De Barcelona: o desalojo da Carbonería já teve resposta


Capturar

*O CSO “Banc Expropiat” vai a tribunal

*O braço de ferro entre Can Vies e TMB mantém-se

* Três agências bancárias já foram ocupadas e transformadas em Centros Sociais Autogestionados

Escrevemos em artigos anteriores (aqui e aqui e aqui ) que as okupações políticas em Barcelona estão a ser ameaçadas pelo Estado espanhol e pelo proto-Estado catalão. Falta dizer que o contexto de crise que potencia esta ofensiva militarizada contra a okupação também fornece novas perspectivas de luta política. Vislumbram-se novos caminhos para criar e visibilizar o conflito social nas cidades, e o caso barcelonês pode ser de utilidade para as lutas noutros lugares. Antes de entrar na matéria, resumimos brevemente a situação dos CSO’s mais emblemáticos da cidade. O Centro Social histórico Can Vies, do qual já tinhamos falado, continua numa situação extremamente delicada. A expulsão dos okupantes foi decidida no mês passado e pode ocorrer a qualquer momento, já que o tribunal determinou que o desalojo poderia produzir-se em qualquer momento entre dia 1 e 30 de Abril. O regedor do distrito de Sants, face ao apoio massivo do tecido social do bairro ao CSO, fez marcha atrás e anunciou que não se realizaria a expulsão. Por agora, ninguém acredita. Quando a população se encontra unida e organizada de forma auto-gestionária para suprir as suas necessidades, as acções colectivas levadas a cabo pelas assembleias tornam-se mais ameaçadoras para o poder. No outro extremo, encontram-se os individuos atomizados pela chamada “modernidade líquida”. As suas dívidas impagáveis e os seus trabalhos extenuantes não lhes permitem sair à rua para defenderem os espaços colectivizados que possam existir ou nos quais participem. No bairro de Sants, viveram-se momentos de re-encontro popular durante as várias manifestações, acções directas, actividades culturais e políticas etc. que Can Vies organizou para defender o CSO.

A ameaça de desalojo ainda paira sobre os espaços libertados mais emblemáticos da cidade, mas nem tudo são más noticias. Ainda é cedo para lançar foguetes, mas pode-se desde já festejar a activação de redes de solidariedade e apoio mútuo de grande alcance. O CSO La Gordissima parece ter conseguido dar a volta à situação, através duma hábil manipulação da lei, e pode ter ganho mais um ano de vida. Deve-se dizer que o proprietário ofereceu às okupantes a oportunidade de negociar a expulsão em troca de certas regalias que elas negaram rotundamente. A negociação continua a não ser uma opção para aquelas pessoas que se consideram, de alguma forma, parte integrante do movimento okupa. Por último, a Gordíssima abriu outro CSO, chamado La Vaina, que já foi inaugurado. O Ateneu Flor de Maig, antes ameaçado, vê-se agora numa situação curiosa: a Câmara anunciou a sua intenção de paralisar o processo de expulsão, afirmando que tinha a intenção de comprar o edificio para cedê-lo aos seus okupantes. Os okupantes nunca tinham pretendido, de forma colectiva, negociar com as autoridades, mas vêm agora as suas intenções contrariadas pela manobra de cooptação do Estado. Esta estratégia também se aplicou ao caso de Can Batllò no bairro de Sants, onde os vizinhos ameaçaram tomar pela força a fábrica abandonada e a Câmara cedeu-lhes as chaves. Resta saber como é que a assembleia de Flor de Maig vai reagir. Por outro lado, o Ateneu Popular do Eixample conseguiu parar a comitiva judicial que vinha expulsar os okupantes. A presença de manifestantes fez a policia ir-se embora, mas esta pode voltar em qualquer momento. Por fim, o Banco Expropriado de Gràcia é o único espaço do qual falaremos hoje que se encontra numa situação verdadeiramente delicada. “El Banc” , outro CSO, foi denunciado novamente pelo banco CatalunyaCaixa, o que poderia significar o final da trajectória deste espaço muito enraizado no bairro. Não é a primeira vez que o Banco Expropriado de Gràcia é denunciado por CatalunyaCaixa, e é de esperar que a resposta seja contundente.

CatalunyaCaixa é o resultado da fusão entre três bancos. Este tipo de processo de reestruturação tem acontecido em toda a Europa, e em Espanha este processo fez com que o número de bancos passasse de cerca de 50 a menos de 10. O Estado tem emprestado os seus serviços aos magnatas da finança e resgatou esse banco através do FROB (Programa para a reestruturação da Banca). Mas não só os bancos se têm fortalecido. Essa agência bancária, posteriormente ocupada, tornou-se um importante lugar de encontro de Gràcia e foram-se construindo relações igualitárias nas várias assembleias que aí se reunem regularmente. A Rede de Alimentos, o grupo de trabalho de Habitação e Espaço Público, a assembleia do 15M do bairro e os seus grupos de trabalho, a assembleia amarela (defesa da educação), as Feministas Indignadas, a loja grátis… Quando o banco ameaçou expulsar os seus okupantes, pôs-se em marcha uma campanha de solidariedade que tinha como objectivo visibilizar os ataques realizados às sucursais. Os resultados podem-se consultar num blog independente, mencionado no final do artigo. Na verdade, o banco já teve que renunciar a efectuar o desalojo por duas vezes. Também, no contexto da segunda campanha contra o desalojo do Banco Expropriado, os okupantes colaboraram com os jovens de Gràcia para abrir outra sucursal ocupada de CatalunyaCaixa, o Casal Tres Lliris. Esse banco passou, nesse momento, a ter duas das suas sucursais okupadas. Esta forma de reapropriação da propriedade privada dos bancos é, em verdade, um simples movimento de recuperação daquilo que é do povo. É dos seus bolsos que sai o dinheiro para pagar a dívida contraída pelo Estado para supostamente salvar a banca. Entretanto, a crise sistémica persiste, pelo que é de esperar que a expulsão de famílias das casas que já não conseguem pagar continue a ser acompanhada pelo resgate dos banqueiros. Infelizmente, este banco que reactivou a denúncia também vendeu os locais nos quais o Banc Expropiat desenvolve as suas acções. Vendeu-o a uma imobiliária – a Antartic Vintage -, da qual o dono é Manuel Bravo Solano, um conhecido especulador. Dia 29 de Abril, saber-se-á mais sobre o futuro do Banc…

De qualquer forma, o espaço físico que o Banc Expropiat okupa é pouco relevante, o que conta é que os anos de trabalho têm vindo a dar frutos. Pouco depois da expulsão da Carboneria, abriu-se de forma autónoma outro espaço com as mesmas características que o Banco Expropriado. A poucas ruas da Carbo, outra agência bancária foi okupada, reabilitada e inaugurada. Desta vez, o proprietário é o Banco Mare Nostrum, fruto de uma fusão bancária semelhante à da CatalunyaCaixa. Já é a terceira sucursal bancária que é okupada na cidade, desta vez no Eixample. Este bairro é muito diferente de Gràcia, onde a vida de bairro é intensa e existem muitas iniciativas sociais e cooperativas. O Ateneu l’Entrebanc, que foi inaugurado no passado dia 5 de Abril, nasce, deste modo, num contexto no qual a importância de ter espaços deste tipo é muito maior. O novo CSO já permitiu voltar a juntar num só espaço várias assembleias. A médio prazo, prevê-se que se gerem dinâmicas com o espaço vizinho, Germanetes, que também abriu este ano. Germanetes é um descampado recuperado pelas assembleias do bairro (15M e a associação de vizinhos), e um espaço que é fruto da negociação com as autoridades. Longe de condenar as diferentes formas de luta que são possíveis e necessárias para combater a ditadura actual, o Ateneu foi pensado com um espaço complementar a Germanetes, que ainda não tem um carácter político tão radical. E a longo prazo, porque não começar a pensar em novas okupações de sucursais bancárias? Porque não pensar em replicar este modelo de luta, que permite a re-apropriação de lugares físicos em lugares centrais, através da organização assembleária, noutras cidades, noutros países? Em Barcelona ainda só são três as sucursais bancárias transformadas em CSO’s, que passaram de locais fechados a lugares de encontro nos quais se desenvolvem projectos convivenciais, abertos, e em luta contra o poder.

[extracto do manifesto] O que é o Ateneu Entrebanc?

 O Ateneu Entrebanc concebe-se como um espaço social, cultural e político dirigido à luta dos vizinhos. Trata-se de um ponto de encontro de vizinhas e vizinhos, movimentos sociais, associacões, cooperativas e assembleias diversas que queiram trazer contributos. Neste sentido, é um espaço aberto e inclusivo, onde cabem todo o tipo de sensibilidades, actividades, ideologias e idades, sendo a horizontalidade e a autogestão a base que nos reúne. O objectivo é criar uma rede de vizinhança e alimentar as redes de ajuda mútua. Simultaneamente, quer-se dar espaço às iniciativas que nos motivam e inquietam enwquanto vizinhos. Seguindo esta linha, o Ateneu não será um bar ou uma vivenda, mas sim um ponto de encontro da luta social, com as suas vertentes organizativas, didácticas e lúdicas. A forma e os conteúdos serão construídos de modo colectivo, para satisfazer as nossas necessidades de raiz popular, procurando alternativas baseadas nas pessoas e no respeito pela natureza.

Barcelona, 22/4/2014

G. S. (artigo escrito propositadamente para o Portal Anarquista)

Alguns sítios de referência na internet:

Web Ateneu Entrebanc http://www.ateneulentrebanc.tk/

Fotos inauguração Ateneu Entrebanc http://www.laintervia.cat/2014/04/14/ateneu-entrebanc-nou-espai-alliberat-esquerra-eixample/

Blog campanha solidariedade contra CatalunyaCaixa http://ambamor.wordpress.com/about/

Blog campanha solidariedade contra Barclays no contexto da exuplsão da Carboneria http://tobarclayswithlove.noblogs.org/

Web Banco Expropriado de Gràcia http://bancexpropiatgracia.wordpress.com/

Comunicado noticia compra do Banc http://bancexpropiatgracia.wordpress.com/2014/04/20/novetats-en-el-proces-contra-el-banc-expropiat-canvi-de-propietari/

Assembleia 15M da Esquerda do Eixample http://www.esquerraeixample.org/

Espai Germanetes http://recreantcruilles.wordpress.com/espai-germanetes/

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