18 de Janeiro de 1934: muito mais do que a Marinha Grande


embarquePresos  do 18 de Janeiro, a caminho da prisão em Angra do Heroísmo (a bordo do Carvalho Araújo).

CarvAraujoEmbarque dos insurrectos do 18 de Janeiro (entre os quais muitos anarquistas e anarco-sindicalistas, nomeadamente o coordenador da CGT e director da “Batalha”, Mário Castelhano) com  destino aos Açores (Angra do Heroísmo)

familiaFamilias dos presos da Marinha Grande numa manifestação junto ao Governo Civil de Leiria, em 1935, pedindo a sua libertação

Comemoram-se este sábado os 80 anos do 18 de Janeiro de 1934, um movimento grevista, de carácter insurreccional, convocado pelo movimento sindical para protestar contra a fascização dos sindicatos e tendo em vista o derrube do regime fascista. O movimento fracassou e não teve a adesão esperada, apesar de em diversas localidades os trabalhadores terem feito ouvir a sua voz e o seu protesto. Marinha Grande, Almada, Silves… foram alguns desses locais que ficaram simbolicamente no imaginário revolucionário português.

Com o fascismo já implantado em Portugal, a publicação do “Estatuto do Trabalho Nacional e Organização dos Sindicatos Nacionais, em Setembro de 1933 (com efeitos a partir de Janeiro de 1934) foi a gota que fez transbordar o movimento sindical.

Com a nova legislação acabavam os sindicatos livres, colocando-os sob a tutela do Estado. A CGT anarco-sindicalista propõe uma greve geral revolucionária aos outros sectores oposicionistas que se movimentavam no meio sindical – à Federação das Associações Operárias de Lisboa (socialista), à Comissão Intersindical (comunista) e aos sindicatos autónomos.

Grande parte da direcção do movimento e do fornecimento de bombas e outro material ficou nas mãos da CGT.

Nas véspera de 18 de Janeiro um elemento do PCP (na altura, um partido claramente putchista e com pouca influência entre os trabalhadores) fez explodir uma bomba na estrada de Chelas, sem objectivo aparente e, mais tarde, nessa madrugada, um levantamento da linha férrea perto de Santa Iria da Azóia provocou o descarrilamento de um comboio. (1)

Dias antes, a 15 de Janeiro, tinha sido preso Mário Castelhano, coordenador da CGT, profundamente empenhado na direcção da greve, devido a uma denúncia de alguém que nunca se conseguiu identificar. (1)

Custódio da Costa, do Sindicato dos Manipuladores de Pão, que ficara encarregue de fazer explodir  uma bomba na Senhora do Monte (Graça) em Lisboa, para anunciar o início do movimento aos vários grupos sediados na capital, suspende a acção, agendada para a madrugada do dia 18, numa altura em que o Governo e a polícia já estavam de sobreaviso e na posse de informações sobre a eclosão do movimento.

Em Lisboa, no entanto, há vários grupos de trabalhadores que avançam para as tarefas que lhes competiam, mas a polícia já está na rua e, em termos gerais, a greve geral tem pouca adesão na cidade, ao mesmo tempo que, durante todo o dia são presos centenas de activistas e militantes.

A greve geral que inicialmente devia atingir todo o país é, a pouco e pouco, desmobilizada, ainda que, na manhã do dia 18, “registam-se sabotagens das comunicações telefónicas, nas máquinas da Fábrica de Material de Braço de Prata, paralisações de trabalho em várias áreas industriais e aglomerações de trabalhadores que começaram a ser dispersas pelas forças armadas. Em Coimbra, às 4,30 h. da manhã a cidade ficava sem luz e energia. Os transformadores e os compressores da central eléctrica foram  inutilizados. Na Marinha Grande, os trabalhadores dominam a povoação e submetem a força local da GNR para depois ainda resistirem ao ataque de fortes contingentes militares que foram sitiar e atacar. Em Almada, Setúbal, Cova da Piedade, Barreiro, Montijo e Vendas Novas (…). Em Leiria as comunicações são cortadas a sul e a norte da cidade. No Porto e em muitas localidades do país houve paralisações” (1)

Na imprensa fascista, de todos estes acontecimentos, no dia 19 de Janeiro, o mais relatado é o da Marinha Grande, onde o movimento insurreccional, limitado a pequenos grupos de militantes, durou um par de horas, servindo “às maravilhas” a propaganda do regime autoritário, mas poucas foram as notícias relativamente, por exemplo, a Almada, Barreiro ou Cacilhas, onde o movimento foi secundado por milhares de trabalhadores, o mesmo acontecendo em Silves onde a povoação esteve – aí sim – durante vários dias em “pé-de-guerra”.

Poucas semanas depois da eclosão do movimento o PCP publica uma nota onde refere que nos locais onde o movimento teve expressão “ele tinha seguido as orientações do partido”, a que a CGT responde com uma violenta nota na primeira edição da “Batalha” clandestina pós 18 de Janeiro (em Abril). Posteriormente, o PCP viria a desvalorizar o movimento grevista e insurreccional do 18 de Janeiro de 1934 (tendo mesmo Bento Gonçalves, na altura secretário-geral, considerado que foi “uma anarqueirada”) para depois o vir reivindicar, sobretudo devido ao facto de na Marinha Grande os comunistas terem na altura alguma implantação.

Esquecem, no entanto, que foi ali que o movimento teve características mais claramente putchistas e que, ao contrário de outras zonas do país, onde os anarco-sindicalistas eram quase hegemónicos, foi muito restrita a mobilização de trabalhadores e a sua adesão à greve geral.

Ao longo dos últimos anos diversos estudos têm ajudado a desmistificar a propaganda do PCP – que sempre visou combater e diminuir a acção anarco-sindicalista para se arrogar como “único defensor das classes trabalhadores”.

Apesar disso outros estudos embarcam na versão oficialista do PCP (como é o caso de uma tese divulgada por estes dias no Esquerda.Net em que apenas é valorizada no 18 de Janeiro a participação do PCP e, nomeadamente, os acontecimentos da Marinha Grande).

Polémicas à parte, o 18 de Janeiro assinala, no entanto, de forma clara, a última grande machadada sobre o movimento sindicalista revolucionário e autónomo, com a prisão de centenas de militantes, a sua deportação e a desarticulação da maioria das estruturas organizativas. A partir daqui fica o caminho aberto para a fascização dos sindicatos e o seu controlo pelo Estado Novo, mas também ao trabalho que dentro deles os comunistas começaram desde logo a fazer, praticando o “entrismo”, que levou posteriormente à criação da Intersindical Nacional,  a actual CGTP, reformista e, muitas vezes, um mero apêndice da estratégia comunista.

a.

1)    “O 18 de Janeiro de 1934 e alguns antecedentes” – depoimento colectivo de intervenientes no movimento – Regra do Jogo, 1978

Links importantes para compreender o 18 de Janeiro:

Depoimento Colectivo: “Como a verdade ressalta”

Maria de Fátima Patriarca: O «18 de Janeiro»: uma proposta de releitura

Paulo Guimarães – Cercados e Perseguidos: a Confederação Geral doTrabalho (CGT) nos últimos anos do sindicalismo revolucionário em Portugal (1926-1938)

Irene Pimentel: 18 de Janeiro de 1934

Almada: http://largodamemoria.blogspot.pt/2007/01/o-18-de-janeiro-em-almada.html

Coimbra:  http://irenepimentel.blogspot.pt/2010/04/o-18-de-janeiro-de-1934-em-coimbra.html

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4 comments

    1. Ana: Estás a ver mal a questão. Não há desdém algum, antes pelo contrário. Mas o facto é que reduzir o 18 de Janeiro de 1934 apenas ao que aconteceu na Marinha Grande é redutor e tem um carácter de mera propaganda partidária. A Marinha Grande foi importante se o enquadramos na greve geral insurreccional que se manifestou em vários pontos do país. Como acto isolado, vale o vale, mas não mais do que um movimento de tipo putchsita, isolado, sem grande significado para a luta mais geral dos trabalhadores portugueses.

  1. Lamentável é lembrar só os revolucionários do 18 de Janeiro que eram militantes do PCP e ignorar a maioria que eram anarco-sindicalistas!

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