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Flauta de Luz, boletim de topografia, n.º 3, Outubro de 2015, pp. 184
Acaba de ver a luz o terceiro número desta invulgar revista, uma das melhores que se publica em língua portuguesa, editada e coordenada por Júlio Henriques com apoio de Joëlle Ghazarian. A sua originalidade e interesse estão antes de mais na atenção que a publicação dedica aos povos tribais, ditos primitivos, e à riqueza criadora de que são portadores no seu diálogo com o meio natural por contraste com a pulsão destrutiva e suicidária que parece reger os povos não tribais, ditos civilizados e desenvolvidos, nesse mesmo contacto.
Daí um conjunto de artigos em destaque sobre o genocídio nos Estados Unidos da América (Fernando Gonçalves), a cosmogonia índia (Georges Lapierre), os direitos da natureza (Raúl LLasag Fernández), a filosofia ambiental (Alessandro Pozzan), a anarquia e o sagrado (David Watson), os povos tribais no mundo hoje (Júlio Henriques) ou a poesia ameríndia contemporânea.
Em correlação estreita com a problemática dos povos arcaicos e dos seus modos de vida e convívio está a questionação do “trabalho” nos moldes em que é vivido numa sociedade produtivista de crescimento acelerado e o interesse por formas alternativas de vida e de pensamento. Daí a crítica à competitividade (Paulo Barreiros, Federico Corriente e Jorge Montero) ou a atenção prestada à experiência de fuga e margem (Pedro Morais e Pedro García Olivo) ou ainda a tradução por Luís Leitão do último trecho escrito de Albert Cossery (1935-2008), um escritor que promoveu a desaceleração da vida e cuja obra foi em grande parte disponibilizada em português na editora Antígona por Júlio Henriques.
Júlio Henriques, que verteu no passado para português muitos textos teóricos da Internacional Situacionista, mas cujo pensamento nos últimos anos se aproximou de Jacques Ellul, crítico do desenvolvimento tecnológico do Ocidente, é ainda o editor e coordenador do Gorgulho, “boletim informativo sobre a biodiversidade agrícola”, cujo número 13 acabou de aparecer na Primavera de 2015. É no cruzamento entre a defesa dos modos arcaicos de vida, que desconheciam ainda formas desumanas de organização como o Estado, e a luta contra o carácter destrutivo do produtivismo da sociedade industrializada de massas que nos parece estar a chave dum programa libertário eficaz e actuante no futuro próximo.
António Cândido Franco