A manifestação anarquista de 3 de março de 1975 em solidariedade com os trabalhadores espanhóis


A 3 de março de 1975, vários grupos (uns anarquistas e outros afirmando-se apenas internacionalistas) de Lisboa organizaram uma manifestação de solidariedade para com os trabalhadores espanhóis ainda sob o jugo de Franco, aproveitando o aniversário do assassinato de Salvador Puig Antich, que tinha sido garrotado um ano antes, a 2 de março de 1974.

Foram várias centenas os manifestantes que desfilaram Avenida da Liberdade acima, provocando alguns estragos nas montras de companhias espanholas que ali tinham as suas delegações.

O comunicado que convocou a manifestação – para além de outro material publicado na altura – traduz o espírito da convocatória e a solidariedade que todo o movimento libertário português sempre prestou, neste período difícil, aos companheiros espanhóis.

Em baixo está a “notícia” do “insuspeito” Diário de Lisboa, então dominado pelo PCP e pela extrema-esquerda (a maioria hoje a militar em partidos de direita) que, num texto não assinado e demonstrativo daquilo que, na altura e agora, se chama “isenção jornalística”, tenta ironizar com a forma como decorreu o desfile de protesto. Quem lá esteve não se reconhece no tom faccioso e mentiroso da prosa! Mas fica como exemplo desses tempos, em que depois de 16 anos de repressão burguesa na 1ª República e de 48 anos de fascismo, o movimento anarquista ainda sofreu todo o tipo de silêncios, perseguições, mentiras e ocultações após o 25 de abril por parte de quem quis ocupar as primeiras filas de uma democracia de opereta.

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  1. Muito, há muito tempo que não relia este prospecto. Quando fui preso em Setembro de 1975, conforme a minha indicação os meus papeis foram destruídos. O que restou ficou escondido em segurança. Mas, temporariamente livre do Estabelecimento Prisional do Monsanto, em finais de 1976, com um novo mandato de captura emitido superiormente, fui obrigado a destruir todos os documentos e distribuir os livros. Na verdade, fui obrigado a saír rapidamente para fora do país. Tudo isso aconteceu com base na rede de apoio mútuo anarquista. Uma estrutura eficaz de relações que atravessa as fronteiras fictícias dos estados. O apoio mútuo solidifica a nossa Internacional. Ficou a memória bem viva, capaz de recortar os pormenores, inscrever os nomes essenciais que apareceram na luta. A nossa “manifestação” também teve que ser organizada, e segundo o companheiro Júlio Carrapato: “Em conformidade, os jovens anarquistas e os velhos anarco-sindicalistas portugueses foram os únicos a organizar a manifestação de 3 de Março de 1975, contra o Pacto Ibérico e de solidariedade com os trabalhadores espanhóis, a única claramente antimilitarista que se fez no Portugal pós-fascista, na qual se gritou uma frase que os jornais servis nem se atreveram a transcrever na íntegra: “os soldados são filhos do povo; os generais são filhos da puta”. Coitados, com toda a boa vontade que os caracteriza em relação aos partidos do Governo ou aos da oposição legal democrática (sempre “a mudança”!), só ousavam citar a boutade até meio, o que, convenhamos, alterava “um pouquinho” o sentido da frase…” A manifestação pública referida neste texto publicado no post do Portal Anarquista, foi planeada pela Associação de Grupos Autónomos Anarquistas. Na organização colectiva desse evento também participaram os companheiros espanhóis refugiados, que diáriamente conviveram connosco em Almada. Local onde estiveram alojados durante seis meses. A AGAA nessa época representava a única estrutura anarquista real, com capacidade de mobilização da juventude e com a força necessária de penetração em alguns sectores sociais. Na área indústrial da margem sul do Tejo (Lisnave, Oficinas do Arsenal do Alfeite, Companhia Nacional de Pescas, Siderurgia Nacional) a nossa propaganda era distribuida nos locais de trabalho, a partir de uma rede de jovens operários. Carlos Fontes, coligindo apontamentos dispersos, em “O Anarquismo em Portugal (1796 – 2021)”, procura traçar um panorama interpretativo da movimentação anarquista, entre os anos de 1974-77. Fontes, colaborador a partir de Março de 1975 do jornal A Batalha, não manteve qualquer cumplicidade directa nessas movimentações desenvolvidas nem durante esse período esteve envolvido em qualquer plataforma de acção anarquista organizada. Por isso não acompanhou directamente os eventos no terreno. Sublinhamos que o seu escrito na pag. 152, refere o seguinte: “Apesar de várias tentativas entre 1974 e 1980 não foi possível criar uma organização permanente de coordenação do movimento anarquista. Esta assentava nos contactos directos nas multiplas iniciativas que foram sendo promovidas: manifestações, encontros, festas, debates, acampamentos. Entre as manifestações organizadas destacasse a do 1º. de maio de 1977, a primeira onde não houve uma colagem ao movimento em Espanha. Na Praça de Figueira registou-se uma forte presença de libertários, numa altura de recuo do movimento social.” Quem assim escrevia, não batia certo com aquilo que nós na “Acção Directa” realmente implantávamos.

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