútil para o próprio dominante.”[16]

Os extremos constituídos pela dominação e pela autogestão demarcam, teoricamente, as possibilidades lógicas de limites nos processos de participação. Independente da possibilidade real ou não de se chegar a um dos tipos ideais, esses extremos, o que é relevante é concebê-los como um modelo teórico lógico para a compreensão das diferentes relações de poder, dos tipos dessas relações, e das distintas formas de participação que delas derivam. Esse esquema teórico abarca desde situações cotidianas, resultado dos micro-poderes, até situações mais amplas e estruturais, constituídas pelos macro-poderes. Assim, conceber as relações de poder dentro desses dois extremos, a partir do eixo da participação, constitui um método de análise para relações nos distintos níveis.

No limite da dominação, os agentes sociais não possuem capacidade de incidência e nem iniciativa para as decisões que lhe afetam; no limite da autogestão, eles têm a maior incidência e iniciativa possíveis, participando amplamente dos processos decisórios que lhes dizem respeito. Entretanto, esses extremos só funcionam como limites teóricos para se pensar as situações reais e concretas, que, na imensa maioria dos casos, não se situam nos extremos, mas em posições intermediárias. Ainda assim, os extremos possibilitam, em termos de método, avaliar as relações de poder em questão, além dos processos de participação por elas estabelecidos. O aumento ou a diminuição da participação nas decisões permitem avaliar em que sentido caminham as relações de poder e se elas se aproximam mais de um ou outro extremo.

A partir desse modelo teórico, avaliar as situações mais fundamentais, em termos de micro-poderes, torna-se tarefa mais simples do que se refletir acerca dos macro-poderes, forjados por uma infinidade de relações. Em ambos os casos, é difícil, para não dizer impossível, trabalhar com a categorização binária, dominação ou autogestão; além disso, por razão da legitimidade constituir o principal fundamento das relações de poder[17], surgem outros fatores que complicam essa análise: a participação limitada pode servir para legitimar a dominação; a participação pode ser percebida, mas não realizada de fato e assim por diante. Trata-se, portanto, de buscar compreender teoricamente a realidade, a partir das distintas forças em jogo e das relações de poder forjadas entre elas e buscar, independente da percepção dos distintos agentes sociais, aproximá-las desses tipos ideais.

Pode-se dizer, por exemplo, que em uma pequena cooperativa autogestionária, há mais autogestão que dominação e que em um agrupamento restrito de militares há mais dominação que autogestão. No primeiro caso, a participação é mais significativa que no segundo e é resultado das relações sociais forjadas a partir de tipos distintos de poder; na cooperativa, pode-se dizer que o poder é mais autogestionário que dentre os militares, cujo poder é mais dominador.[18]

Entretanto, avaliar a sociedade contemporânea, por exemplo, em termos das relações sociais levada a cabo por inúmeras forças nas distintas esferas é tarefa mais complexa. Seria possível, em termos das macro-relações de poder, aproximá-las dos tipos de poder mencionados?

SISTEMA DE DOMINAÇÃO, ESTADO E LUTA DE CLASSES

Cada sociedade é um sistema e “suas partes estão inter-relacionadas de tal maneira que o que acontece em uma delas possui alguma repercussão nas partes restantes, claramente, em grau variável.”[19] Num sistema, as partes que o compõem dispõem-se, reciprocamente, como seus próprios elementos e, nesse aspecto, cada sistema constitui-se a partir de uma estrutura caracterizada por uma configuração do conjunto das relações de poder existentes.

Assim, a sociedade constitui um sistema com uma determinada estrutura. São as forças sociais – conglomerados grupais, com interesses coletivos (geralmente, uma situação comum de classe), com certo grau de capacidade e de vontade para atuar na busca desses interesses, que atuam efetivamente, de maneira consciente em função dos interesses, o que lhe confere a condição de fator do processo social numa conjuntura específica[20] – que, na correlação entre si, constituem as relações de poder e determinam os elementos estruturais e a relação entre esses elementos que constituem a estrutura de um determinado sistema.

A partir dessa caracterização, Errandonea afirma que sistemas caracterizados pela dominação nos distintos níveis devem ser chamados de “sistemas de dominação”. Esses sistemas são caracterizados por diferentes tipos de dominação, tais como: exploração – apropriação do sobreproduto do trabalho realizado (mais-valia) –, coação física –, monopólio da violência –, e político-burocrática – monopólio das tomada de decisões que afetam a sociedade de maneira geral.[21] Nos sistemas de dominação, as estruturas sociais são estruturas de classes – as classes sociais e seu papel estrutural são os principais aspectos dessa estrutura social essencialmente classista. Um sistema de dominação constitui, assim, um modelo de poder dominador, analisado a partir das macro-relações sociais.

A partir dessa conceituação de sistema de dominação, não se define a dominação e as próprias classes sociais somente a partir da esfera econômica. A exploração, por exemplo, relação social essencialmente econômica, do campo do trabalho, constitui um tipo de dominação. Ela permite dividir a sociedade em exploradores – capitalistas que se apropriam do trabalho dos trabalhadores – e explorados – trabalhadores cujo trabalho é apropriado pelos capitalistas. Entretanto, Errandonea sustenta que o sistema de dominação também é caracterizado por outros tipos de dominação como a coação física e a dominação político-burocrática. Esses tipos de dominação permitem dividir a sociedade entre aqueles que detêm o monopólio da violência e das tomadas de decisão e aqueles que não. Nesse sentido, o Estado, que envolve governo, judiciário e militares, é um elemento central do sistema de dominação.

Pode-se, assim, definir, conforme Errandonea[22], as classes sociais a partir da dominação, extrapolando as definições que se fundamentam na exploração e que são, portanto, essencialmente econômicas – definidas, por exemplo, exclusivamente a partir da propriedade dos meios de produção.

O capitalismo contemporâneo, nesse sentido, caracterizar-se-ia como um “sistema de dominação”. Por meio da dinâmica do poder defendida por Foucault – que rechaça as noções de progresso e evolução da sociedade[23] e de determinismo econômico[24], e que afirma uma constituição do social a partir de distintas relações de poder conformadas em todas as esferas estruturadas da sociedade, as quais se influenciam e dependem uma da outra –, pode-se afirmar que o sistema de dominação atual, na realidade, não é um simples reflexo das relações da esfera econômica. Ele constitui-se a partir da interdependência das esferas econômica, política/jurídica/militar e cultural/ideológica, que se influenciam mutuamente.[25] Portanto, o Estado, a partir dessas premissas, não é simplesmente uma estrutura política que reproduz as relações das classes sociais levadas a cabo na esfera econômica; constitui-se, mais especificamente, como conseqüência das dominações em outras esferas, mas também como causa dessas dominações.

Essa questão sobre a natureza do Estado está na raiz dos principais debates históricos entre marxistas e anarquistas: “as divergências entre Bakunin e Marx repousam sobre uma oposição fundamental sobre a natureza do Estado”.[26] Para Berthier, “Bakunin funda em Estatismo e Anarquia sua teoria do Estado moderno sobre a análise de desenvolvimento do capitalismo”.[27] Para Bakunin, haveria, historicamente, um encadeamento dos fatos econômicos e políticos; ainda que uma autonomia relativa, o Estado teria sido fundamental para o desenvolvimento do capitalismo, por razão da centralização e da sujeição do povo, que tinha a ilusão de estar sendo nele representado. Se por um lado o Estado representa os interesses dos proprietários capitalistas, por outro constitui a estrutura política necessária para o desenvolvimento do capitalismo; ainda que modificadas as relações de produção, se o Estado continuasse a existir, ele recriaria o capitalismo – hipótese que seria confirmada pela recente história da União Soviética.

Pode-se, com isso, afirmar que “o Estado não é um órgão reacionário porque é a burguesia que o dirige, ele o é por sua própria constituição: o Estado é a organização de classe da burguesia”.[28] Qualquer transformação social do capitalismo, como no caso daquela preconizada por Bakunin, que defendia o socialismo, só poderia ser realizada fora das instâncias do Estado, as quais serviriam, fundamentalmente, para manter o sistema de dominação capitalista. Seria uma organização do conjunto das classes dominadas que, a partir de seus próprios organismos econômicos e políticos – como sindicatos, movimentos sociais, etc. – deveriam levar a cabo tanto a luta pela transformação quanto a estruturação de uma nova sociedade que não se pautasse num poder dominador, mas num poder autogestionário, acabando com a dominação de maneira geral. Ainda que ganhos de curto prazo pudessem ser conquistados, tanto na esfera econômica (melhores salários, menos horas de trabalho) como na política (maiores liberdades e direitos civis), eles deveriam ser somente um meio para um processo mais amplo de transformação, capaz de forjar um poder autogestionário que suprimiria o capitalismo, o Estado e forjaria uma nova estrutura de poder, envolvendo local de trabalho e moradia.

Com essa concepção da natureza do Estado – assumida por Errandonea, ao considerar o Estado uma das bases do sistema de dominação –, se estabelece uma noção de classes e da própria luta de classes a partir da categoria dominação, a qual, como se viu, abarca a exploração. Isso implica que a estrutura de classes não seja definida “em termos simplesmente ‘econômicos’”, a partir das relações de produção, exploração; as classes deveriam ser definidas a partir de uma noção mais ampla, de dominação, levando em conta tanto a “propriedade injusta dos meios de produção”, como “a propriedade injusta dos meios de coerção – a capacidade de impor decisões fisicamente – e dos meios de administração – os instrumentos que governam a sociedade”. Atualmente, as forças armadas, tribunais e prisões constituiriam a base dos meios de coerção e a burocracia do Estado a base dos meios de administração.[29]

Nessa correlação íntima entre economia e política, forja-se uma noção de estrutura de classes, fundamentada em classes dominantes, as quais exercem ou possuem a titularidade da dominação, e as classes dominadas, tanto aquelas que estão integradas e são essenciais ao funcionamento do sistema, podendo participar na instrumentação da dominação, quanto aquelas que não estão integradas no sistema e não seriam completamente essenciais a ele.[30] No amplo campo das classes dominantes, estariam tanto os proprietários dos meios de produção, incluindo os capitalistas e proprietários de terras, os gestores do capitalismo, do Estado, a tecnocracia e os militares de primeiro escalão, juízes e parlamentares em geral. Dentre as classes dominadas, estariam os trabalhadores, o campesinato e os precarizados e marginalizados de maneira geral.[31]

Assim, o sistema de dominação e sua estrutura de classes constituem os fundamentos de uma luta de classes entre classes dominantes e dominadas; o Estado faz parte da estrutura de classes e constitui-se como o instrumento político do capitalismo, imprescindível tanto em sua criação como em sua manutenção. Constitui-se como resultado de relações de dominação e como fundamento do poder dominador que é hegemônico no atual sistema capitalista.

PODER, MOVIMENTOS SOCIAIS E ESTRATÉGIA DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL 

A definição de poder elaborada a partir das obras de Ibáñez e Foucault afirma que o poder envolve as relações sociais, estabelecendo-se como relação forjada pela superação de algumas forças por outras. “As relações de poder são consubstanciais ao próprio fato social, são-lhe inerentes, impregnam-no, contém-no, no próprio instante em que dele emanam”.[32] Assim, não se pode conceber sociedade sem poder, independente de ele ser definido em termos de capacidade, assimetria nas relações de força ou estruturas e mecanismos de regulação e controle. Qualquer sociedade possui relações sociais, agentes com distintas capacidades de realização, disputas e conflitos, aplicação de forças individuais e coletivas nessas disputas e nesses conflitos e o estabelecimento de regulações e controles, mais ou menos institucionalizados, ou mesmo forjados pelo costume. O poder, portanto, está e estará presente em qualquer sociedade com relações sociais – tanto em termos micro quanto macro-sociais.

Entretanto, como se viu, o poder pode variar amplamente. Os tipos ideais apresentados, dominação e autogestão, extremos de um eixo de participação, servem tanto como paradigma analítico quanto como elementos para a elaboração de estratégias políticas e constituem as bases de dois modelos de poder distintos conceituados por Lopez: o poder dominador e o poder autogestionário. Analisado a partir desses tipos ideais, o capitalismo contemporâneo constitui um modelo de poder que é muito mais dominador do que autogestionário; quando Errandonea o caracteriza como um sistema de dominação, fundamenta-se na análise que, mesmo possuindo elementos de participação como as eleições para representantes do Estado, suas relações aproximam-se mais da dominação do que da participação ampla ou autogestão.

Os fundamentos desse poder dominador, caracterizado pelo sistema de dominação, seriam as instituições que lhes são centrais e que estão presentes nas três esferas anteriormente especificadas. Por meio da análise de Rocha, que considera a interdependência e a interinfluência dessas esferas, e pela definição da natureza do Estado de Berthier, pode-se afirmar que esse poder constitui-se a partir de uma relação complexa entre distintos elementos sistêmicos, dentre eles o Estado – instituição política central do capitalismo.

A estrutura de classes que compõe o sistema de dominação capitalista – caracterizado por um modelo de poder mais dominador que autogestionário – permite, de acordo com Errandonea, uma análise das classes e suas relações. Haveria, nesse sentido, dois amplos conjuntos: as classes dominantes e as classes dominadas; o modelo de poder dominador estabelecido entre eles implica interesses distintos e em permanente contradição. Os conflitos gerados a partir da contradição entre dominadores e dominados, no contexto de uma relação social sistêmica, constitui a luta de classes.

Essa análise permite reflexões sobre diferentes estratégias para a mudança ou a transformação social. Conforme afirma Clausewitz[33], em qualquer estratégia, são os objetivos que condicionam as ações, ou seja, os objetivos estratégicos implicam uma estratégia coerente com ele, que se desdobre em táticas; as táticas devem apontar para a estratégia e esta para o objetivo estratégico. Essa questão é fundamental, pois se o objetivo estratégico for realizar ajustes dentro de um mesmo modelo de poder, algumas formas de participação política funcionarão mais do que outras; se o objetivo for a transformação do modelo das relações de poder em nível macro-social, outras formas de participação política serão mais adequadas.

O modelo de poder atual pode ser ajustado em benefício das classes dominadas, conjunto que hoje sofre de maneira mais direta os efeitos do sistema forjado por ele. Entretanto, os ajustes – dentre os quais, deve-se reconhecer, há alguns significativos para as classes dominadas – que são realizados como desdobramentos de uma estratégia restrita que tem por objetivo a mudança social dentro dos marcos do capitalismo não são suficientes para uma transformação do sistema de dominação e do modelo de poder. Esses ajustes, quando realizados pelo Estado, tendem a reforçar seu poder, criando uma legitimidade que é muito mais eficaz, para isso, que a simples utilização da força.[34] As ações que partem do Estado – como no caso das políticas públicas – são, nesse sentido, táticas que se inserem dentro de uma estratégia restrita de trabalho dentro dos marcos do Estado e, portanto, do capitalismo. São, assim, ações levadas a cabo pelas classes dominantes para solucionar problemas que possuem implicação direta na legitimidade do sistema que lhes coloca em tal posição. Em caso de sucesso, ações de Estado podem promover a mudança social, mas não a transformação social, que implicaria mudança no sistema e no modelo de poder vigentes. Isso não significa, entretanto, que todas as medidas de curto prazo favoreçam o atual sistema de dominação e tendam a fortalecer o modelo de poder dominador.

Efeitos relevantes da sociedade de classes são os movimentos sociais, definidos por Doug McAdam, Sidnei Tarrow e Charles Tilly como uma “interação sustentada entre pessoas poderosas e outras que não têm poder: um desafio contínuo aos detentores de poder em nome da população cujos interlocutores afirmam estar ela sendo injustamente prejudicada ou ameaçada por isso”.[35] Nesse sentido, os movimentos sociais são organizações formadas pelas classes dominadas para resistir à dominação e modificar as relações de poder estabelecidas. Na maior parte dos casos, possuem objetivos restritos em torno de conquistas de curto prazo: aumento de salário e menos horas de trabalho (no caso do movimento sindical), terra e condições para a agricultura familiar no campo (no caso do movimento sem-terra), moradia digna (movimento sem-teto), melhorias para o bairro (movimento comunitário) etc. Ainda assim, alguns movimentos sociais têm por objetivo estratégico uma transformação social mais ampla.

Diferentemente do Estado, uma instituição que é central para o atual sistema de dominação e faz parte de seu núcleo duro, os movimentos sociais são, historicamente, espaços de articulação das classes dominadas para atuar em seu próprio favor. Se, por um lado, as medidas de curto prazo que partem do Estado tendem a reforçar sua legitimidade e, portanto, o sistema do qual ele constitui parte essencial, as conquistas de curto prazo provenientes da luta de classes levada a cabo pelos movimentos sociais podem servir para fortalecer um projeto de poder distinto, que se contraponha ao modelo vigente.

Ainda que constituam historicamente esse espaço organizativo das classes dominadas, sabe-se que os movimentos sociais, ao longo do tempo, tiveram diferentes relações com o sistema de dominação que os criou. Se houve movimentos que priorizaram o curto prazo e os ajustes nos marcos dados do poder, houve outros que, ainda que articulados para as lutas menos amplas, tinham por objetivo uma transformação social do modelo de poder, afirmando-se como movimentos revolucionários. Em determinadas circunstâncias históricas, os movimentos sociais foram atrelados ao Estado – como no caso do sindicalismo brasileiro, com a legislação trabalhista de Getúlio Vargas dos anos 1930[36]; houve também escolhas estratégicas dos movimentos que decidiram, voluntariamente, vincular-se ao Estado, fundamentalmente para o atendimento de suas demandas de curto prazo – como no caso de parte significativa do movimento de moradia de São Paulo no início dos anos 2000[37]. Houve ainda, historicamente, leituras que compreenderam o Estado poderia ser conquistado pelas classes dominadas e, gerido por elas, servir de instrumento para a promoção de uma transformação social. Com esse objetivo, foram criados e estimulados movimentos sociais que, mesmo atingindo seu objetivo, por uma série de fatores não modificaram o modelo de poder vigente.[38] Todas essas questões, que tratam das relações íntimas entre Estado e movimentos sociais envolvem, necessariamente, o tema da burocratização dos movimentos sociais.[39]

Modificar o modelo de poder da sociedade levando o eixo da participação ao limite da autogestão constitui um objetivo estratégico ambicioso. Substituir o sistema de dominação por um sistema de autogestão exige, em coerência com esse objetivo estratégico, estratégias e táticas que apontem para esse caminho. Táticas e estratégias que fortaleçam as relações de dominação não podem apontar para objetivos pautados na autogestão. Os movimentos sociais podem constituir espaços privilegiados para tanto, mas suas estratégias e táticas têm de estar ajustadas para tais objetivos.

As transformações sociais amplas só podem se dar a partir das construções cotidianas, partindo dos níveis mais básicos da sociedade. A organização autogestionária dos movimentos sociais – que envolve decisões compartilhadas em relação ao planejamento e aos processos decisórios – torna-se, portanto, um meio fundamental, senão imprescindível, para que se construa um modelo de poder autogestionário, que possa contar com os ganhos de curto prazo para o acúmulo de força das classes dominadas. Esses ganhos, entretanto, não podem se furtar de um objetivo estratégico que, mesmo sendo de longo prazo, deve nortear o fortalecimento de um modelo de poder que se contraponha ao atual e que possa alicerçar as bases da autogestão e impulsionar um processo de transformação social amplo por meio de conquistas concretas nas distintas esferas (melhoria de condições econômicas, maior participação política etc.) e da construção subjetiva que poderá fortalecer culturas e ideologias próprias das classes dominadas e potencializar a vontade dos agentes envolvidos.

Esse projeto de longo prazo exige uma superação, dentro dos movimentos sociais, das posições essencialmente de curto prazo e as demandas corporativas, de seu próprio setor. Por isso, superar os objetivos de curto prazo e promover uma integração dos movimentos sociais em prol de um objetivo de transformação mais amplo torna-se peça-chave nesse processo, sendo necessário, para isso, uma estrutura orgânica mais ampla, articulada em uma organização popular inter-setorial, ou em um tipo de “frente de classes dominadas”, que possam constituir o germe da transformação social rumo a um modelo de poder autogestionário.

NOTAS
(*) http://pt-br.protopia.wikia.com/wiki/Felipe_Corr%C3%AAa
1. Max Weber. Economia e Sociedade. Vol. I, p. 33.
2. Norberto Bobbio et alli. Dicionário de Política, p. 933.
3. Michel Foucault. Microfísica do Poder, p. 175.
4. Nicos Poulantzas. Poder Político e Classes Sociais, p. 100.
5. Bertrand Russell. O Poder: uma nova análise social, p. 24.
6. Em seu livro Poder y Liberdad, Ibáñez analisa profundamente o poder, a partir de mais de 300 obras.
7. Tomás Ibáñez. Poder y Libertad, p. 11.
8. Idem. “Por un Poder Político Libertario”. In: Actualidad del Anarquismo, pp. 43-44.
9. Michel Foucault. Op. Cit, p. 176.
10. Ibidem, p. 250.
11. Tomás Ibáñez. Poder y Libertad, pp. 99-100.
12. Alfredo Errandonea. Sociologia de la Dominación, p. 122.
13. Ibidem, p. 10.
14. Ibidem, pp. 63-82.
15. Michael Albert. “Buscando a Autogestão”. In: Autogestão Hoje, pp. 17-26; Alfredo Errandonea. Op. Cit., p. 122.
16. Alfredo Errandonea. Op. Cit., pp. 10-11.
17. Ibidem, pp. 126-127.
18. Fabio López. Poder e Domínio, pp. 121-130.
19. Alfredo Errandonea. Op. Cit., p. 90.
20. Ibidem, p. 118.
21. Ibidem, p. 97.
22. Ibidem, pp. 97-119.
23. Michel Foucault. Op. Cit, pp. 25-29.
24. Ibidem, p. 115.
25. Bruno Rocha. A Interdependência Estrutural das Três Esferas.
26. René Berthier. Marxismo e Anarquismo, p. 108.
27. Ibidem, p. 114.
28. Ibidem, p. 115.
29. Lucien van der Walt. Debating Power…, p. 30.
30. Alfredo Errandonea. Op. Cit., p. 104.
31. Michael Schmidt; Lucien van der Walt. Black Flame, pp. 56-60; 108-113; Lucien van der Walt. Debating Power…, p. 31.
32. Tomas Ibáñez. “Por un Poder Político Libertario”. In: Actualidad del Anarquismo, p. 44.
33. Carl von Clausewitz. Da Guerra, p. 171.
34. Alfredo Errandonea. Op. Cit., pp. 76-77.
35. Doug McAdam et alli. “Para Mapear o Confronto Político”. In: Lua Nova 76, p. 21.
36. Alexandre Samis. “Pavilhão Negro sobre Pátria Oliva”.
37. Gustavo Cavalcanti. Uma Concessão ao Passado.
38. Maurício Tragtenberg. A Revolução Russa.
39. Felipe Corrêa, “Movimentos Sociais, Burocratização e Poder Popular”.

BIBLIOGRAFIA

ALBERT, Michael. “Buscando a Autogestão”. In: Autogestão Hoje: teorias e práticas contemporâneas. São Paulo: Faísca, 2004.
BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e Anarquia. São Paulo: Imaginário/Ícone, 2003.
BERTHIER, René; VILAIN, Eric. Marxismo e Anarquismo. São Paulo: Imaginário, 2011.
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CAVALCANTI, Gustavo C. V. Uma Concessão ao Passado: trajetórias da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo. São Paulo, USP (mestrado em Sociologia), 2006.
CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
CORRÊA, Felipe. “Movimentos Sociais, Burocratização e Poder Popular”. In: Ideologia e Estratégia: anarquismo, movimentos sociais e poder popular. São Paulo, Faísca, no prelo. In: Anarkismo.net, 2010. http://www.anarkismo.net/article/18158.
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ROCHA, Bruno Lima. A Interdependência Estrutural das Três Esferas. Porto Alegre, UFRGS (doutorado em Ciência Política), 2009.
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WEBER, Max. Economia e Sociedade. 2 vols. Brasília: UNB, 2009.

aqui: http://www.anarkismo.net/article/21065

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Compra o carro e leva a miúda. A coisificação da mulher na publicidade.


anuncios-1“Olha-me. Toca-me. Acaricia-me. Provoca-me. Seduz-me. Controla-me. Protege-me. Grita-me. Relaxa-me”. Uma voz feminina e sensual vai pronunciando estas palavras num tom cada vez mais intenso enquanto a câmara mostra imagens de mulheres (ou de parte dos seus corpos) interpretando as acções que se vão enumerando, intercaladas com imagens do automóvel que o anúncio promove.

Abres uma revista. Uma mulher em fato de banho aparece deitada numa cama frente à câmara com as pernas abertas, ao lado dumas letras grandes que anunciam “Now open” (Agora aberto) junto ao nome de uma popular marca de moda americana. Sais à rua e mulheres jovens olham-te provocatoriamente desde os abrigos das paragens de autocarros, convidando-te a comprar o perfume que as faz tão irresistíveis.

Seja em casa vendo televisão, navegando na internet, lendo uma revista ou simplesmente caminhando pela tua cidade, os exemplos acima descritos são apenas uma pequena mostra do bombardeamento publicitário a que, queiramos ou não, estamos submetidas/os todos os dias. É apenas um pequeno exemplo do papel tão habitual e normalizado da mulher como reclame sexual para a venda de toda a espécie de produtos.

A ideia é simples: mostrar mulheres atractivas como objectos de desejo, vende. Atrai-se a atenção e provoca-se o desejo, com a intenção de que se transfira para o produto. Desta forma, para vender um produto destinado aos homens relaciona-se esse produto com a mulher-objecto criando uma associação do tipo “compra o carro e terás a miúda”, enquanto que para vender produtos destinados às mulheres a associação resume-se a “compra-o e serás como ela”. É algo que pode parecer tão tosco e insultuoso para a nossa inteligência mas que, sem dúvida, funciona.

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É precisamente o facto de que, ao apelar fundamentalmente ao nosso subconsciente, faz que não costumemos prestar demasiada atenção nem dar importância ao efeito que a publicidade pode ter sobre nós, mas é certo que ninguém está isento disso. A publicidade é pura manipulação dirigida a modificar atitudes sociais e o seu efeito sobre a sociedade não se limita a que mais ou menos pessoas decidam comprar este ou aquele produto, mas sim que é um elemento importante para a manutenção e o reforço dos valores capitalistas e patriarcais dominantes e, como tal, não deve ser menosprezado.

Anúncios como os descritos acima, quer sejam mais subtis ou totalmente explícitos, vão criando uma definição de beleza irreal, baseada em imagens carregadas de retoques, efeitos e maquilhagem, que se impõe inevitavelmente como o denominador pelo qual todas as mulheres nos devemos medir e, para os homens, como modelo de mulher a conquistar.

Um estudo realizado em 2008 nos Estados Unidos (1) mostrava que três em cada quatro anúncios em que apareciam mulheres em revistas masculinas, estas eram retratadas como objectos sexuais, ou seja, a sua sexualidade era utilizada como publicidade para vender um produto. Nas revistas de moda para mulheres e nas revistas para raparigas adolescentes, o número era aproximadamente de dois em cada três anúncios. Desta forma, o corpo humano é equiparado a uma mercadoria, é apresentado como um prémio ao consumo e a mensagem, tanto para homens como para mulheres, é bem claro: o valor de uma mulher reside, em grande medida, na sua aparência física e na sua sexualidade. A mulher é um objecto de desejo alheio (nunca um sujeito activo com desejo próprio) e, como tal, a beleza (e portanto a elegância, a juventude e o cuidado pessoal na aparência) e a satisfação do desejo sexual masculino não são apenas um objectivo a alcançar, mas passam a ser requisitos inquestionáveis para uma mulher que queira ser válida.

O resultado, e não podia ser de outra maneira, traduz-se em termos económicos: todo o mercado da beleza feminina, que abarca desde a indústria da cosmética até à cada vez mais popular cirurgia estética, passando por todo o tipo de “adelgaçantes”, produtos alimentares “light”, centro de estética, moda, etc. Se este mercado está no auge é porque existe procura. As mulheres não estão satisfeitas com os seus corpos e os extremos a que recorrem para os modificar parecem não ter limites. Segundo outro estudo norte-americano (2) entre 2000 e 2009 nos Estados Unidos cresceram em 36% os aumentos de mama, em 84% as abdominoplastias, em 132% as correcções de ancas e em 65% as elevações de mamas. Se olharmos os números da incidência de transtornos da conduta alimentar (anorexia, bulimia e outros transtornos menores), vemos que em Espanha são estimados entre 11 e 16% das mulheres adolescentes, ou seja, pelo menos uma em cada dez.

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Outra questão a analisar seria a representação das mulheres como vítimas enquanto objectos sexuais. Imagens de mulheres em situações, posições ou com expressões de vulnerabilidade, de angústia, desde o mais subtil (maquilhagens cadavéricas e olhares ausentes ou temerosos) até cenas explícitas que apresentam agressões ou situações de dominação sexual da mulher. Esta tendência foi também analisada no estudo de Stankiewicz e Rosseli, citado mais acima, concluindo que isto sucedeu em cerca de 9% dos anúncios de revistas em que apareciam mulheres. Enquanto vamos aos arames contra a violência de género, vemos, sem nos ruborizarmos, mensagens publicitárias que vinculam a sexualidade ao sofrimento e à submissão da mulher, que apresentam a dominação sexual da mulher co o algo sexy e desejável, justificando e normalizando, ao fim e ao cabo, a violência sexual.

Face a estas observações e como tristemente costuma acontecer em quase todas as questões de género, não faltará que tudo isto não pode ser considerado machismo já que na publicidade também aparecem homens coisificados e cuja sexualidade é utilizada para vender. Isto é verdade e cada vez mais e não é senão uma extensão da própria lógica publicitária capitalista: o passo lógico era estender estes novos mercados de beleza a um público maior, ou seja, aos homens, e assim se têm ido propagando mediaticamente os ideais de beleza masculinos e a importância dos cuidados pessoais nos homens. No entanto esta coisificação do homem não se dá de modo algum ao mesmo nível (nem quantitativo nem qualitativo), nem da mesma perspectiva. Em nenhum momento deixam de estar presentes os papéis de género, as representações do masculino continuam a ser as do sexo dominante e forte e os produtos, situações, posições, atitudes, etc. (em definitivo, os papéis) que se atribuem a cada género na publicidade continuam a ser manifestamente sexistas. Um último dado: 91% das operações de cirúrgia estética nos Estados Unidos são realizadas por mulheres e relativamente aos números de anorexia e de bulimia em Espanha apenas entre 5 e 10% dos/as afectados/as são homens.

anunciosSabemos que deixamos no tinteiro muitas questões, entre elas as outras representações da mulher na publicidade que nos recordam outros deveres femininos (cuidar do lar, dos/as filhos/as, do marido…) e sabemos também que a publicidade é só uma das mil formas através das quais se reproduzem os papéis de género na nossa sociedade. Por isso, não queríamos terminar estas linhas sem assinalar a importância de torna-las todas visíveis e de combater a sua normalização e intromissão no nosso quotidiano e em todos os âmbitos das nossas vidas.

___________________________

(1) Stankiewicz, J.M. y Rosselli, F. 2008. Women as Sex Objects and Victims in Print Advertisements. Sex Roles, 58.

(2) Berberick, S.N. 2010. The Objectification of Women in Mass Media: Female Self-Image in Misogynist Culture. The New York Sociologist, Vol. 5.

Ambos os artigos (em inglés) podem ser descarregados em pdf em http://www.regeneracionlibertaria.org/publicidad-y-roles-de-genero

aqui: http://www.todoporhacer.org/compra-el-coche-llevate-a-la-chica-la-cosificacion-de-la-mujer-en-la-publicidad

A novilíngua de Passos Coelho: requalificar é a nova palavra para despedir


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George Orwell chamou-lhe novilíngua. Uma língua em que as palavras dizem o contrário do que significam. Foi no seu excelente livro “1984”, uma crítica demolidora sobre os regimes autoritários, do fascismo ao stalinismo. Agora esta socialdemocracia, neoliberal ou o que quiserem, vem inaugurar um novo discurso fascista-stalinista: despedir trabalhadores da função pública chama-se requalificar. PQP.

1984

(Lisboa) Jantar de apoio ao jornal MAPA esta sexta-feira, 13 de Setembro


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:: Jantar de apoio ao Jornal Mapa ::

Sexta-Feira, 13 de Setembro, 20:00h, RDA69, em Lisboa
Rua Regueirão dos Anjos, nº69 
Jantar // Música  // Jogo do Bingo //  Números anteriores para distribuição // Assinaturas // Bancas de Informação //
::::::::::::::::::::::
Mapa é um jornal bimestral de informação crítica distribuído de Norte a Sul de Portugal em cafés, livrarias, quiosques, escolas, universidades, transportes públicos, centros sociais, associações, por correio e, acima de tudo, nas ruas. Propõe-se enquanto ferramenta, através da informação, debate e discussão, a ser usada para o desenvolvimento da crítica enquanto alimento do pensamento e de práticas de autonomia e liberdade em todos os aspectos da vida. Não está , portanto, contido na zona de influência de grupos económicos ou partidos políticos de qualquer côr ou sabor. A sua prática baseia-se na produção, publicação e distribuição de notícias, reportagens, investigações, crónicas, fotos, ilustrações, bandas desenhadas e, em geral, quaisquer outros formatos desde que possíveis de figurar dentro dos limites físicos de 16 páginas.
Mapa é, em suma, um projecto de comunicação mas também um território de resistência em tempos de guerra.

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Exposição sobre a obra e a vida de Manuel Ribeiro é inaugurada esta sexta-feira, dia 13, na Universidade de Évora


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https://www.facebook.com/events/323334711145003/

Esta sexta-feira, dia 13 de Setembro é inaugurada uma exposição sobre a vida e obra do autor de “Planície Heróica”, um dos livros mais intensos escritos sobre o Alentejo e a “saga” dos trabalhadores rurais alentejanos das primeiras décadas do século passado, no corredor da Biblioteca Geral da Universidade de Évora (Colégio Espírito Santo).

Poeta, romancista, jornalista, ativista político e também um dos mais destacados militantes anarco-sindicalistas da Primeira República, Manuel Ribeiro foi um dos precursores do Neo-realismo e também um dos primeiros escritores a introduzir na literatura a linguagem e as vivências da cultura alentejana.

Nesta exposição divulgam-se documentos inéditos do espólio de Manuel Ribeiro, depositado na Biblioteca Municipal de Beja – José Saramago.

Sobre Manuel Ribeiro escreveu António Cândido Franco o seguinte apontamento no blog “A Ideia Livre”:

manuel ribeiroManuel Ribeiro (1878-1941)

Manuel Ribeiro (1878-1941), natural de Albernoa, freguesia de Beja, foi um dos mais destacados militantes anarco-sindicalistas da primeira República. Com pouco mais de vinte anos veio para Lisboa, dedicando-se à tradução e ao jornalismo. É também o momento em que inicia uma obra literária, que anos mais tarde dele fará um dos mais lidos escritores do tempo. Como tradutor, verteu para o português obras de Gorki, Tolstoi, Kropotkine e Paul Elzbacher. A ligação militante ao anarquismo operário data de 1908, mas a primeira colaboração com a imprensa libertária é de 1909. Entre 1912 e 1914 é um dos mais assíduos colaboradores do semanário O Sindicalista, órgão da corrente operária libertária. Com o fim deste e a fundação de A Batalha, Manuel Ribeiro transfere para este diário a sua colaboração, que mantém até Março de 1921.

A revolução russa de 1917 dividiu o movimento operário mundial e Manuel Ribeiro, vendo nos sovietes um equivalente do sindicalismo revolucionário, toma partido pelo bolchevismo, fundando com outros a Federação Maximalista, cujo jornal dirigiu, e o Partido Comunista Português. Mais tarde, em 1926, converteu-se (em privado) ao catolicismo. A conversão não levou porém o autor a alhear-se das antigas preocupações, acabando por se manter dentro da mesma esfera, com a aproximação a sectores católicos socialmente empenhados. Dirigiu nesses anos a revista católica Renascença, fundou uma outra, Era Nova, esta com o padre Joaquim Alves Correia, e publicou um livro de ensaios, Novos Horizontes (1930), em que esclarece a sua separação da fórmula integralista, que por então dominava nos meios católicos.

Talvez por isso Alexandre Vieira, o principal redactor de A Greve, d’O Sindicalista e d’A Batalha, não tivesse dúvida em citá-lo muitos anos depois no pórtico de abertura de Figuras Gradas do Movimento Social Português (1959, p. XI) como um dos que prestaram excelente cooperação ao Movimento Sindicalista, ao lado de Aurélio Quintanilha, César Porto, Sobral de Campos, Pinto Quartim, Jaime Brasil, Julião Quintinha, Artur Portela e Cristiano de Carvalho, todos sem biografia constituída nesse livro repositório do primeiro sindicalismo português.

O legado de Manuel Ribeiro, pelo trajecto variadamente complexo do autor, não é um legado fácil. Ainda assim não nos parece justo avaliá-lo na esfera da apostasia, ou da oportunidade de ocasião, pois as inquietações religiosas do autor, aliadas a um interesse erudito pela arquitectura do sagrado, eram por ele assumidas publicamente desde 1916. E o seu primeiro romance, A Catedral, em cuja medula palpita toda a questão da sua posterior conversão, é de 1920, ano em que publica a compilação das crónicas n’O Sindicalista e n’A Batalha, em que se empenha na consolidação do Bandeira Vermelha, órgão da Federação Maximalista, e em que projecta a criação do Partido Comunista, além de ser aquele em que passou três meses no Limoeiro na sequência duma greve dos Caminhos-de Ferro.

Sobre esta figura tão complexa como hoje desconhecida, Gabriel Rui Silva fez uma longa investigação de anos pelos arquivos e bibliotecas de que resultou em 2009 uma dissertação de doutoramento apresentada com sucesso à Universidade Aberta. Essa dissertação académica foi agora dada à estampa em livro, Manuel Ribeiro, o Romance da Fé (2010, ed. Licorne, pp. 304; ver editoralicorne.blogspot.com). Dela fez ainda o autor uma curta sinopse, em poucas páginas, que acabou de dar à estampa no último número da revista A Ideia (nº 69, Abril, 2011).

António Cândido Franco / 16 de Maio de 2011

Publicado no blog A Ideia Livre em 18 de Maio de 2011

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Comunicado da Federação Anarquista Ibérica (FAI) contra a intervenção militarista na Síria


guerra

Desde a Federação Anarquista Ibérica (FAI) opomo-nos e condenamos de forma veemente a intervenção militar na Síria, assim como qualquer tipo de intervenção militar que aconteça no mundo.

O povo sírio tomou parte nas revoltas da denominada Primavera Árabe, levantando-se contra a ditadura e a opressão do regime. As lutas intestinas pelo controlo político, religioso e económico daquela zona entre a Arábia Saudita e o Irão, assim como entre os Estados Unidos/Israel e a Rússia, conduziram a uma guerra totalmente sectária e sem quartel em que a vítima directa deste genocídio é o povo.

Condenamos a estratégia dos Estados Unidos de criar confusão, manipular através de todos os meios de comunicação ao seu serviço e mentir para legitimar a intervenção imperialista, tal como fez noutras ocasiões no Afeganistão, Iraque ou Vietname e fará no futuro.

Ao mesmo tempo demonstramos o nosso asco e repulsa a todos os partidos e sindicatos espanhóis que, declarando-se de esquerda, apoiam genocídios como o que existe actualmente na Síria (pela acção do seu governo ou pela intervenção imperialista), assim como qualquer intervenção militar que desemboque numa carnificina humana.

Solidarizamo-nos com todos os povos e todos/as os/as trabalhadores/as dos países árabes, que lutam diariamente contra a opressão dos governos, dos estados, das religiões, e sofrem a repressão dos próprios governos e de todos os governos títeres dos interesses russos ou dos Estados Unidos, que só procuram defender os seus interesses espúrios face ao interesse dos/as trabalhadores/as e à liberdade dos povos.

Nem guerra entre povos, nem paz entre classes!

FAI

aqui: http://www.portaloaca.com/opinion/7945-comunicado-de-la-fai-en-repudio-a-la-intervencion-militarista-en-siria.html

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