Noam Chomsky e o anarquismo


Noam-Chomsky

Tão respeitado nos pequenos seminários acadêmicos quanto nas grandes reuniões do Fórum Social Mundial, Noam Chomsky é um dos mais importantes intelectuais da atualidade. Com 78 anos, esse professor do renomado MIT (o Instituto de Tecnologia de Massachusetts) tornou-se uma referência mundial, seja no domínio da lingüística, sua área de especialização científica, seja nas fileiras da esquerda, seu campo de atuação política. Como lingüista, Chomsky teve o nome internacionalmente projetado por sua teoria acerca dos princípios estruturais inatos da linguagem. Como político, tem-se destacado na crítica à globalização neoliberal e aos mecanismos de controle dos regimes totalitários e das sociedades ditas democráticas.

De origem judaica (seu pai, professor em escola religiosa, foi um dos grandes eruditos da língua hebraica), não poupa críticas a Israel, pelo tratamento dado aos palestinos e pela prática do que qualifica como “terrorismo de Estado”. Nascido em Filadélfia (o berço da identidade nacional norte-americana), é um dos principais opositores da política imperialista dos Estados Unidos, em geral, e do governo George W. Bush, em particular. Intelectual engajado (que se define como “socialista libertário”), vem sendo tão radical na condenação do stalinismo quanto do nazismo. Sua independência intelectual tem-lhe valido pesados ataques, vindos de várias direções. Mas também lhe tem granjeado amplas simpatias e apoios.

Nesta entrevista exclusiva a Le Monde Diplomatique, ele discorre extensamente sobre alguns dos temas mais relevantes do mundo contemporâneo (nota da edição brasileira).

(…)

Diplomatique Você é classificado na categoria dos anarquistas ou dos socialistas libertários. Na democracia, tal como você a concebe, qual seria o lugar do Estado?

Chomsky Vivemos neste mundo, não em um universo imaginário. Então, neste mundo, existem instituições tirânicas, que são as grandes empresas. É o que há de mais próximo das instituições totalitárias. Elas não têm, por assim dizer, que prestar qualquer esclarecimento ao público ou à sociedade. Agem como predadoras, tendo como presas as outras empresas. Para se defender, as populações dispõem apenas de um instrumento: o Estado. Mas ele não é um escudo muito eficaz, pois, em geral, está estreitamente ligado aos predadores. Há, no entanto, uma diferença que não se pode negligenciar: enquanto, por exemplo, a General Electric não deve satisfações a ninguém, o Estado deve regularmente se explicar à população.

Quando a democracia se tiver alargado ao ponto em que os cidadãos controlem os meios de produção e de troca e participem no funcionamento e na direção do conjunto em que vivem, então o Estado poderá, pouco a pouco, desaparecer. Ele será substituído por associações voluntárias sediadas nos locais de trabalho e de moradia.

Diplomatique Seria uma nova forma de soviets? Qual a diferença em relação aos soviets da Rússia revolucionária?

Chomsky Seriam soviets, sim. Mas lembremos que, na Rússia, a primeira coisa que Lênin e Trotsky destruíram, logo após a Revolução de Outubro, foram os soviets: os conselhos de operários e todas as instituições democráticas. Lênin e Trotsky foram, neste sentido, os piores inimigos do socialismo no século XX. Porque, marxistas ortodoxos como eram, eles consideravam que uma sociedade atrasada como a da Rússia de sua época não poderia passar diretamente ao socialismo sem ser precipitada à força na industrialização.

Em 1989, no momento do desmoronamento do regime comunista, eu pensei que este desmoronamento, paradoxalmente, representava uma vitória para o socialismo. Pois o socialismo, tal como o concebo, implica, no mínimo, eu repito, o controle democrático da produção, das trocas e de outras dimensões da existência humana.

No entanto, os dois principais sistemas de propaganda conspiraram para afirmar que o sistema tirânico implantado por Lênin e Trotsky e depois transformado em monstruosidade por Stálin era o “socialismo”. Os dirigentes ocidentais não fizeram mais do que se deleitar com esse uso absurdo e escandaloso do termo, que lhes permitiu difamar o socialismo autêntico durante décadas.

Com igual entusiasmo, mas em sentido contrário, o sistema de propaganda soviético tentou explorar a seu proveito a simpatia que os ideais socialistas autênticos inspiravam nas massas de trabalhadores.

Diplomatique Não é verdade que, segundo os princípios anarquistas, todas as formas de auto-organização acabaram por desmoronar?

Chomsky  Não há “princípios anarquistas” fixos, uma espécie de catecismo libertário ao qual se deva prestar juramento. O anarquismo, ao menos como o vejo, é um movimento do pensamento e da ação que busca identificar as estruturas de autoridade e dominação, exigindo que elas se justifiquem, e, se elas se mostram incapazes, como acontece freqüentemente, tenta superá-las.

Longe de ter “desmoronado”, o anarquismo, o pensamento libertário, vai muito bem. Ele é a fonte de muitos progressos reais. Formas de opressão e injustiça que mal eram reconhecidas, e muito menos combatidas, não são hoje mais admitidas. É uma conquista, um avanço para o conjunto dos seres humanos, não uma derrota.

(Le Monde Diplomatique, Agosto de 2007, edição brasileira)  Aqui

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