Sebastião Alba, poeta vagabundo, inconformado e anarquista


alba

‘Súbdito só de quem não reina’

Sebastião Alba (de seu nome Dinis Albano Carneiro Gonçalves) nasceu em Braga em 1940 e ali morreu em 2000. Após viajar para Moçambique, passou a conviver com um importante grupo de escritores e intelectuais. Foi jornalista, guerrilheiro político, e teve uma vida bastante agitada e cheia de desilusões, com passagens por prisões e hospitais psiquiátricos. Alba passou com o tempo a viver como andarilho e vagabundo, acabando por morar na rua e morrer atropelado em Braga, sua terra natal. Deixa um bilhete dirigido ao irmão: «Se um dia encontrarem o teu irmão Dinis, o espólio será fácil de verificar: dois sapatos, a roupa do corpo e alguns papéis que a polícia não entenderá».

“Um dos grandiosos deuses humildes da palavra”, foi como a ele se referiu  o poeta moçambicano José Craveirinha. (1)

O escritor e professor universitário José Manuel Mendes, de quem era amigo e com quem conviveu em Braga, diz que Sebastião Alba “era um homem muito crítico. O seu discurso não era o da indiferença, não o do alheamento. Era o de quem não renuncia aos seus princípios de sempre, princípios de uma certa radicalidade de esquerda, que eu diria com raízes libertárias, no sentido anarquista”. (2)

Outro amigo, Virgilio Alberto Vieira, confirma. “Ele tinha uma formação de esquerda, marxista-leninista, mas a sua desadaptação vai aproximá-lo de um certo anarquismo. Era um homem com valores políticos e morais muito fortes. Nesse sentido, não era um sem-abrigo. O Alba não é vítima de coisa nenhuma. É uma pessoa lúcida, que assume uma determinada conduta, porque achava que a sociedade está toda errada, dá às pessoas com uma mão e tira-lhes com a outra. Ele queria provar que não precisava de nada. Um sem-abrigo é um desamparado. Ele não. Ele assumia o desamparo como forma de lutar contra os falsos amparos. Discutíamos muito sobre isso, de forma violenta. ‘Então vens do trabalho, hem?’, gozava ele. Eu respondia: ‘E tu, parasita do caralho? Para andares aí, a tua filha tem de trabalhar para estudar!’ Ele ia aos arames. Mas gostava de provocar raiva. Queria réplica. Sabia que estava a pôr em causa valores que as pessoas davam por adquiridos.” (3)

Aqui Louvo os Animais

Súbdito só de quem não reina,
aqui louvo os animais.
Há, entre mim e eles, uma funda
relação de videntes:
as paisagens que fendem
e a minha, sepulta,
perfazem um mesmo habitat.
Desde que os não sondo,
fez-se luz em nosso convívio.
O ar inicial
que ensaiava, icárico,
nas bolas de sabão,
mas não atina com o vácuo
da cidade, vem-me
dos seus pulmões arborescentes.
Alheios à sua pele
na osmose dos textos,
ignoram que nas águas
por correr, desta página,
cruzam, saudando-se,
o «Beagle» e a Arca de Noé.
 .
Sebastião Alba, in ‘O Limite Diáfano’

*

Ninguém Meu Amor

Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos
 .
Sebastião Alba, in ‘A Noite Dividida’
 .

(1) http://www.culturapara.art.br/opoema/sebastiaoalba/sebastiaoalba.html

(2) (3) http://paulomoura.net/?p=1200

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