M. Ricardo de Sousa
Esta crise imprevisível, e surpreendente, iniciada no final do ano passado, e que penso não estar a ser considerada em toda a sua dimensão e grandeza nem pela esquerda política e sindical, nem pelos libertários, tem posto a nú muitos aspectos do Sistema que ficavam sistematicamente ocultos pelo funcionamento em condições “normais” do capitalismo e do Estado.
Estas são algumas notas:
– O trabalho assalariado é ainda a base das nossas sociedades humanas.
– A incapacidade da elites, e classes dominantes, incluindo os intelectuais, cientistas, (para não falar nos analistas políticos e economistas), de prever o curto prazo e, mais ainda, o médio prazo, quando a realidade se altera significativamente.
– As classes e elites dominantes estão divididas por contradições profundas mesmo quando o futuro do Sistema está em causa.
– As classes subalternas estão dispostas a aceitar acriticamente soluções autoritárias quando está em causa a sua segurança e sobrevivência.
– Em situações dramáticas de catástrofe ressurgem espontaneamente mecanismos de entreajuda, solidariedade e apoio mútuo numa parte das sociedades isolando os comportamento egoísticos, individualistas, do homem lobo do homem, de que falava Hobbes.
– Esta crise prova que o futuro das sociedades está em aberto e não existe o fim da história. Nem vitória definitiva do capitalismo, do Estado e da democracia representativa, como se anunciava no final do século XX.
Ante esta realidade, a crítica libertária sobre o capitalismo, o estado e o poder, continua a ser pertinente mas debate-se com a ausência de receptividade por parte das classes subalternas que buscam no Estado Providência a última boia de salvação ante a preocupação de satisfazer as necessidades básicas: segurança, saúde, educação, desemprego, velhice.
Qual o caminho para os anarquistas deste século? A meu ver, a propaganda pelo exemplo, através de experiências associativas de vida e produção, parecem ser uma forma mais eficaz de difusão da cultura libertária mais que a mera propaganda ideológica e discursiva, pois são uma demonstração prática da viabilidade de um funcionamento social tendo por base a autonomia, solidariedade, entreajuda e auto-governo. Embora no contexto actual, que pouco existe, tudo fará falta, divulgação, associação e acção.
Uma coisa parece certa, a mudança profunda deste Sistema, exige a existência de uma cultura (no sentido antropológico) libertária amplamente difundida nas classes subalternas, que serão sempre as potencialmente mais interessadas no fim da exploração e da dominação.
Abril de 2020
M. Ricardo de Sousa
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