(Agosto de 1936) ‘A matança de Badajoz’ foi o maior massacre da Guerra Civil Espanhola


 

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No dia 14 de Agosto de 1936  e nas duas semanas seguintes foram mortas milhares de pessoas (segundo algumas estimativas cerca de 10 mil), a maioria fuziladas na antiga Praça de Touros.

O jornalista português Mário Neves, que chegou a Badajoz no dia 15 de Agosto, ainda pôde testemunhar todo o horror que se vivia na cidade extremenha e disso deu conta num artigo publicado no Diário de Lisboa de 16 de Agosto e depois num livro intitulado “A matança de Badajoz”.

Milhares de espanhóis perseguidos pelas tropas fascistas fugiram em direcção à fronteira portuguesa, sendo entregues de novo aos torcionários espanhóis e fuzilados. Foi um dos primeiros episódios da violência fascista em larga escala, menos de um mês depois do inicio da sublevação dos generais sediciosos, que iria marcar toda a guerra civil espanhola.

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Escrevia Mário Neves no último artigo (censurado) enviado para o “Diário de Lisboa”:

“Badajoz, 17. – Vou partir. Quero deixar Badajoz, custe o que custar, o mais depressa possível e com a firme promessa à minha própria consciência de que não mais voltarei aqui. Por muitos anos que me conserve na vida jornalística, jamais se me deparará, por certo, acontecimento tão impressionante como este que me trouxe a terras abrasadoras de Espanha e me conseguiu desafinar por completo os nervos. Não se trata de uma piuguice ridícula, dum sentimentalismo excessivo. Basta ter uma mediana formação moral e estar sinceramente fora das paixões que se chocam para não poder presenciar a frio as cenas horríveis desta guerra civil tremenda que ameaça devorar a Espanha, destruindo para sempre o amor e semeando ódios bem fundos.

Antes de abandonar, porém, esta cidade, onde a paz não voltará com certeza a reinar tão cedo – digo paz e não sossego -, desejo abordar ainda um aspecto deste extraordinário assunto. Entrei aqui ontem, às 10 horas da manhã. Os cadáveres que vi não eram os mesmos que hoje encontro, em locais diversos. As autoridades são as primeiras a divulgar, para que se veja como é inflexível a sua justiça, que as execuções são em número muito elevado. Que fazem então dos corpos? Onde poderão enterra-los em tão curto prazo? Quem disporá de tempo para o fazer? Decerto que os serviços de comando deste exército que ocupa agora a cidade não deixou de pensar numa solução. Várias pessoas a quem me dirijo, para tentar satisfazer a minha curiosidade, parecem temer dar-me qualquer resposta.

O acaso, um mero acaso, põe-me em contacto com um sacerdote, que, ao saber-me português, me faz o melhor acolhimento e proporciona a solução para a minha incógnita: os mortos são tantos que não é possível dar-lhes sepultura imediata. Só a incineração em massa conseguirá evitar que os corpos, acumulados, se putrefaçam, com grande perigo para a saúde pública. E foi essa operação macabra que hoje começou a realizar-se às 6 horas da manhã no cemitério, provocando a grande fumaceira que, quando vinha do Caia, observei num ponto que me indicaram como sendo o cemitério.

Graças à companhia deste cura amável, junto do qual não mais encontrei dificuldades, posso ir até ao cemitério da cidade, que fica a cerca de dois quilómetros, próximo da estrada de Olivença. É um cemitério simples de província, com o clássico muro branco e um largo portão de ferro, em que a vigilância dos guardas é hoje bastante apertada. Mas nenhuma porta se fecha hoje, diante de nós, com este salvo-conduto humano, que providencialmente se nos deparou.

Há dez horas que a fogueira arde. Um cheiro horrível penetra-nos pelas narinas a tal ponto que quase nos revolve o estômago. Ouve-se de vez em quando uma espécie de crepitar sinistro da madeira. Nenhum artista, por mais genial que fosse, seria capaz de reproduzir em tela esta impressionante visão dantesca.

Ao fundo, num degrau cavado na terra, com o aproveitamento de uma diferença de nível, encontram-se, sobre traves de madeira transversais, semelhantes às que se usam nas linhas férreas, numa extensão talvez de quarenta metros, mais de 300 cadáveres, na sua maioria carbonizados. Alguns corpos, arrumados com precipitação, estão totalmente negros, mas outros há em que os braços ou as pernas, intactos, escaparam às labaredas provocadas pela gasolina.

O sacerdote que nos conduz compreende que o espectáculo nos incomoda e tenta explicar-nos:

– Mereciam isto. Além disso, é uma medida de higiene indispensável…

O fumo que se evola deste montão disforme já não é denso. Aqui e ali se ergue ainda uma colunazinha branca, que vai espalhando pelo céu, num ambiente louco de calor, um cheiro indescritível. Temos de sair. De um lado, 30 cadáveres de paisanos aguardam a sua vez, enquanto, em frente, 23 corpos de legionários, aqueles que tombaram sob o fogo intenso das metralhadoras, na brecha da Puerta de la Trinidad, estão também à espera de que chegue a hora do seu solene enterramento.

À porta do cemitério, um camião traz mais quatro corpos, que foram recolhidos algures e, conduzidos pelos guardas em carrinhos de mão, se vão juntar aos trinta que serão mais tarde incinerados. – Mário Neves.”

aqui: http://www.fmsoares.pt/aeb/dossiers/dossier08_BKP/03_MNGCE.html

ver: https://www.facebook.com/events/1000091760043233/

relacionado: https://colectivolibertarioevora.wordpress.com/2013/08/13/badajoz-homenageia-as-vitimas-da-repressao-fascista-de-14-de-agosto-de-1936/

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“Diário de Lisboa” de 15 de Agosto de 1936, 2ª tiragem. Ler Aqui

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Diário de Lisboa” de 16 de Agosto de 1936. Ler Aqui

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